Estesia, do grego αἴσθησις, é a capacidade de perceber pelos sentidos, pelos sentimentos e pela inteligência. A linguagem poética é um ...

A linguagem poética

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Estesia, do grego αἴσθησις, é a capacidade de perceber pelos sentidos, pelos sentimentos e pela inteligência. A linguagem poética é um dos vieses artísticos por meio dos quais a sensibilidade humana alcança esse estado: o da estesia.

A palavra poesia, por sua vez, é formada pelo mesmo radical do verbo grego ποιέω, que significa “criar”, e pelo sufixo σις, que denota ação. Logo, poesia é a ação de criar, criação expressa por uma linguagem específica, imagética, polissêmica, construída a partir de metáforas, metonímias, símiles, alegorias,
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comparações etc. É exatamente por ser configurada desse modo que ela atinge mais rapidamente quem a ouve ou a lê. No que tange à criação pelo poeta, ela provém da inspiração, mas também de um trabalho intelectual e racional. O poeta, no sentido grego do termo criador, portanto respeitante às artes, enxerga algo distinto naquilo em que o homem comum vê simplesmente o comum, o corriqueiro. Além disso, a linguagem poética é atemporal, e é essa atemporalidade que garante a perenidade da mensagem que está sendo transmitida.

Lucrécio, Titus Lucretius Carus, poeta romano nascido na segunda metade do século I a.C., escolhe a linguagem poética para escrever a sua obra "A natureza das coisas" (De rerum natura), que trata da filosofia de Epicuro, remetendo à Teoria Atômica de Demócrito de Abdera. Por se tratar de um assunto árido, o poeta faz essa escolha, uma vez que deseja atingir o seu público.

O poema inicia com um hino a Vênus, o qual evoca a sua natureza fecundadora, sendo ela a nutridora da vida. Com uma invocação direcionada à deusa, sua presença no poema é suscitadora de discussões diversas entre os estudiosos da área, haja vista que, conforme o epicurismo, havia a existência dos deuses, mas isso não implicava a sua intervenção
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Primavera (Botticelli, 1478 )
Francesco Bini
na vida dos seres humanos, pois, na realidade, eles não expressavam o menor interesse pelos mortais. Além disso, o poema busca dissolver o medo dos homens em relação à morte, pois, sendo tudo composto por átomos — inclusive a alma —, o que ocorreria no momento do decesso seria a desintegração tanto do corpo quanto da alma, não havendo, portanto, a necessidade de o homem temer os Infernos após a sua morte, região destinada às almas conforme a religião civil vigente no mundo romano, nem as punições e castigos ali existentes.

A aparente contradição presente no poema de Lucrécio seria que essa perspectiva invalidaria a nomeação de Vênus em meio a um poema cujo teor filosófico específico desconsidera os deuses. Entretanto, essa discussão parece ser vã, pois a resposta para a invocação à deusa se encontra no próprio texto, quando a voz poética se dirige a Vênus, dizendo:

Quae quoniam rerum naturam sola gubernas, nec sine te quicquam dias in luminis oras exoritur neque fit laetum neque amabile quicquam, te sociam studeo scribendis versibus esse quos ego de rerum natura pangere conor... Porque tu sozinha governas a natureza das coisas, sem ti nada surge nos litorais divinos da luz, nem nada alegre nem amável se faz; tu, desejo que sejas sócia nos versos que hão de ser escritos, os quais eu me preparo para compor, sobre a natureza das coisas.
(DRN, versos 21–25)
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O poeta deixa clara a sua intenção ao se referir à deusa como sócia em seu fazer poético, sendo ela a força propulsora da sua inspiração, a fim de mostrar que a sua obra, a despeito do assunto, é pura poesia expressa por meio de um poema de cunho filosófico, cujo teor, apesar de espinhoso, pode ser transmitido melifluamente, de maneira agradável, exatamente por recorrer à linguagem poética. Logo, Vênus, nesse contexto, é uma alegoria da criação literária.

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E não se trata de poesia porque Lucrécio faz uso do verso hexâmetro na construção do seu poema, visto que não é o fato de ser escrito em versos que faz do De rerum natura um texto poético, conforme o pensamento de Aristóteles em sua Poética, mas sim todos os outros elementos que participam da sua composição. Empédocles de Agrigento, naturalista e filósofo pré-socrático, por exemplo, escrevera em versos hexâmetros os seus tratados, mas não há nada em comum entre ele e Homero, que também compusera em hexâmetro, no entanto recorrendo à mimese alavancada pela criação poética, pela poiesis.

Assim, o poeta narra aquilo que poderia acontecer, trabalha com a possibilidade e, para isso, faz uso de recursos que tornem verossímil, no âmbito do enredo, a história contada.

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