Uma crônica começa a se desenrolar meio preguiçosamente. Precisa apenas de um fio de assunto, que pode ser encontrado num olhar pela ja...

Roda de Leitura

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Uma crônica começa a se desenrolar meio preguiçosamente. Precisa apenas de um fio de assunto, que pode ser encontrado num olhar pela janela, numa consulta à estante, na lembrança de um episódio da véspera ou mesmo no mergulho vagaroso em busca da raiz de um sentimento... A crônica deve ter esse nome porque depende do Tempo, é um jogo de búzios verbais lançados pelo Tempo.
(Bráulio Tavares, em “Uma Crônica”)

De repente, vejo o meu Instagram repleto de seguidores e, na hora, fiquei surpresa, sem entender muito aquelas pessoas aparecendo no meu feed. Quando foi que a professora querida, Patrícia Rosas — com quem tive a honra de dividir mesa num evento para as mulheres no Ministério Público, em 2024 — me convida para participar de uma Roda de Leitura com os seus alunos do 6º período de Pedagogia (UFPB), que estão a estudar o gênero da crônica.

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Patrícia Rosas TV Tambaú
O tema da Roda: “Casa como espaço de memória, herança e (des)integração de laços, a partir das minhas crônicas e livros.”

O que é estar em casa? Como a casa preserva – ou desintegra – os laços afetivos, familiares e históricos ao longo do tempo? Como os vínculos familiares e emocionais se constroem – ou se rompem – dentro de casa? A casa na literatura é sempre um lugar de refúgio? Ou também pode ser palco de rupturas e silêncios herdados? Foram algumas das linhas que Patrícia me passou.

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Ana Adelaide Peixoto e Patrícia Rosas @letrasrosas
E lá fui eu reler textos, Virginia Woolf, capítulos da minha tese de doutorado, meus escritos mais recentes, por onde passeio pelos espaços do cotidiano e pelas casas onde morei. Fiquei a pensar nos meus próprios vínculos, nas minhas paredes, nos familiares, nos aconchegos — e nos distanciamentos também.

Pois a Roda foi na Biblioteca Central da UFPB, e eu pensava ser algo mais informal, numa sala de aula. Qual nada! Cadeiras enfileiradas, mesa bem decorada com livros, flores, chocolates e uma samambaia linda dos jardins da professora. Também recebi presentes: livros da própria Patrícia, da Coleção Quarto de Mulher — A voz cadáver, sobre feminicídio; Partência, como parte e existência, pertencimento e transcendência; e Crua, que fala da mulher não ideal, não perfeita, mas crua! Fui apresentada com muito carinho e um pequeno currículo, e lá fui eu passear pela crônica, minha estrada de cronista, minhas casas...

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Ana Adelaide Peixoto e Patrícia Rosas (Roda de Leitura na Biblioteca da UFPB)
@letrasrosas
Mas o melhor estava por vir: a participação dos alunos e alunas. Imagine que a professora pediu para pesquisarem pelo meu nome e por crônicas publicadas em A União ou no blog Ambiente de Leitura Carlos Romero (onde publico semanalmente) e que escolhessem alguma para estudar, perguntar, comentar.

Alunos comprometidos e sensíveis logo vinham com perguntas que transcendiam o texto. Indagavam sobre as mulheres, a política, os espaços discutidos, minha opinião sobre isto e aquilo, as atmosferas da minha escrita, a cidade, minhas leituras... e a conversa fluía entre o microfone e sorteios de livros também. Os alunos queriam autógrafos e fotos. E confesso que fiquei muito feliz em tê-los como leitores tão especiais. Gostava de ver as escolhas, de estabelecerem intimidade — intimidade essa que eu mesma escancaro nas minhas crônicas.

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Ana Adelaide Peixoto e alunas de Pedagogia (Roda de Leitura na Biblioteca da UFPB)
@letrasrosas
Voltar à Biblioteca foi outro capítulo. Fiquei a lembrar de quando eu própria levava meus alunos para conhecerem o espaço, pesquisarem naquelas estantes por vezes tão escassas de livros. Era noite, e os livros estavam solitários. Mas deu gosto ver aquele grupo entusiasmado me presenteando com lembrancinhas, diploma, oferecimentos carinhosos — e um pano de prato como embalagem, simbolizando o carinho de uma casa maior e plural.

Até lembrei de Renata Vasconcellos (Jornal Nacional), que recentemente, por ocasião das comemorações dos 100 anos do Globo, fez o JN de casas familiares das regiões do país. E em casa, ela levava um pão, embrulhado domesticamente, como forma de aproximação e intimidade. Quando assisti, achei aquele gesto bonito e peculiar. Depois, li que foi exigência dela. Pois ontem eu tive o meu pano de prato especial.

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@g1.globo.com
Concluí com um texto do escritor paraibano Bráulio Tavares, “Uma Crônica” (Jornal da Paraíba, abril de 2013), que guardei como um tesouro:

“O cronista é como um catador de lixo da História, ele procura o que não foi aproveitado, o que passou despercebido, o que ninguém se atreveu a comentar... O cronista é um cartunista, que em dois-três rabiscos resume uma vida anônima, um sentimento eterno, uma Revolução... A crônica é plástica, é elástica, é flexível, é multiuso, é multimídia... A crônica é a aluna prodígio da primeira fila, sempre atenta e sempre ligada, de óculos e sem calcinha.”
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Bráulio Tavares A União
Agradeço por demais a essa professora tão linda e que faz o seu trabalho para além dos muros da sala de aula. Agradeço ao convite por me colocar de volta à UFPB. E, ao terminar, saí do campus cantarolando.

Voltei para casa abastecida, por poder trocar e, de certa forma, retribuir o tanto que a UFPB me deu: graduação, especialização, mestrado, doutorado, trabalho, reconhecimento — e tanto, tanto que aprendi e tive oportunidade de expandir, crescer e me qualificar.

Hoje sou aposentada, mas ainda trabalho também em coisas assim, que me dão enorme prazer e felicidade.

Um abraço aos alunos e à Patrícia, com nome de Rosas. Patrícia é como Maya Angelou, que ela cita nos seus livros: “Eu sou uma mulher fenomenal. É isso que sou." E é mesmo.

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