Partirei de uma indagação: Por que Odilon tinha o dom de encantar pessoas com características tão diversificadas? Ou, em outras palavras, o que fazia de Odilon um ser tão especial?
Das cinco perguntas, a primeira é tão abrangente e desafiadora que, nela, todas estão contidas. Assumo a ousadia de responder: “quem fo...
Odilon, a condição humana cultivada
Partirei de uma indagação: Por que Odilon tinha o dom de encantar pessoas com características tão diversificadas? Ou, em outras palavras, o que fazia de Odilon um ser tão especial?
Em nome de discutíveis ordens, de injustas leis, de absurdas razões, os poetas são impunemente censurados, perseguidos, presos, tortura...
''Para sempre viverão os poetas martirizados''
Quinze anos da existência contínua, cada vez mais intensa e significativa do Ambiente de Leitura Carlos Romero , na cena cultural de...
Um projeto movido pelo amor
Narrar é sobreviver. É vencer o tempo e as armadilhas da vida. E enganar a morte. Foi assim com Sherazade e continua a ser com todos a...
Sísifos do sempre
Foi assim com Sherazade e continua a ser com todos aqueles que dão sequência ao texto ou ao "risco do bordado" que a humanidade vai desenhando e tecendo ao longo de sua história.
Não será difícil perceber a discrepância entre grande parte dos trabalhos que constituem a Fortuna Crítica do EU . Mas, como diria o p...
'Tudo convém para o homem ser completo'
Existem estudos que se tornaram clássicos, pelas verdades estabelecidas há muitas décadas, pelo reconhecimento pioneiro da poesia instauradora de nova concepção estética nos meios literários brasileiros, incompreendida e recusada por "cantar de preferência o horrível ". São trabalhos insistentemente repetidos, sempre que se retoma o assunto.
Uma sociedade que não enxerga a educação como valor essencial, também é insensível à preservação da memória, indiferente à necessidade...
É preciso morrer de saudade
Mais uma vez, preciso dominar a emoção, para falar sobre o acadêmico, o escritor, o amigo Odilon Ribeiro Coutinho. Conter a emoção que ...
Odilon Reencontrado
Nascido em Pirpirituba, no ano de 1921, lá, no pequeno povoado, Magela Cantalice fez seus primeiros estudos. Aos onze anos, foi inte...
A criação poética como compromisso de vida
A saída de Magela é surpreendente. Vai para o Rio de Janeiro e ingressa na Polícia Militar. Seis anos depois, Cabo Cantalice regressa à Paraíba, fixando-se em Guarabira. Transforma-se em professor do Colégio Nossa Senhora da Luz, vindo depois a assumir a direção do Instituto Arruda Câmara, aqui em João Pessoa.
Em 1948, volta ao Rio de Janeiro para a função de auxiliar de escritório. Posteriormente, experimenta o jornalismo, trabalhando no Correio do Povo, na Gazeta de Notícias e no Diário Trabalhista.
Acompanhando sua trajetória, compreende-se por que Magela Cantalice apontava com ênfase suas "sandálias peregrinas" e se autodenominava de "ave de arribação", ao tomar posse na Academia Paraibana de Letras.
Ainda, na área jurídica, exerceu os cargos de Procurador do Município e de Assistente da Casa Civil do Governo do Estado.
Revisitando esta existência de ocupações tão diversificadas quanto desiguais, cabe a indagação sobre o traço característico que o teria conduzido à vida acadêmica.
Brasil, Por que não sou comunista e Luzeiros da Fé definem suas convicções ideológicas. Noções de Direito Romano e Influência do Cristianismo sobre o Direito Romano sedimentam sua experiência didático-pedagógica. Folhas de Outono, Trevas de Luz, Pérolas de Amor, Flores da Noite, Vozes D'Alma, Réstias de Luar, Ecos do Silêncio, Festival de Solidão, Lição do Tempo, Fantasia de Palhaço, Taça de Cristal, Brinde de Amor, Rosa Mística, Torre de Marfim e Casa de Ouro constituem sua opção mais definitiva.
Magela parece haver incorporado esta forma (leia-se fôrma) poética à sua dicção, à semelhança de um vocábulo ou de um modo de dizer que se incorpora à fala. Nela registrou tudo quanto quis, lembrando a postura espontânea dos cantadores em suas rimas improvisadas.
"Acontecimentos", "afinidades", "aniversários", "incidentes pessoais", o "excelente, completo e confortável corpo" , "a gota de bile", "a careta de gozo", "sentimentos"; "a cidade", "a sepultada e merencória infância" — todo o avesso da lição drummondiana.
Fascinado pelo som da rima e pelo desafio dos catorze versos, neles encontrou sua forma especial e eficaz de comunicação. E bem mais que isso. Neste exercício permanente de que resultou sua produção predileta também se revela, sem qualquer disfarce, um jogo de sedução a que o dado referencial empresta uma característica inusitada. Na maioria das circunstâncias, a mulher é o objeto deste entretenimento, visualizada através de conceitos reducionistas e deformadores ou de preconceitos incompatíveis com a tradição antecipadora e libertária da expressão poética.
Levando em conta os aspectos já apresentados, as concepções de Magela a respeito do poeta e da poesia não surpreendem. Podendo-se constatar a compatibilidade entre a sua produção e a estranheza dos conceitos enunciados à margem da teoria poética.
Temos os versos finais de Revide que se desenvolve na presunção de uma polêmica há muito arquivada pela História e pela crítica. Sabendo-se que rima e métrica são recursos poéticos ou anti-poéticos, dependendo da utilização que deles se faz. Não podem ser entendidos como condição de existência da poesia.
Impossível não lembrar Heidegger em sua categórica retificação: "O poema não é uma vagabundagem do espírito, inventando por toda parte aquilo que lhe apraz." Entendimento este que os poetas reiteram na metalinguagem de suas metáforas, onde a criação poética, assumida como compromisso de vida, se traduz em trabalho, luta, suor, desespero, degredo, sangue, morte etc.
Na previsão do Programa Empreendedor Cultural, a Academia Paraibana de Letras deveria ser representada nesta solenidade pelo seu presi...
Outro tamarindo para Augusto
Discurso pronto, com o rigor que lhe é peculiar no cumprimento dos compromissos assumidos, nosso presidente foi impedido de estar presente, por aconselhamento médico que lhe prescreveu repouso e cuidados especiais.
Do ponto de vista de uma fervorosa admiração, José Nunes acrescentou à série histórica NOMES DO SÉCULO, de A União , a figura expo...
Ariano: o tom maior
Apoiado na reportagem ou na entrevista, o jornalista vai descobrindo, no esboço do perfil ou no delineamento biográfico, outra vertente para sua vocação.
O gosto de Severino Sertanejo pelos temas e formas da literatura oral e, especificamente, sua dedicação ao folheto de feira, pode susci...
Os mitos heróicos da meninice
O reino das palavras. Cedo me encantou o poder libertário de seus estatutos. Concretizado, na memória mais antiga, por aquele Pássaro ...
'A síndrome narcísica das Academias'
Editado em 1960, pela Livraria Freitas Bastos do Rio de Janeiro, "Vingança, não" foi um livro marcante. Recuperava um episó...
Vingança, não: a fatalidade histórica derrotada
Com a beleza de sua palavra, com a coragem de expor as entranhas de um drama que poucos ousariam passar a limpo, com a severa imparcialidade que se impôs, padre Chico Pereira Nóbrega conquistou o público. Principalmente a juventude estudantil, tanto secundarista quanto universitária, de quem ele se tornou um líder.
O sucesso do livro trouxe logo a segunda edição, no ano seguinte ao lançamento. E, depois, as reedições permaneceram suspensas por quase três décadas. Era a consequência de revelações que alteravam substancialmente a história contada pelos vencedores. Por fim, a terceira edição veio em 1989 e a quarta, em 2002, patrocinada pela FUNESC.
Tem toda razão o meu querido Martinho Moreira Franco, quando despreza detalhes verdadeiramente insignificantes para enxergar no velho...
O Liceu de professor Gibson
Não pode ser outro o espírito dos paraibanos, recebendo como presente de fim de ano a bela e simbólica estrutura arquitetônica, completamente restaurada e, ao mesmo tempo, internamente adaptada às exigências da sociedade contemporânea.
São tantas as afinidades entre as Memórias e a ficção romanesca, que a aproximação entre as duas espécies narrativas se impõe, naturalment...
Como se fosse um romance
O médico e jornalista Marcus Aranha, para comemorar o centenário de nascimento da professora Anayde Beiriz , publicou a correspondência de...
Anayde Beiriz, por ela mesma
Numa certa edição do Correio das Artes, Linaldo Guedes contou uma história que caracterizou como escândalo absurdo. História, envolvendo ...
Lições da Crítica
Um livro de crônicas é um reencontro. Do escritor com seus textos acumulados pelo tempo. Do público com o cronista, agora em outra dimensã...
O cotidiano transfigurado pela perspectiva lírica
Provavelmente a seleção rigorosa do autor não possibilitará a cada leitor em particular o reconhecimento de sua crônica preferida. Aquela que, recortada com emoção e
Como não relembrar aqui Juarez, o helênico, que foi preciso transcrever, a fim de que restasse preservada a continuidade da leitura?
Nenhum prefácio, por mais elucidativo, alcançará o poder de persuasão do recorte amarelado, até perdido entre outros papéis, mas que a memória identifica prontamente no arquivo de suas emoções. Um livro de crônicas tem essa peculiaridade. A extensão de inumeráveis páginas dispersas. Folhas volantes que se anteciparam em mistérios de anunciação.
É escassa e relativamente recente a reflexão teórico-crítica sobre este "pós-gênero literário, flexível e integrador, narrativa estruturalmente aberta" capaz de estabelecer-se como ponte entre a função da paraliteratura e a natureza da literatura. A iniciativa pioneira vem do professor Eduardo Portella, alertando para a necessidade de enfatizar a importância da crônica na moderna literatura brasileira. Segundo ele, isto significa valorizar "um esforço ponderável de configuração de um discurso poético qualificado".
O ajustamento da crônica à trama existencial complexa da sociedade de massa precisa ser examinado à distância do preconceito elitizante, onde tem origem a presunção de uma ordem hierárquica entre as espécies e formas literárias.
Minimizar o valor da crônica é ainda uma atitude comum, quando o argumento para sua configuração como discurso poético qualificado é o mesmo que servirá para qualquer gênero literário. "A crônica é literatura toda vez que o cronista se resolve em nível da linguagem".
Mas é rara a caracterização de um escritor, exclusivamente através da crônica. E não se trata apenas de uma dificuldade da crítica. Também os cronistas acentuam essa tendência. Ou porque quase todos se dedicam simultaneamente a outras formas literárias, ou porque deixam sempre transparecer que o exercício aprimorado deste "gênero não canonizado" é mais exercício que opção.
Trata-se de uma visão cultural tão arraigada que, mesmo o professor Jorge de Sá, a quem se deve até agora o estudo mais sistematizado sobre a crônica (o primeiro livro inteiramente dedicado ao gênero), enfoca Rubem Braga nesta perspectiva: "corajosamente ele só tem publicado crônicas". E completa:
É fácil constatar como a literariedade não se inclui nestes parâmetros de julgamento da crônica. São outros os critérios que sustentam a insistente hierarquização dos gêneros. Critérios que deixam sem resposta convincente questões fundamentais:
Por que um romance seria necessariamente superior a um livro de crônicas?
Por que, em geral, não se estabelece esta mesma relação entre um romance e um livro de poemas?
Qual seria o superior, na comparação entre um livro de poemas e um livro de crônicas?
Nem Rubem Braga pôde fugir à realidade do confronto entre as duas espécies narrativas. Na sua visão poética,
É irretocável o comentário do especialista. No entanto a pluralidade da metáfora permite a ousadia de outra leitura.
A crônica é o "domicílio em trânsito" desses "passageiros da agonia urbana". Trincheira de resistência da palavra poética que reordena o caos e reinventa o homem.
Para um reencontro com A Dama da Tarde (livro de crônicas de Luiz Augusto Crispim) na sutileza de sua imprevisibilidade, recorri ao caminho mais longo. Do gênero para a obra realizada.
Acompanhando pela vida inteira a produção intelectual de Luiz Augusto, escrevi avaliações analíticas sobre sua vocação de escritor, firmada essencialmente na crônica. Sobre os temas que se multiplicam como as possibilidades infinitas de percepção ou de imaginação do real. Sobre a excelência da visão crítica que se exprime através do humor habilmente construído. Sobre os recursos de elaboração de uma prosa poética em que o tecido do texto revela o escritor de muitas leituras, dominando inteiramente os processos e efeitos de sua construção.
São afirmações críticas que se reiteram, indicando pontos cardeais deste universo lírico reunido aqui sob critério antológico. Não é um livro extenso. Um pouco mais de cinquenta títulos. Mas de temas tão variados, com enfoques tão específicos e tratamento tão diversificado que fica difícil inventariar.
Estados de espírito materializados em substância poética. Destinos devastados, prodígios de sobrevivência sacralizados na perenidade das imagens. O cotidiano transfigurado pela perspectiva lírica. A violência mil vezes contestada. O riso que castiga os costumes. A doce melodia dos afetos. "a grande dor das coisas que passaram". A saudade que se inscreve desde o título como forma poética de resistência aos "novos tempos que dispensam testemunhas".
É este o cronista, recuperando o sentido dos valores essenciais. O sentido original comunitário. Nesta resistência da palavra que destroça a prepotência burocrática com a ironia de Quem sou eu? Que recupera o amor no ritmo do diálogo de Montanha Russa. Que faz sobreviver o homem em Um sonho de Natal ou em O menino e o sonho.
O cronista em sua fase azul, entre o céu e o mar. Azul de alma de menina, de pássaro, de rapsódia. Azul de manhã flutuando ao vento, de olhos profundos, de palidez. Azul de historietas de porcelana. "Azuis na vida desta pobre gente de tão acinzentado viver".
O cronista, como o poeta, removendo as cinzas, despertando a brasa, sacudindo os homens do seu torpor.
A Paraíba, que tem uma considerável tradição literária, quando se trata de ficção narrativa, ganha novo destaque nacional, através da roma...
Aglaia, impenetrável solidão
Duas de suas coletâneas, A Menina de Cipango e Os Campos Noturnos do Coração receberam, respectivamente, o Prêmio José Vieira de Melo, da Secretaria de Cultura do Estado da Paraíba, e o Prêmio Novos Autores, da UFPB.
Quero repetir e reiterar, agora, o entusiasmo de minha saudação a seu primeiro romance:
Despertando silêncios abismais com a música das palavras, a romancista recupera para o grande amor sua verdade essencial, que transcende as convenções e aparências para encontrar, na inteireza e na densidade de ser, a sua eternidade. Um romance ousado e verdadeiro, que veio para ficar na história.
Em 2016, Marilia encanta outra vez seus leitores, com Liturgia do Fim. Um romance de suprema dor, a vida transfigurada num afogar-se, num morrer interminável. A palavra, em absoluto poder de criação,
O tempo do romance corresponde à volta de Inácio que, desterrado, sentira-se por todos os anos “em lugar nenhum”. Esse retorno patético de um “estrangeiro”, que deixa o vazio em busca de Perdição, constitui o eixo condutor da narrativa. Na partida para a obscura viagem é que o leitor vai encontrar o protagonista narrador, seguindo sem saber por qual razão, expurgando a cruz das palavras “desde sempre represadas” e, há mais de três décadas, “amoladas na pedra da memória”. Palavras-lâminas que, do tempo estilhaçado, vão recortando os silêncios, escavando as lacunas, revolvendo os mistérios, exumando os segredos, retalhando a dor. Um modo de narrar que qualifica e consagra a romancista. Ela escolhe Inácio na situação-limite que se equipara à última estação de uma “via crucis”, para tingir as palavras com todos os tons e matizes da agonia.
Quando Marília terminou O Pássaro Secreto, seu terceiro romance, e me segredou a intenção de concorrer à 5º edição do Prêmio Kindle, 2021, eu lhe respondi que, se o julgamento fosse sério, ela teria condição de vencer. E fiz questão de justificar essa previsão, lembrando-lhe as qualidades raras que se acumulam, em sua experiência criadora.
As revências que alimentam seu imaginário; o poder de conduzir seus temas e personagens, tecendo a verdade ficcional com sutileza e ousadia;
Marília concorreu com 2.400 (dois mil e quatrocentos) candidatos inscritos. E O Pássaro Secreto, julgado por jornalistas, escritores e editores de indiscutível competência, trouxe para o Nordeste, numa conquista pioneira, o Prêmio Kindle de Literatura. Nossa romancista enche de orgulho a Paraíba e o Brasil.
O Pássaro Secreto é um romance de dor e dilaceramento. O conflito central se estrutura a partir de traços de personalidade da jovem protagonista, incapaz de suportar o acúmulo de perdas impostas pela vida. Depois de alguns desatinos, resta-lhe uma sobrevida de solidão, sem nenhuma esperança.
Os recursos de expressão, tecidos pela precisão da linguagem pela inventividade do processo narrativo, sedimentam a unidade inseparável entre forma e conteúdo, que prendem e encantam o leitor.
Aglaia é a narradora de sua história de amor e desatino. Amor “azul-escuro, quase preto, o amor feroz”, conforme verbaliza em síntese conclusiva.
Revela-se a grande competência da romancista nessa escolha de dar voz a uma subjetividade desafiadora, extremamente complexa, que nem os psiquiatras fizeram aflorar em longos anos de consultório e indagações.
Foi assim com Duína, em sua carta-testamento. Com Inácio, que se consome bem mais pela culpa de ter abandonado Ifigênia, e não, de ter amado. E, agora, com Aglaia, que os irmãos e Dermian classificaram de anormal, aprendiz de marginal e monstro. Rótulos traduzidos e sintetizados por Dr. Xisto, no internato da Clínica, através da impactante expressão, “perturbações psicossomáticas”. Duas palavras que, elucidadas, levaram a personagem a exclamar:
Aglaia, inteligente, perspicaz, culta, sensível, capaz de enxergar com olhar crítico as reações a seu respeito, incluindo os procedimentos médicos; e, com suficiente lucidez, para refletir sobre a tragédia da própria existência. “A vida me empurrou para a escuridão ou eu nasci com a escuridão dentro de mim?”
Aglaia se universaliza como representação metafórica da condição humana, no enfrentamento da suprema dor de existir em impenetrável solidão Chama a atenção do leitor, a forma como se apresentam os capítulos do romance, à primeira vista, diferenciados pela característica dos tipos gráficos em que estão impressos.
Os ímpares se destacam, no itálico, e fazem pensar em anotações de um diário íntimo que se integrassem à narrativa. Neles, o tom é de monólogo interior, de fluxo da consciência.
O espaço desses capítulos é o hospital, para onde Aglaia foi socorrida, depois de violentada pelo “garoto de olhos de fogo”. Aglaia, “uma ferida aberta”.
Metáfora retomada e ampliada no fecho do capitulo 13, como reflexão consciente da protagonista. “Feridas abertas não falam. Feridas abertas sagram”.
Estabelecendo as conexões, o leitor é levado a perceber que este sangrar escorre, lentamente, na sensação de morte que traz, para Aglaia, o mundo dissolvido em borrões; no pesadelo que a faz despertar e estremecer, ante a realidade das recentes lembranças; na escuridão em que desaba a personagem, açoitada pela dor e pelo frio; na silenciosa resposta das lágrimas; no desengano das conclusões sobre o amor; na mágoa, sem remédio, de recordar “a vida que ficou para trás”.
Um modo de narrar que transcende a técnica ou o processo narrativo e se converte em sentido. A linguagem romanesca, incluindo recursos poéticos de elaboração. O romance de Marília é assim. Instigante. Em cada aspecto observado, um desafio de leitura. Por isso, termino essa apresentação com uma proposta.
Quando José Lins do Rego publicou Usina , em 1936, e ofereceu a Graciliano Ramos, o romancista alagoano, que a intelectualidade brasileira...
'Usina': mais de 70 anos de antecipações
Em Memórias do Cárcere, encontra-se o registro da explosão de sentimentos provocada pela dedicatória. Sentimentos aparentemente paradoxais, mas que se fazem compreensíveis pela circunstância vivida. Quase de revolta contra o amigo que se arriscara na solidariedade da homenagem. O recado através de Heloísa revela o nível da preocupação: