Em 8 de dezembro de 1980, John Lennon foi empurrado para o território das sombras. Tinha completado 40 anos dois meses antes, era pai de um garotinho de cinco anos e de um jovem adolescente; tinha passado os últimos cinco anos recluso, fazendo pão, trocando fraldas e desfrutando da vida doméstica. Poucos dias antes de morrer havia surpreendido o mundo ao lançar um novo álbum. "Double Fantasy" trouxe de volta o velho John, cantando seu amor por Yoko e exibindo a exuberante inteligência.
Eu nem bem tinha começado a viver. Era apenas uma adolescente que amava os Beatles, especialmente John Lennon. Lembro da sensação de incredulidade, do coração disparado, das imagens na TV se tornando borrões. Chorei, como tantos humanos naquela segunda-feira. Foi a minha primeira grande perda para a morte.
NY: multidão reunida diante do edifício Dakota, horas após o assassinato de John Lennon, em 08.12.1980. O prédio, onde o músico morava, tornou-se um espaço de luto coletivo, marcado pelo silêncio, pelas flores e pela comoção de fãs vindos de todas as partes da cidade.
Aos poucos soubemos que o assassino era um antigo fã, Mark Chapman. Vimos a foto de John pacientemente dando um autógrafo ao seu algoz. Os jornais informavam que este nem tentou fugir
John Lennon autografa um exemplar do disco Double Fantasy para Mark Chapman, em frente ao Edifício Dakota, na noite de 08.12.1980, poucas horas antes de ser assassinado.
Nada fazia sentido.
Passei a minha juventude inteira apaixonada por John Lennon. Foi difícil superar a morte dele. Sei das suas imperfeições, conheço seus paradoxos. Li o livro de Cynthia Lennon. Não exijo dele a perfeição que eu não tenho. Não o idealizo nem santifico. Vejo-o como um ser humano que compôs canções que ainda hoje me fazem refletir sobre tantas coisas. Deixam um travo de saudade no meu peito. Continuo a amá-lo em sua complexidade, talvez por me reconhecer igualmente tão sonhadora e tão longe da virtude. Um bípede em busca de respostas.
John Lennon em 1974, ano em que lançou o álbum Walls and Bridges. ▪ Foto: Apple Records, via Wikimedia.
Ainda hoje amo aquela inteligência devoradora de adversários, a ironia pronta a saltar na jugular alheia, os risos sarcásticos, a paixão pulsante sob a pele. Ainda hoje eu me emociono com o timbre único da sua voz, com o idealismo das suas letras e a sua necessidade artística de experimentar, provocar, ousar, aprender, desconstruir e renascer.
Sob todas essas camadas de desejos e contradições está um Lennon sonhador, de caretas e risadas fáceis, mas que se enxergava claramente em seus múltiplos defeitos.
Queria que as canções pudessem parar as balas que atingiram o teu e o meu coração.





















