Na literatura de José Lins do Rego sentimos todos os cheiros possíveis de um ambiente de engenho, dos banguês sendo preparados ao mel c...

O cheiro da cachaça

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Na literatura de José Lins do Rego sentimos todos os cheiros possíveis de um ambiente de engenho, dos banguês sendo preparados ao mel cozido em tachos quentes, menos o cheiro da cachaça. Cheiro bom, que fica no ar durante muito tempo. Esse aroma da cachaça quente saindo do alambique, odor incomparável, anda comigo.

O autor de Menino de Engenho encheu as páginas de seus livros com os aromas e sabores extraídos da cana, deixando textos que se lêem como a beber uma talagada de cachaça.

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José Lins do Rego FUNESC
Procuro na literatura de José Américo de Almeida alguma coisa das bagaceiras do Brejo, percorro a obra poética de João Cabral de Melo Neto, cheia de canaviais, bagaço de cana, mas encontro pouca coisa falando da cachaça, ao contrário do que está na obra sociológica e histórica de Gilberto Freyre. Freyre faz referências à bebida que os escravos e operários de engenhos faziam da sobra da garapa, após fermentada. O poeta Drummond dizia que o verso era sua cachaça, em expressão metafórica.

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Flávio Tavares
Na pintura de Flávio Tavares, o cheiro do mel e as pompas do imobiliário das casas-grandes se misturam com as paisagens humanas dos romances de José Lins e José Américo de Almeida, mais do que teria na poética de João Cabral ou Gilberto Freyre.

Em Morte e Vida Severina, João Cabral assim cantou: “E quando a fome chega, a cachaça é a cura, mas não cura a dor, só entorpece.”

O cheiro da cachaça de minha infância vem do engenho de Chico Frazão, em Serraria, com a força que as palavras não conseguiram descrever.

O aroma da cachaça sendo destilada nos alambiques de madeira descia branca pela torneira para encher as ancoretas. Eu observava e achava bonito o rosário do caxixe quando colocado no copo.

Meu pai tinha uma bodega — para alguns, mercearia — onde se vendia de tudo, evitando que o caboclo fosse à cidade para comprar os mantimentos de casa, do bacalhau armazenado em caixotes de madeira ao querosene, o sal e o
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açúcar. Todas as semanas íamos ao engenho de Chico Frazão, a uns dois quilômetros de distância, para comprar cachaça.

Oh! Que saudade que tenho do engenho, do percurso que fazia montado à égua por entre os canaviais, muitas vezes pendoados. Achava bonito o vento acoitando a cana pendoada. Percorria a bagaceira onde trabalhadores espalhavam o bagaço; olhava os cambiteiros conduzindo tropas de burros com os cambitos cheios de cana para a moenda. Mas o melhor era quando, ao pé do grande alambique de madeira, presenciava Seu Marcemino enchendo as ancoretas e o cheiro da cachaça espalhado ao derredor.

Menino não bebia cachaça, mas o cheiro ficava nas ventas. Esse cheiro da cachaça quentinha saindo do alambique me acompanha desde a adolescência e permanece no entardecer da vida, com o mesmo aroma convidativo.

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Partindo de Alagoa Nova, passando por Areia até chegar a Serraria, o Brejo paraibano sempre fabricou as melhores cachaças.

Finalizo com estes versos de João Cabral:

“Por isso, é que o bêbedo bebe: porque triste quer ser alegre, e bebe porque chega a demais a alegria de que ele é capaz.”


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