Despertei para os livros olhando a estante no escritório do meu pai. Aqueles volumes massudos assustavam, ainda não me diziam nada, mas tinham algo de imponente que soava como um desafio. O que havia neles? E por que o “Velho” os abria e ficava horas contemplando o seu interior?
Essa impressão de criança foi se desfazendo à medida que eu crescia e tinha acesso aos gibis. Um gibi colorido, com desenhos de mocinhos e bandidos, era o correspondente das obras “sérias” que preenchiam a estante. Quem vem a gostar de ler começa pelas histórias
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Montaigne afirma com escancarada franqueza, em um dos “Ensaios”, que não hesita em deixar de lado um livro que o aborreça. Por mais que a obra seja festejada pelos críticos, e conhecê-la apareça como um atestado de erudição, ele suspende a leitura se tem que se esforçar para entender a mensagem do autor. Não à toa, cunhou a célebre resposta a alguém que lhe perguntara quais as três principais virtudes de um texto: clareza, clareza, clareza.
Destaquei acima as escolas porque comumente são elas que indispõem a juventude à leitura. E como fazem isso? Indicando autores para os quais os jovens não estão preparados. Pedindo-lhes, por exemplo, que leiam Machado de Assis quando o que os motiva é um texto que contenha uma história fácil de acompanhar e entender. Algo em que fique clara a oposição entre heróis e vilões.
Richard S. Prather@ereads.com/
Para chegar a Machado, é preciso primeiro arar a inteligência com instrumentos menos prospectivos e mais aptos o despertar a imaginação. Barthes distingue o texto de prazer, que distrai e conforta, do texto de fruição, que provoca no leitor questionamentos sobre a cultura e a linguagem. As obras de Machado, sobretudo a partir de “Memórias póstumas”, se enquadram no segundo tipo. Mais do que à trama, demandam atenção ao estilo, no qual repousa a célebre ironia. Isso exige sobretudo leitor.
Machado de Assis Fapesp
A leitura, então, é primeiro prazer – e assim deve continuar sendo. Para chegar a Jorge Amado, José Lins do Rego, Graciliano Ramos e outros grandes romancistas nossos, é preciso começar pelos quadrinhos, ir talvez aos livros de bolso, e a partir daí estabelecer o definitivo e gratificante vínculo com a palavra escrita. Com o tempo, a leitura mais densa dos clássicos vai dar a real dimensão da alma humana com seus abismos de sonho e medo. E sobretudo vai dimensionar a amplitude da nossa solidão, que só a leitura de um grande livro pode preencher.






















