Tenho uma amiga que gosta de viajar e conhece as vozes de muitas paisagens de nosso país — inclusive a paisagem da alma. Quando relata...

A companheira de viagem

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Tenho uma amiga que gosta de viajar e conhece as vozes de muitas paisagens de nosso país — inclusive a paisagem da alma. Quando relata suas viagens, eu viajo com ela. Faço uma viagem imaginária quando conversamos sobre os lugares por onde andou. Parto do que me conta para fazer minha viagem fantasmagórica. Nada dissipa as conspirações dos sonhos que ousamos realizar sob a ótica de suas palavras.

O mundo por ela conhecido passa a ser o meu mundo. Vejo com os olhos do coração os componentes do que me descreve. Suas doces palavras dão a exata dimensão dos sons das cachoeiras, do vento, das árvores e de tudo que brota da terra visitada. Sempre ressalta a riqueza da natureza, devido à paixão pela terra. Com os olhos da alma, vê tudo diferente dos outros e descreve de modo a nos encantar.

Quando fala dos espetáculos da natureza, um sol-estrela surge com seus encantos para nossos olhos, para nossos ouvidos como música suave. Seus olhos brilham, sua boca sorri. Quando relembrou a primavera passada, recordou que a primavera deste ano chegou com a brisa amena, os encantos das rosas e das flores dos cajueiros que tanto aprecia.

Sou daqueles que viajam ao redor de si mesmos, isto é, pelas terras que lhes pertencem. Percorro as paisagens como quem anda pelas cordilheiras dos Andes ou pelos montes da Cilícia.

Retornar à minha terra é como penetrar no misterioso mundo da poesia, de onde saímos cheios de imagens reveladoras da paz.

Viajo de ônibus sempre que me é possível. Numa dessas viagens, foi-me permitido conhecer uma jovem talentosa, cheia de encantos. Jamais esquecerei suas palavras e seus gestos. Enquanto o carro cortava as serras do Brejo Paraibano, passando por curvas que deixavam as árvores próximas de nós, conversamos amenidades. Falamos de arte, de poesia, de livros, das nossas famílias...

A companheira de viagem chamava-se Brenda e, repito, era cheia de encantos. Os livros que conduzia em sacolas para presentear as irmãs menores tornaram-se motivo de nossa conversa:

— “Estou levando O Retrato de Dorian Gray para minha irmã.”

Da conversa com Oscar Wilde passamos para Petrarca; fomos à poesia de Neruda e nos deslocamos aos amores de Ana Karênina; depois, chegamos a Capitu e, por fim, a Diadorim.

Brenda é jovem, mas carrega consigo conhecimentos sobre poesia e artes. O poeta, o artista, o pensador são fecundos na criação de coisas belas. O principal poeta é o construtor do Universo, lembro — de onde tudo se origina.

Contei que ainda hoje identifico as leituras de minha filha, quando adolescente, nos traços de sua grafia fina marcando passagens nos livros de minha coleção Imortais da Literatura Universal:

“O poeta, às vezes, com sua poesia, ou o pintor, com sua pintura, faz uma espécie de autobiografia.”

A companheira de viagem seguiu com destino a Araruna, enquanto eu fui para Serraria, carregando comigo a conversa no ônibus, que jamais esquecerei.

Sozinho, minhas lembranças se voltaram para a amiga que gosta de viajar. Quando ela narra suas viagens para mim, descreve tudo como poesia — o que me traz inspiração.

Aprendi a observar, na maravilhosa paisagem de Serraria, a profusão de cores e de luz existentes sem intervalos entre o nascer e o pôr do sol. Mesmo que sejam grandes as imagens dos gravetos esfoliados durante o sol causticante, ainda assim são bonitas de observar.

Chego a Serraria e vejo como as palmeiras fogosas brincam conosco enquanto copulam com a graça natural e serena dos pássaros. Observando a paisagem de minha terra, lembro-me das duas amigas: a que me cativou há bastante tempo e a de agora, da curta viagem de ônibus.

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  1. O cronista sempre telúrico. Parabéns, Nunes. Francisco Gil Messias.

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