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Sim, ele vivia na rua. Vivia como se não tivesse casa. É verdade que nasceu numa manjedoura, mas ninguém mora numa manjedoura. Nem mora, nem nasce. Ele foi uma exceção. Nasceu entre animais, numa espécie de estábulo.

Saía cedo da casa e lá se ia para o trabalho da evangelização. Trabalho que não o remunerava. Ia a pé, de sandálias, debaixo de um calor de matar, no verão, ou de um frio de rachar, no inverno, pois Israel é assim.

Ele ia sempre acompanhado de seus doze apóstolos. Ignoro se iam conversando ou em silêncio. Acho que iam em silêncio, embora, de vez em quando, o Mestre parasse para fazer-lhe a seguinte pergunta, pergunta embaraçosa: “Que buscai?”. Silêncio total. Sim, buscar dinheiro, diversão, mulheres? Ninguém anda à toa. Ele fez tal pergunta para conscientizar ainda mais os apóstolos de sua missão. Pergunta como esta: o que você está fazendo aqui no mundo, de onde veio, e para onde vai?

Mas, e a casa do Mestre? Não se sabe. Não venha dizer que o Mestre morava na carpintaria do pai terreno, o pai a quem ele nunca fez alusão.

A jornada era, repito, debaixo de um sol escaldante ou sob o frio das noites de inverno. Se encontrassem uma casa para pedir água, ou se agasalhar, muito bem.

Mas Jesus só vivia na rua. E na rua, em companhia dos doze apóstolos, ia mostrando serviço, limpando leprosos, dando vista aos cegos, afasrando maus espíritos, levantando paralíticos, multiplicando pães e peixes, ensinando a verdade que liberta. Nunca ninguém viu Jesus repousando numa boa cama, no maior conforto. E ele disse, certa vez, que os pássaros tinhamm seus ninhos, as raposas seus covis, mas ele não tinha uma pedra para repousar a cabeça.

E começou cedo o trabalho da evangelização. Garoto de 12 anos, havia ido a uma festa de casamento em Jerusalém, e na hora de voltar perdeu-se dos pais. Depois de muita procura, foi encontrado debatendo com os doutores, no templo. Ora, vejam só... E a mãe achou de lhe passar um carão por ter escapulido, sem dizer nada a ela.

E a casa onde dormia, comia e descansava? Ignora-se. O sublime andarilho só vivia na rua ensinando, como já disse, a verdade que liberta. A verdade que está nas indagações: Por que estamos no mundo? Será que tudo termina no túmulo? Qual o sentido da vida? E foi de cima de um monte que ele proferiu o mais belo sermão da história da Humanidade. Cuja beleza e profunda sabedoria levou o iluminado líder indiano, Mahatma Gandhi, a afirmar. "Se toda a literatura ocidental se perdesse e restasse apenas o Sermão da Montanha, nada se teria perdido”.

Saíam de madrugada e chegavam à noite. Exaustos, mas com a consciência tranquila. A consciência do dever cumprido. A consciência sem remorsos, que é Deus dentro de nós.

Sem casa, mas, certo dia, proclamou aos que o ouviam, que “na Casa do meu Pai há muitas moradas”. As moradas dos bilhões de planetas espalhados pelo Universo. E a nossa Terra é uma delas. Pensando bem, temos três casas: a do corpo físico, a do planeta que pisamos, a que nos serve de residência, a que Jesus não tinha...

N ão vejo outra definição senão esta: fome de ausência. Fome ou dor? Agora estou na dúvida. Que me ajude o leitor. Dor ou fome, a verdade é ...

Não vejo outra definição senão esta: fome de ausência. Fome ou dor? Agora estou na dúvida. Que me ajude o leitor. Dor ou fome, a verdade é que a saudade deixa a gente em profunda tristeza ou depressão.

Quem na vida já não sentiu saudade? Vá ver que até os animais sofrem dessa falta de presença. Outro dia vi um bem-te-vi botando o bico no mundo, chamando sua companheira. Depois ela chegou e foi aquela alegria. Nada melhor do que um reencontro.

Saudade do filho que vai morar longe, saudade da filha que casou e deixou a casa paterna, saudade dos que saíram deste mundo, saudade... Basta, se não vou buscar logo um lenço pois as lágrimas já estão chegando...

Mas a pior saudade é dos que morreram. E esta saudade ainda mais aumenta, se o ausente se foi para sempre. Um materialista deve sofrer muito mais do que um espiritualista. Para aquele, a morte é o fim. Não há mais possibilidade de um reencontro.

Ele não acredita em espírito. E não acredita porque não o vê. Aí vem a indagação: será que nós vemos nossos pensamentos? No entanto, eles existem.

Mas vamos a outras saudades. Estou me lembrando agora das crianças órfãs. Não há maior sofrimento do que a perda de uma mãe, de um pai, quando ainda criança... Felizmente não passei por esta provação.

A orfandade dói. Daí Jesus, quando ia se despedir do mundo, dizer aos apóstolos: “Não vos deixarei órfãos. Rogarei ao Pai e ele enviará outro consolador”. Que consolador seria esse? Qual a religião ou a doutrina que está consolando as pessoas quando elas perdem seus entes queridos? Qual a religião que prega a mediunidade, a certeza de que os que se foram podem se comunicar? E os coitados dos ateus, que acham que morreu, acabou-se? Será que é feliz quem pensa assim?

O médium Chico Xavier sofreu o diabo depois que sua mãe morreu. Só encontrou consolação na sua mediunidade.
Os que se foram, onde estão? Eis a dramática indagação. Estão no cemitério? E abaixo as “saudades eternas”.

Tudo passa, até a saudade. Viva a alegria dos reencontros, lembrando que, às vezes, eu tenho saudade até de mim mesmo. E eu gosto muito de conversar comigo.

É lá que eu vou, todo domingo, faminto de uma boa comida e de presença humana. Sim, o restaurante se chama Flamboyant. E essa árvore não fa...

É lá que eu vou, todo domingo, faminto de uma boa comida e de presença humana. Sim, o restaurante se chama Flamboyant. E essa árvore não falta ao seu redor, chegando até o telhado, com suas flores querendo perfumar o mundo inteiro.

É, sobretudo, um reencontro de amigos. Silêncio absoluto, conversa baixa, vez por outra uma gargalhada. A comida é integral e muito saudável.

Fui uma vez e fiquei indo, pois quem gosta volta. Sua proprietária, Rossana, é a maestrina desse concerto alimentar. Servida por eficientes recepcionistas, a proprietária é a delicadeza e o bom senso em pessoa. Vez por outra, sai da cozinha e vai dialogar um pouco com os clientes. Só um pouco, pois as cozinheiras, a todo instante, estão rogando sua presença.

Faz muito tempo que o meu domingo se enriquece com essa ida ao Flamboyant. E nada como almoçar num clima de paz, saúde e confraternização humana. Sim, o restaurante de Rossana me fez criar novos amigos. Que bom! Professores, escritores, artistas, não faltam lá. E até criança novinha a gente vê.

E o bom é o silêncio, o cheiro de cultura que ali se encontram. Tudo é “self-service”. Quem prepara meu prato é Alaurinda. E meu prato nunca muda, inclusive a mousse de abacate, como sobremesa.

Referi-me à cultura e disse bem. Você lê frases de escritores nas paredes, inclusive de Ruy Barbosa, anúncio de acontecimentos artísticos, e há livros à venda, inclusive “Viajar é sonhar acordado”, de minha autoria e “Bazar de Sonhos”, do meu filho Germano, solicitados por Rossana.

E antes que a boca fique cheia d'água, vamos frear a crônica, que já se alonga. Lembrando, que lá, de bebida só água de coco.

Cá entre nós, a refeição é o momento mais sagrado de nossa vida. Outrora, muito outrora mesmo, a refeição obedecia a
um ritual. E o pai lembrava um maestro. E tudo com silêncio. Refeição com barulho é uma estupidez.
Mais uma vez parabenizo a maestrina da cozinha, Rossana, pelo bom serviço que está prestando à comunidade.

É domingo? Já sabem, o cronista e a esposa sabem para onde ir. E haja folga para a nossa cozinheira, que também merece e deseja mudar.

T udo começa com a Bíblia, quando diz que a mulher nasceu de uma costela do homem, a costela de Adão. Ora vejam só... Não contei ainda nos e...

Tudo começa com a Bíblia, quando diz que a mulher nasceu de uma costela do homem, a costela de Adão. Ora vejam só... Não contei ainda nos esqueletos de ambos para constatar essa diferença costelar.

Dizem que a mulher é o sexo fraco. Discordo. E para argumento em favor de minha tese, basta citar a maternidade, uma árdua e dolorosa missão que, talvez, muitos homens não aguentassem.

Os poetas de antigamente diziam que numa mulher não se bate nem com uma flor. Tenho certeza de que as mulheres de hoje rejeitariam tal amabilidade. A mulher não deseja mimo, mas muito respeito aos seus direitos. E se foram muito discriminadas, na antiguidade, hoje dominam em todos os setores da sociedade, a começar pelo militar. Mulher fardada, com um baita revólver no cinto, é o que mais se vê hoje em dia. E para coroar sua marcha existencial, eis o sexo, outrora fraco, no três poderes. Quem diria... Mulher estadista, mulher mandando. E ela não aceita aquela música do nosso Gonzaga, chamando-a de “mulher-macho, sim senhor". A mulher deseja ser mulher, mulher-mãe, mulher médica, mulher juíza, mulher enfermeira.

Mas, dando uma voltinha no passado, a mulher foi muito discriminada, E sabe que, outrora, uma mulher menstruada era discriminada, tida como impura? Ora, vejam que estupidez. E o homem, que nasceu da mulher, que habitou o seu ventre por nove meses, que se alimentou do seu leite, ainda se considera o sexo forte. Nove meses com o filho no ventre. O homem não engravida, embora muitos deles estejam com a barriga maior do que de uma grávida, a ponto de não ver mais os pés.

É grande a divida da sociedade para com o sexo feminino, sexo erroneamente chamado de fraco. A mulher foi tão discriminada, violentada e humilhada, como o negro. E ainda é em muitos países árabes que as obrigam a esconder o rosto e o sorriso.

Mas, ninguém como Jesus dignificou o sexo feminino. Soube valorizá-lo e respeitá-lo. E apesar de tantas conquistas, a mulher ainda é alvo de muitos preconceitos. Em muitas correntes religiosas, ela ainda é discriminada. E fico pensando: quando é que teremos uma Papisa, nome que só existe no dicionário? Mulher-papa, e daí?

Pelo gosto de Jesus, decerto a mulher teria sido apóstola, sujando as sandálias de poeira, na caminhada evangélica deserto a dentro.

Mulher esposa, mulher mãe, mulher tudo, hoje. E para concluir, deixo o computador para agradecer, em pensamento, a bela Nova Zelândia, que tive a felicidade de visitar, duas vezes, por ter sido o primeiro país a admitir o voto feminino. A mulher nem votar podia...

Para concluir, que tal uma ligeira referência à maneira como Jesus soube tratar as mulheres. Jamais a humilhou. Pelo contrário, sempre procurou dignificá-la. Compreendeu a mulher adúltera, ensinou à samaritana, era amigo de Madalena, a quem primeiro apareceu depois que ressuscitou, advertiu Marta, irmã de Lázaro, muito ocupada e preocupada com as coisas do mundo e esquecendo a verdade que liberta. Eis a razão das mulheres o adorarem. E uma delas chegou, um dia, a enxugar os seus pés com os cabelos. E isto na casa de um fariseu, que censurou aquele gesto de muito amor. Termino a crônica dizendo: as mulheres jamais crucificariam o meigo nazareno. Daí elas terem muita coisa de divino.

C om Paris molhada e fria, qual a melhor opção? Que tal assistir a um concerto nas Salas Pleyel, na Sala Gaveau, ou no Teatro Champs Elysées...

Com Paris molhada e fria, qual a melhor opção? Que tal assistir a um concerto nas Salas Pleyel, na Sala Gaveau, ou no Teatro Champs Elysées? Que tal um passeio pelo Louvre, pelo Orsay ou uma livraria?... Que tal um restaurante, que aqui na Cidade Luz é o que mais se vê. Gosto de ver as pessoas conversando, sorrindo e comendo nos restaurantes. Se não existisse a boca que seria do turismo? Conquanto sempre se falando baixinho, os idiomas se chocam nas animadas conversas, e às vezes, até se escuta um parabéns pra você, de um grupo comemorando um aniversário. Como somos amigos da velhice a ponto de cantar parabéns para quem completa mais um ano de existência!... As pessoas costumam dizer: “ele completou mais uma primavera”. Por que não um outono ou um inverno?

A verdade é que sem restaurantes não haverá turismo. Chegam até a dizer: “Bacalhau só em Lisboa”. Concordo em parte, pois foi, aqui em Paris, que também me deliciei com um gostosíssimo bacalhau, sem falar o delicioso que a nossa chefe de cozinha, aqui de Tambaú, sabe muito bem preparar.

Falei em livrarias, museus, salas de concerto e me esqueci da maior casa de espetáculos de Paris, que é a Ópera Garnier, que não se deve conhecer somente por fora. Que beleza de teto, que luxo, que grandiosidade artística em todos os detalhes! E eu com medo de tropeçar nos luxuosos tapetes, já que nossos olhos estavam passeando pelos belos tetos daquele luxuoso templo da arte.

Essas oportunidades de rever a Ópera, sempre devemos ao planejamento cultural do comandante de nosso grupo, meu filho Germano. E sabe qual foi o último cardápio? Tome nota: “O Anão”, de Zemlinsky; e “A criança e os sortilégios”, de Ravel, baseado num conto de Colette. E eu não conseguia tirar o olho do teto da platéia, pintado por Marc Chagall...

O teatro enorme, chamando a todo instante o nosso olhar de contemplação. Fui me demorando, me demorando e, de repente, não vi mais ninguém. Até os meus familiares já estavam lá fora, quando duas moças recepcionistas, muito bem uniformizadas, que estavam à porta, vieram me chamar, pois a Ópera ia fechar...

Q ual será a maior força do mundo? O amor, o sexo, o poder, o dinheiro? Ora, a maior força do mundo, a grande energia da vida, não poderia s...

Qual será a maior força do mundo? O amor, o sexo, o poder, o dinheiro? Ora, a maior força do mundo, a grande energia da vida, não poderia ser outra senão a fé. Uma palavra de apenas duas letras. E você não precisa de muita fé para conseguir as coisas. Basta um tiquinho dela. Não sou eu quem está afirmando isto. Quem disse essa paradoxal afirmação foi Jesus. Ei-la: “Se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a este monte: Passa daqui para acolá, e há de passar; e nada vos será impossível”,

Mas não vamos interpretar ao pé da letra muita coisa que Jesus disse. Essa afirmação a respeito do grão de mostarda e da montanha é apenas uma figura alegórica ou simbólica. Ele quis dizer que o sentimento de fé, por pouco que seja, surte um grande efeito.

Lamentável é o desânimo, o ceticismo, a apatia, o medo, a indiferença. Sim, o medo, que é o avesso da fé. O medo é um sentimento negativo. O medo nunca criou nada, nunca descobriu nada, nunca produziu nada, nunca fez nada. Se os grandes descobridores e inventores tivessem medo, que seria do progresso? Se Santos Dumont tivesse medo, como entraria naquela geringonça que ele inventou? Se Jesus tivesse medo, não faria as curas que fez. E chegou a dizer que a cura resultou da fé do curado. Era preciso que houvesse um encontro da fé do Mestre com a fé do curado. Uma questão de sintonia.

Jesus submeteu os apóstolos a muitos testes de fé. E eles falharam. Certa vez, estava o Mestre numa embarcação, no mar da Galiléia, com os apóstolos. Ele estava descansando, e, de repente, uma tempestade: trovões, relâmpagos, ventania. Os apóstolos se assustaram, gritando horrorizados com o que estava acontecendo e acordaram Jesus: “Mestre, mestre!”. Jesus abriu os olhos, mandou que a tempestade cessasse. E voltando-se para eles, disse: Ah, homens de pouca fé!”...

Houve também aquele outro episódio, quando o Mestre resolveu dar um passeio sobre as ondas. Os apóstolos ficaram com inveja. Foi então quando Jesus convidou Pedro para imitá-lo. Pedro ainda deu alguns passos, mas teve medo, e ia se afundando, pedindo ajuda do Mestre. Este, sorrindo, apenas exclamou: “Ah, homem de pouca fé!”...

Onde não há fé, há medo. Pedro e os apóstolos não tiveram fé, nem neles, nem em Jesus. No entanto foi Pedro a quem Jesus comparou a uma pedra. A pedra que ele ergueria a sua igreja. A pedra da fé.

Mas todos nós temos fé na vida. Só os suicidas é que perderam essa fé. Ignoramos o futuro, não sabemos o que vai nos acontecer, no entanto, continuamos vivendo, confiando fazendo da vida um ato de fé.

A vida é, incontestavelmente, o nosso maior teste. Teste da fé que Deus nos deu. Viver é enfrentar o desconhecido sem medo. E o que é a vida senão uma aventura, um salto no escuro? Vivemos sem pensar na morte, sem pensar no que vai nos acontecer.

E vamos encerrar a crônica com estas palavras de Jesus: “Pedi, e vos será dado, buscai e achareis, batei e abrir-se-vos-á. Haverá melhor receita de fé do que esta?

J esus, como é sabido, teve como berço uma manjedoura. Nasceu entre animais, longe do luxo. Mas essa manjedoura, na noite em que ele nasceu,...

Jesus, como é sabido, teve como berço uma manjedoura. Nasceu entre animais, longe do luxo. Mas essa manjedoura, na noite em que ele nasceu, iluminou-se com a forte luz de uma estrela. Nenhum palácio gozou desse prestigio.

Um famoso escritor italiano, cujo nome se esconde agora na minha memória, disse que os cristãos ricos, que nasceram em luxuosos palácios, sem dúvida, sentem uma grande vergonha de seu deus ter escolhido lugar tão humilde para nascer. Se fosse num apartamento ou numa cobertura de luxo...

Outra coisa que os cristãos ricos lamentam: Jesus haver escolhido para mãe uma mulher simples, uma mulher do povo. A mesma coisa em relação ao pai, um humilde carpinteiro, que, decerto, fez muitos móveis e, sem dúvida, muitas cruzes. E eu fico na dúvida se entre estas cruzes, não estaria a que Jesus foi pregado, depois de uma longa caminhada sob os açoites da multidão que o acompanhou até o Gólgota, o “monte da caveira”. Dizem que ele caiu três vezes, pois a cruz era muito pesada, até que um cirineu o ajudou, a pedido da multidão desvairada. Seu rosto sangrava devido aos ferimentos da coroa de espinho que lhe enfiaram na cabeça. E deveria ter sofrido uma grande dor. O sangue escorria pelo rosto. Jesus não deu um gemido. Tudo suportou em silêncio. As mãos, suaves como pétalas, que tantas curas promoveram, iam sofrer dolorosas marteladas. Mãos que suavisaram tantas dores...

Pagava pelo crime de ser bom. O crime de dar vista aos cegos, movimentar paralíticos, limpar leprosos, aliviar obsediados, multiplicar pães para a multidão faminta, pregar o amor, a caridade, a justiça.

Morto de cansado, o suor escorrendo pelo rosto, eis que o pregam na cruz de madeira, com cravos enormes. A cruz que saiu de uma carpintaria. Teria sido da carpintaria do pai? Ah, cronista curioso...

E eis Jesus entre dois ladrões. Pediu água para matar a sede e lhe deram vinagre. Mesmo assim, exausto, quase morto, ainda teve ânimo de dizer para os seus algozes: “Pai: perdoa-lhes porque eles não sabem o que fazem”. Que exemplo de compreensão, sabedoria e amor ao próximo...

E m mãos o mais recente livro do amigo e colega da Academia de Letras, Sérgio de Castro Pinto, intitulado “A flor do gol”, vindo à luz, just...

Em mãos o mais recente livro do amigo e colega da Academia de Letras, Sérgio de Castro Pinto, intitulado “A flor do gol”, vindo à luz, justamente, por ocasião da recente Copa do Mundo. Foi-se a Copa e ficou o livro para nos deliciar com seu criativo e inteligente texto.

E o poeta começa o livro se referindo aos saudosos dribles de Garrincha, que tanto irritaram os adversários do gramado, graças aos “parêntese das pernas tortas”, como descreve Sérgio.

Mas o autor não fica atrás com seus dribles de linguagem e vai ouvir os animais, o que me faz lembrar do seu antológico “Zoo imaginário”, um livro que li e depois fui comprová-lo na visita que fiz ao Taronga, o famoso Zoológico de Sidney, na Austrália.

E eis aqui o nosso poeta olhando o miúdo e incansável caminhar das formigas, carregando folhas mortas. Ora, como Sérgio sabe ver o que muita gente olha e não vê. Bem dizia o mestre Machado de Assis que a vantagem dos míopes é que vêem, onde as grandes vistas não alcançam.

O poeta também vira cronista, no poema Urbano, ao acompanhar a caminhada de um vira-latas pela calçada da cidade que ele conhece na palma das patas.

No poema Exílio, a sensibilidade de Sérgio chega ao auge. Poucos, muito poucos mesmo, ao verem um móvel de madeira numa sala, fazem as reflexões sobre a árvore donde veio aquela madeira. “A árvore que foi (no exílio da sala)”. É o caso de dizer: na linguagem de Sérgio, a filosofia, muitas vezes, se alia à poesia.

Afinal ver bem é ver em profundidade. É ver o que o olhar comum das pessoas não vê, o que passa despercebido pela maioria.

Ora, fazer poesia num campo de futebol, ver o gol como uma folha seca, só mesmo um Sérgio, com sua sensibilidade, sua imaginação fértil, sua inteligência refinada, sua acuidade lírica.

E para concluir, destaquemos que “A flor do gol” tem embasados pronunciamentos dos mestres João Batista de Brito e Hildeberto Barbosa Filho, o que valoriza ainda mais o livro.

E xiste uma sinonímia entre amor e caridade? Se existe, para que estar usando os dois sentimentos como se fossem sinônimos? A Doutrina Espír...

Existe uma sinonímia entre amor e caridade? Se existe, para que estar usando os dois sentimentos como se fossem sinônimos? A Doutrina Espírita é a única religião que erigiu como seu postulado básico o slogan “Fora da caridade não há salvação”. Não disse: “Fora do amor não há salvação”. Por que? É que há uma diferença entre as duas virtudes. O amor é amplo, enquanto a caridade é restritiva. A caridade tem como objeto o ser humano. É amor, sim, mas fraterno. Você ama a Natureza, você ama a Deus, você ama os animais, mas você não faz caridade a Deus, nem ao seu cróton.

Portanto, nada de estar misturando as coisas. Tanto o amor, que é gênero e a caridade, que é espécie, merecem o nosso respeito, a nossa reverência. Jesus disse: “amai-vos uns aos outros como eu vos amei”. O outro é o próximo. E ele ilustrou muito bem a caridade quando narrou a parábola do bom samaritano, em que este cuidou de um homem ferido na estrada. Uma eloquente prova de amor ao próximo. Se esse mesmo homem tivesse acudido um cachorro ferido, seu ato seria classificado apenas como amor. A caridade, repitamos, é amor ao semelhante.

Ninguém exaltou tanto a caridade como Paulo de Tarso na Epístola aos Corintos. Ele não fez referência ao amor e, sim, à caridade. Ouçamo-la “Ainda que eu falasse a língua dos homens e dos anjos e não tivesse caridade seria como o metal que soa ou como o sino que tine. E ainda que tivesse o dom da profecia e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência e ainda que tivesse toda a fé de maneira tal que transportasse os montes, mas não tivesse caridade, nada seria. E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse caridade, nada disso me aproveitaria”.

Por que Paulo não fez referência ao amor, esse sentimento que tem o ser humano como objeto? Não resta dúvida, é porque caridade tem sentido restrito e o amor é genérico. Não vão os espíritas modificar o “slogan” para “fora do amor não há salvação”. A caridade é amor restrito ao ser humano.

E para finalizar, vejamos, em “O Livro dos Espíritos”, a enumeração das leis morais: a última é Lei de Justiça, Amor e Caridade. Está aí evidente a diferença entre o amor e a caridade.

Reiteremos que ninguém ensinou tão bem o que era caridade como Jesus, com suas curas maravilhosas ao limpar leprosos, levantar paralíticos, dar visão aos cegos, estancar a hemorragia de uma mulher que sofria do mal há muito tempo, aliviar os obsidiados, dar voz aos mudos. Fez tudo isso sem cobrar nada. O que ele desejava é que todos amassem os outros como ele nos amou. E o Mestre ensinava e exemplificava. Ensino sem exemplo é cheque sem fundo. Por fim, advertiu que “se conheceriam os seus discípulos por muito se amarem”.

Amor e caridade, eis o grande binômio, cada um com a sua especificidade. Agora repitamos a pergunta: caridade é amor? Sim, mas que tem como objeto o ser humano, por conseguinte o amor fraternal.

Que seja respeitado o belo dístico da Doutrina Espírita: “Fora da caridade não há salvação”. Salvação que poderá ser substituída por evolução, até chegar à perfeição, como Jesua recomendou: “Sede perfeito como perfeito é o vosso Pai. Haverá maior prêmio do que este?

E is aí a trindade máxima. Impossível imaginar o mundo sem essas três realidades. E vem a indagação: que seria da vida sem a Natureza, sem o...

Eis aí a trindade máxima. Impossível imaginar o mundo sem essas três realidades. E vem a indagação: que seria da vida sem a Natureza, sem o Homem e sem Deus? E há quem não acredite em Deus, que tudo foi criado não por uma causa, mas pelo acaso. Você quer uma definição da Divindade, curta e certa? Por sinal é a primeira questão de “O Livro dos Espíritos”, de Allan Kardec. Não vejo definição melhor. E olhe que Deus não era nem para ser definido. Mas veja a questão que abre aquela obra. Lembrar que O Livro dos Espíritos é constituído de perguntas e respostas.

A pergunta é “O que é Deus?” Curioso. Por não é “Quem é Deus?” Ora, cronista, é por que “quem” implica numa pessoa. E Deus não é antropomorfo, isto é, não tem forma humana. Mas vamos logo à definição. Ei-la: “Deus é a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas”. Aí está a Natureza, uma grande criação da Divindade. E vem Spinosa, o grande filósofo holandês, e disse que Deus é a Natureza. E quase o mataram por essa definição da divindade. Ainda bem que não foi atirado à fogueira, pois o mundo hoje é outro. Mas, antes... É só abrir a História.

Deus criou tudo. Criou o Universo, com suas estrelas, criou a Natureza, criou o Homem, criou até o mosquito da dengue, criou o mofo donde saiu a penicilina. E dizem que Ele criou até Satanás, um espírito rebelde, que mora no Inferno, onde nunca permanece, porquanto só vive atanazando os outros.

Certa vez, Napoleão, que acreditava em Deus, ia, com suas tropas caminhando pelo deserto, numa noite muito estrelada, quando, extasiado, perguntou a um famoso astrônomo, que integrava sua comitiva e que era cético em relação à existência divina: “Mestre, você acredita em Deus?” Imediatamente respondeu o sábio: “Ainda não estudei essa hipótese”. Aí Napoleão veio com a pergunta: e quem criou estas estrelas? O acaso? O sábio deu o silêncio como resposta.

É a tal coisa, Deus é a sua própria obra. O acaso não cria nada. Aludi à Natureza, ao ser humano e a Deus, justamente os temas que mais inspiraram o genial Beethoven. O Homem está na Quinta Sinfonia, uma espécie de biografia do gênio, a Natureza na Pastoral e na sonata Aurora, e Deus na Nona Sinfonia, a sinfonia da alegria, da transcendência.