Como você se identifica? Qual é a característica que prevalece sobre seu ser? Legal? Chato? Extrovertido? Introvertido? Estamos o tempo todo nos avaliando, o que não quer dizer que estamos refletindo efetivamente sobre a nossa personalidade, sobre quem estamos sendo ou gostaríamos de ser. Afinal, não é fácil mexer nesse vespeiro da identidade, sob o risco de ficarmos mais (des)integrados diante da balbúrdia da contemporaneidade.
Curated Lifestyle
Se, por um lado, essas classificações podem ser libertadoras, porque dão nome a uma experiência antes inominável, por outro, podem ser aprisionadoras. Quando dizemos “sou ansioso” ou “sou depressivo”, às vezes confundimos estado com identidade. Ninguém é apenas uma condição psíquica. Somos atravessados por múltiplas histórias, escolhas, contextos e relações.
Há também o risco de naturalizar comportamentos prejudiciais: “eu sou explosivo porque tenho isso ou aquilo”, “não consigo me concentrar porque sou assim mesmo” — ou frases autodepreciativas, como “eu sou burro” — ou cristalizadoras, como a síndrome de Gabriela: “Eu nasci assim, eu cresci assim, vou ser sempre assim”. Justificativas como essas
Andrej Lisakov
Além disso, viver em sociedade é aprender a negociar nossas singularidades. A identidade não é uma substância fixa, mas uma construção em movimento, que se reinventa a cada encontro. Muitas vezes, aquilo que achamos ser uma característica imutável é, na verdade, uma adaptação a situações. O sujeito calado pode ser tímido em um contexto, mas se mostrar expansivo em outro. O que hoje chamamos de “traço de personalidade” pode ser apenas uma reação ao ambiente, uma forma de sobreviver a um mundo cada vez mais hostil, pouco acolhedor.
Refletir sobre si mesmo, portanto, exige coragem. É mais simples adotar um rótulo pronto do que encarar o desafio de mergulhar no autoconhecimento. Essa descoberta, indubitavelmente, será marcada por dor, por uma sensação desconfortável, pois, à medida que vamos nos aprofundando em nossa história, maior é o sentimento de angústia e vazio que nos invade. Afinal, estamos ganhando profundidade.
Clara Beatriz
Devemos aprender a conviver com nossas ambiguidades, nossas ambivalências e entender que nem sempre seremos só sorrisos, abraços, simpatia — tampouco apenas amargura. Em vez de buscar um “quem sou eu” fixo e imutável, podemos aceitar o “estou sendo” e enxergar a possibilidade de mudar de acordo com o tempo, o espaço
Lia Bekyan
Afinal, ninguém cabe inteiro em uma palavra. Nenhum laudo, nenhuma categoria, nenhum adjetivo dá conta da nossa complexidade. Somos narrativas em aberto, um borrão sempre a rascunhar. Ser gentil, mas não ingênuo; dar-se ao benefício da dúvida; parar de carimbar-se como fazem com os bois. Podemos ser mais humanos, demasiadamente humanos: verso e reverso de uma página em branco, com mil e uma possibilidades de se contar.