Dona Creusa Pires sinônimo de simplicidade. Isto diz tudo sobre ela. Ou quase. Pois podemos ainda acrescentar outra palavra que a defin...

Dona Creusa, simplesmente

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Dona Creusa Pires sinônimo de simplicidade. Isto diz tudo sobre ela. Ou quase. Pois podemos ainda acrescentar outra palavra que a definia: trabalho. Simplicidade e trabalho. E digo mais uma, não para completar, que ela tinha muitas outras qualidades: simpatia. Temos então simplicidade, trabalho e simpatia. É talvez o suficiente para, com essa matéria-prima, perfilarmos uma pessoa admirável, para não dizermos rara. E por que não dizê-lo se ela de fato era mesmo singular?

Não a conheci de perto, mas lembro-me dela em vários momentos, assim como inúmeros pessoenses de minha geração. Primeiro, ela em todo seu vigor no antigo Armazém Triunfo, o grande empório de miudezas da esquina da Maciel Pinheiro com Cardoso Vieira. Uma potência nas vendas a grosso e a varejo. Mais a
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Rua Maciel Pinheiro (Anos 60)l\Adilson Freire Arruda
grosso, na verdade, pois fornecia para comerciantes daqui e da Paraíba inteira. Algumas vezes, adolescente, estive por lá, nem me recordo a razão. Talvez acompanhando um amigo, este, sim, cliente contumaz da loja. E a vejo circulando pra lá e pra cá, falando com um e com outro, cumprimentando os conhecidos, orientando os estranhos, comandando, enfim, o funcionamento daquela imensa máquina comercial. Enquanto isso, doutor Adrião, em pé, encostado num balcão ou prateleira, observava placidamente a desenvoltura da esposa, certamente orgulhoso da empreendedora companheira.

Depois, foi no GranPires, na Lagoa, a primeira megaloja da cidade, espécie de antecessora da Mesbla em seu gigantismo e no sortimento das mercadorias. Aí já não eram as miudezas que dominavam, mas principalmente artigos para casa e presentes. Uma maravilha, não só na época, pois até
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Marcos Pires
hoje também seria, tal o esmero do estabelecimento. A primeira escada rolante paraibana. Até então, para se ter essa extraordinária experiência de subir e descer sem dar um passo, era necessário viajar ao Recife e ir à Viana Leal, outro colosso comercial. De lá, voltávamos orgulhosos, cheios de novidades para contar. Mas com a visão comercial do casal Pires, Recife passou a ser aqui mesmo, pelo menos até que lá surgisse o primeiro shopping center, o qual nos devolveu com frequência aos riscos de uma BR-101 ainda não duplicada.

E, por último, na Bagunça, nos anos finais da atividade mercantil de doutor Adrião e dona Creusa. Alguma diferença em ambos relativamente aos tempos áureos do Armazém Triunfo e do GranPires? Nenhuma. Pelo menos, aparentemente. Nele, a mesma serenidade, a mesma economia de gestos e de palavras, como se os anos e as circunstâncias não tivessem passado; nela, o mesmo ânimo, a mesma maneira de ser, a mesma simpatia. Quem precisasse de uma injeção de otimismo, era só ir lá e contemplá-la em seus mil afazeres, agora limitados a um espaço menor, pequeno para grandeza do casal.

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Adrião e Creusa Pires Acervo de família
Sua posterior passagem pela Câmara Municipal da capital poderia ser vista como um coroamento, mas não dela, rainha desde sempre, e sim da Casa de Napoleão Laureano, que tanto se beneficiou de seu entusiasmo e de suas iniciativas. Sem falar na sua dedicação aos desvalidos da AMEM e a outros mais. Parecia até que ela não tinha tempo para si mesma, para seus eventuais interesses, tão desapegada parecia – e de fato era.

Em priscas eras, hospedou presidentes e celebridades na bela casa da Epitácio Pessoa, ícone arquitetônico da cidade ainda pacata. E ficou vaidosa ou importante por causa disso? Nem por um instante. Imagino-a, em sua natural bonomia, logo cedo, cumprimentando sem formalidades o marechal Castelo Branco, à mesa do café: “Bom dia, presidente, dormiu bem? Que tal uma tapioca?”. O chefe de Estado, acostumado aos bajuladores habituais, deve ter adorado a sem-cerimônia de sua anfitriã.

Em suas lojas e por onde passou, ninguém a diferenciava dos funcionários mais simples. Os mesmos modos, a mesma maneira de vestir. Igual entre os iguais. Mesmo se distinguindo espontaneamente por suas virtudes, que eram muitas. E tal como José Américo, não se vangloriava delas, pois os sábios não se envaidecem por
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Creusa Pires Acervo familiar
aquilo que gratuitamente receberam da natureza - ou de Deus. De tudo isso sei, repito, não por proximidade, mas porque era e é de conhecimento público, fruto da admiração coletiva que dona Creusa granjeou na aldeia. Só não se igualava às granfinas de muitas joias e poses, nas eventuais festas que frequentava, porque aí também mantinha a sobriedade que lhe era própria, ela que nos bons tempos podia, se quisesse, ostentar as mais requintadas gemas e os mais finos adornos. A granfinagem nunca foi a sua turma, mas ela se dava bem com todos, e aí estava sua sabedoria.

Agora, a posteridade se apresenta para lhe fazer justiça. O governo estadual, que merece palmas, deu o seu nome ao Hospital da Mulher, em Cruz das Armas, importante centro médico para atendimento das conterrâneas de todos os lugares. Uma obra à altura da homenageada. E que outras se juntem a essa, são os meus votos.

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Hospital da Mulher "Dona Creusa Pires" A União
Leonardo da Vinci, em sua genialidade, disse que “a simplicidade é o ponto mais alto da sofisticação”. Por esse critério, terá havido nestas plagas mulher mais sofisticada que dona Creusa? Ela certamente acharia graça desse título. Simplicidade, trabalho e simpatia. Eis o legado da pequenina e grande paraibana que ora é lembrada e homenageada, mulher exemplar e rara. No céu, como nunca soube ficar sem fazer nada, deve ter arranjado uma maneira de ajudar São Pedro ou o próprio Criador.

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