Numa crônica de 1895, comentando episódios da República recente, ainda de cueiros, o mestre Joaquim, o Machado de Assis de todos os tempos...

O vento e as folhas



Numa crônica de 1895, comentando episódios da República recente, ainda de cueiros, o mestre Joaquim, o Machado de Assis de todos os tempos, vem com este introito: “Os acontecimentos levam os homens, como os ventos levam as folhas”.

Não se põe em jogo a verdade ou não da frase ou sentença de tom axiomático. Faz parte da sabedoria humana esse modo de dizer, acúmulo de povos, aqui e ali surtindo na expressão oral ou escrita de seus gênios.

O que me faz deslumbrar é o determinismo literário que condicionava os ventos e as folhas do cotidiano jornalístico. Não se ia ao dia-a-dia sem uma invocação de peso, um lastro que denotasse a visão de mundo abastecida e formada na cultura, sobretudo literária e filosófica.

Nessa crônica em que Machado fala das folhas e do vento para comentar o fim melancólico do contra-almirante Saldanha da Gama, morto ao lado dos federalistas do Rio Grande depois do fracasso como revoltoso da Armada, o cenário a que o cronista recorre, tão naturalmente, é o dos funerais de Coriolano, assunto de Plutarco e peça de Shakespeare. A cultura era outra, levada, depois, com os ventos e as folhas.

Na mesma crônica, veja-se com que o leitor era seduzido: “Muitas são as melancolias deste mundo. A de Saul não é a de Hamlet, a de Lamartine não é a de Musset”. Exibicionismo? Esnobação de um cronista-escritor que já estava para muito além dessa necessidade? Não, presume-se que o leitor sabia do que a crônica estava falando.

Outra: em junho de 1895, dia em que sai a crônica, o Brás Cubas e os melhores contos que vieram resultar, ainda hoje, nos melhores e mais geniais contos brasileiros, já haviam consagrado o autor. Não era, pois, nenhum pedantismo cultural, mas um ditame do tempo.

Orgânico como se diz hoje do trato agrícola. Impunha-se um fundo de cultura, alguma intimidade com o clássico, isto é, com o modelo, a quem ingressasse no exercício da escrita, mesmo diária, mesmo de jornal. Não bastava uma técnica, uma noção do que, do onde ou do como as coisas aconteceram, mas uma experiência mais longa de humanidade ou de fundo cultural.

Ah! meu caríssimo Milton Marques, seu trabalho é uma luz no túnel. Luz que não se limita à cátedra e sai para a rua, ignorando os ventos e as folhas dos meios culturais de hoje.


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