A dança — enquanto expressão simbólica do corpo em movimento — constrói um fenômeno social, cultural e histórico enraizado nas dinâmic...

Dança: reexistência do pertencimento

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A dança — enquanto expressão simbólica do corpo em movimento — constrói um fenômeno social, cultural e histórico enraizado nas dinâmicas estruturantes das sociedades humanas. Ela representa uma identidade coletiva, preserva as memórias sociais e articula os processos de resistência política e cultural contra o embrutecimento humano. Por meio da Sociologia da Dança, compreende-se que tal prática não pode ser dissociada das relações de poder, das hierarquias sociais e das construções das reexistências das identidades.

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Pierre BourdieuUlf Andersen
De acordo com o filósofo francês Pierre Bourdieu (1930–2002), em seu livro Distinção: Uma Crítica Social do Julgamento, publicado em 1979, o corpo é a incorporação dos habitus — um conjunto de disposições e tendências que moldam a maneira como a pessoa percebe, internaliza e reage ao mundo social, desenvolvidas por meio de suas experiências e condições de sobrevivência, como classe social e educação.

Essas disposições se manifestam em estilos de vida, gostos, julgamentos morais e comportamentos, atuando como princípio gerador das ações individuais. Nesse sentido, a dança representa uma forma codificada de disposição corporal, que expressa estruturas sociais, mas que também pode subvertê-las. Assim, os gestos coreográficos internalizados revelam tanto os pertencimentos — étnicos ou culturais — quanto a ressignificação simbólica da convivência social.

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Community Artists Group
Nas sociedades contemporâneas, marcadas pela globalização e pela crescente visibilidade das lutas por reconhecimento, a dança assume uma força vital na mediação das diferenças. Cada povo desenvolve formas coreográficas que refletem seus sistemas de crenças e rituais. Tais práticas corporais são depositárias de sentidos ancestrais e, por isso, constituem patrimônios imateriais de uma cultura. Ao entrar em contato com outras tradições dançantes — seja por meio do intercâmbio artístico ou da educação intercultural —, o sujeito social confronta-se com a diversidade e, nesse processo, potencializa-se o reconhecimento mútuo. Ao expor a diversidade dos gestos, dos ritmos e das narrativas corporais, o corpo dançante potencializa a superação dos preconceitos que frequentemente acompanham as expressões culturais de grupos marginalizados.

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Stuart Hall Mubi
Como propõe o sociólogo jamaicano Stuart Hall (1932–2014), em seu livro Da Diáspora: Identidades e Mediações Culturais, publicado em 2003, a identidade cultural é constituída em meio à diferença e à diversidade. A dança, ao articular essas múltiplas vozes corporais, revela-se como linguagem universal que fortalece laços de pertencimento, extrapolando fronteiras geográficas e ideológicas.

Expressões corporais — sobretudo aquelas oriundas de matrizes africanas, indígenas ou populares — foram historicamente desvalorizadas, criminalizadas ou folclorizadas pelo embrutecido discurso de uma ideologia de ódio. A Sociologia da Dança propõe uma análise crítica das relações de dominação que estruturam o campo cultural e do pertencimento. A marginalização de determinadas coreografias revela o esforço hegemônico de silenciar corpos que subvertem a norma, escapam à racionalidade disciplinadora e reivindicam outras formas de habitar o espaço social. É nesse processo que emerge a noção de dança como reexistência — conceito que une existência e resistência.

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Martin Bulinya
As expressões do corpo de matriz africana, por exemplo, não apenas preservam saberes ancestrais, mas também resistem aos preconceitos e à homogeneização cultural imposta pelas indústrias culturais. Ao serem praticadas, ensinadas e reinterpretadas em diversos contextos sociais — das periferias urbanas às universidades —, essas danças reivindicam visibilidade, dignidade e transformação social, gerando um espaço de luta e de afirmação identitária. Constituem-se, assim, como política de reconhecimento diante dos conflitos étnicos, religiosos e linguísticos, demonstrando como os corpos dançantes rompem com o isolamento e fomentam uma ética fusionada na solidariedade e na partilha, contribuindo para a construção de sociabilidades inclusivas e dialógicas.

A valorização da diversidade gestual e a escuta sensível do outro possibilitam a unidade em pertencimentos comuns, respeitando as diferenças, e apontam a dança como vetor de transformação social e ferramenta de reexistência identitária.

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