A obra mais pontuada – “As bênçãos de Nossa Senhora das Neves” – foi a que, paradoxalmente, mais sofreu revezes com a comissão. Endeusad...

Uma análise escultural


A obra mais pontuada – “As bênçãos de Nossa Senhora das Neves” – foi a que, paradoxalmente, mais sofreu revezes com a comissão. Endeusada de início, alijada em seguida, recuperada depois, essa flutuação de opiniões se deveu à ousadia da proposta. Com sete metros de altura, toda branca, uma face elegantemente recortada, outra praticamente lisa, pareceu, a princípio, pecar contra a exigência de que toda escultura em rotatória tivesse informação e beleza em todos os 360º que sua visão oferecerá aos que transitam de automóvel na cidade. Aos poucos, no entanto, saltou à vista a elegância cônica da imagem vista de costas, que culmina com uma minúscula cruz vazada no alto da “cabeça da Virgem”, repassando sua mensagem a todo o “obelisco” a que parecia se limitar, como se fosse uma capela concebida por Le Corbusier. A comissão discutiu, então, o que se passaria em quem desse uma volta completa ao redor da estátua e descobriu algo mágico: a gradativa revelação que essa “viagem” proporcionará, até que a magnífica Nossa Senhora – criada apenas com recortes no metal – surja em toda a sua singeleza, com a cabeça inclinada, compassiva, o manto com suas dobras criadas apenas com cortes no aço. Outro fator: a idéia, do autor – Marco Aurélio Alcântara Damaceno (Orcan) – de fazer, com a luz, à noite, com que sua obra se metamorfoseie noutra, ainda mais esplêndida, com a cruzinha, na parte de trás, luzindo lá em cima, num requinte impressionante que empresta sentido a todo o resto de seu corpo.

Erickson Campos Brito – pseudônimo Augusto dos Anjos – apresentou o tema “Saudação ao Sol” – de motivos óbvios, já que em João Pessoa o sol nasce primeiro em todo continente americano. Esse escultor teve o mérito de ser o primeiro artista a ter apoio unânime da comissão. Sua obra, compacta, vistosa, majestosa, densa de sentido, bem desenvolvida, cativou imediatamente todos os julgadores, sem exceção. Sua “Saudação ao Sol” impressionou a todos pela beleza de seus seis volumes de ferro em vermelho vivo, o conjunto lembrando, imediatamente, as famosas estátuas que “montam guarda” na costa litorânea da Ilha de Páscoa. Nossa sugestão é a de que o grupo fique voltado para o nascer do sol em Tambaú. Achou-se por bem, ainda, que se negocie com o artista que aumente a altura da obra, de três para cinco ou seis metros, para que sua monumentalidade marque presença em nosso litoral. Ele, evidentemente, também sairá ganhando com isso.

“Guardiã da Cidade” – de Evanice dos Santos Silva (Tanice), que consiste num pássaro que levanta vôo, é de uma elegância tal que fez a comissão, a princípio, duvidar da competência da escultora para realizá-la. Depois de muito debate, concluiu-se que não tínhamos como avaliar os meios do/a artista para tal proeza, pois o pseudônimo nos impedia saber de quem se tratava. “In dubio, pro reo”, diz a Justiça. Resolvemos, portanto, dar-lhe um voto de confiança a ser confirmado – como, aliás, deve acontecer com todos os selecionados – no contato que, fatalmente, acontecerá entre eles e a comissão, com a divulgação do resultado do concurso.

“Revoar” - de Luiz de Farias Barroso (Ícaro), tem os mesmos méritos e problemas da anterior. Sua qualidade principal é a criação de uma arribação de aves que é, ao mesmo tempo, a de um só pássaro, dividida pelos vários fotogramas de seu movimento. A questão levantada é a das possibilidades técnicas do concorrente e a do realismo de seu orçamento para realizar a obra prometida. Cabe, também, ao contato comissão-e-artista, tornar isso bem claro.

Wilson Figueiredo da Silva (Plácido Rivera) submeteu-nos “O Cavaleiro Alado” à apreciação, sendo sua proposta a que mais evoca a arte de Jackson Ribeiro, homenageado pelo certame. O trabalho se impôs ante nós pela presença maciça, teoricamente monumental, mas as dimensões propostas são decepcionantes e perigosas. Dois metros de altura, para um trabalho colocado em meio a uma avenida, é muito pouco. E tem o inconveniente de ser facilmente escalado por crianças, que sofreriam sério risco de ferimentos nas orelhas pontudas do animal representado. Parece-nos que quatro ou cinco metros seria o ideal para a obra, que correu o risco de ser ridicularizada pela comissão ao se constatar que o “cavalo” parecia mais um boi, com o que se pensou em sugerir ao seu criador que mude o nome dela para “Touro Alado”, como os dos assírios, ficando, assim, a evocação paralela com os cavalos-marinhos, feita pelo autor, transferida para o bumba-meu-boi.
Por último temos “Sinergia II”, de “Leonardo da Vinci” (pseudônimo), que mereceu de Flávio Tavares a observação pertinente de que ela trabalha com quadrados mas está em cima de um pedestal triangular, o que lhe confere certo desequilíbrio. Cabe negociar isso com o artista, e também um aumento nas dimensões de sua obra, para que adquira um mínimo da monumentalidade que se exige de uma obra escultórica destinada a lugar público.

Todos os trabalhos não selecionados comoveram a comissão pelo seu número, pela disposição e empenho de seus autores, mas deixaram a desejar pelo aspecto estético e, também pelo temático, sempre sem grandes vôos. A comissão discutiu detidamente a validade de cada proposta A obra “Velas do Cabo Branco”, do autor com pseudônimo de “Tenho Dito”, por exemplo, gerou uma discussão sem fim, por apresentar alguma beleza se vista de dois pontos de vista contrários, mas presença absolutamente nula, se vista dos outros dois, limitada, literalmente, a um mastro. Isso foi considerado, por parte da comissão, como um motivo para torná-la inadequada, desclassificando-a. Foi apresentada ao grupo, inclusive, uma escultura de Roy Lichtenstein – maravilhosa – com o que seria o mesmo problema, no caso resolvido pela colocação da obra ante uma passagem, num jardim, de modo que a visão dela seria exclusiva, de acordo com ela mesma, para quem se aproximasse de um lado ou de outro. No caso, o local seria semelhante: o canteiro no final da Epitácio Pessoa. A escultura de Lichtenstein tem, no entanto, mais espessura e é – infelizmente – de uma beleza tal, que sua falta de “presença redonda” lhe redime a falha, excepcionalidade que a obra concorrente, infelizmente, não tem.

Examinou-se uma segunda “Velas do Cabo Branco”, em granito, majestosa, do concorrente “Granato”, mas com uma falha na apresentação do projeto – pois nele há somente uma foto, um só ponto de vista da escultura – o que é vedado pelo regulamento. Além do mais, sua formulação – bem como a de outras obras suas, apresentadas na sua pasta - está muito vinculada ao cubismo ainda de Picasso e Braque nos inícios desse movimento artístico.

Surgiu, ainda, um “Monumento à Paz”, do candidato “Creso”, em que uma mulher ergue um enorme girassol. Foi unanimemente descartada pela comissão por sua também defasagem, considerada ainda muito dentro do “realismo soviético” e de suas já muito estudadas limitações.

Duas outras obras também mostraram grande coerência com os locais escolhidos para sua entronização: uma bailarina diante do Teatro Santa Roza, e um índio – nesta terra de cariris e tabajaras - na mesma posição do famoso bronze grego representando Poseidon/ Netuno. Mas as intenções dos autores/as tropeçaram na concepção pouco estética dos trabalhos.

Outra peça, “Infância Paraibana”, de “Libra”, pareceu-nos pecar pela pesada composição – dois enormes cubos – buscando leveza com aplicação de pinturas cheias de meninos brincando, o que deveria ter sido feito com altos e baixos relevos, não com a assimilação de outra arte.

considerações do autor sobre as esculturas paraibanas candidatas a figurar no cenário urbano da nossa capital, como então presidente da comissão avaliadora.


W. J. Solha é escritor, dramaturgo, artista plástico e escritor (João Pessoa-PB). waldemarsolha@gmail.com

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