Está aí um dito popular com o qual devemos tomar cuidado: o tal de “dessa água eu não bebo”. Podemos acabar bebendo sim. Explico. Anos a...

Dessa água eu não bebo

viagem nostalgia sao jose dos campos
Está aí um dito popular com o qual devemos tomar cuidado: o tal de “dessa água eu não bebo”. Podemos acabar bebendo sim. Explico.

Anos atrás, década de 90, eu e um amigo tomávamos a imprescindível cervejinha do final de expediente. Praia de Tambaú, pés na areia e mãos no copo, quando comentávamos nossas trajetórias de professores, época em que morávamos no interior de São Paulo,
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eu em São José dos Campos e ele em Bauru, quando saí com a infeliz pergunta:

— Como é que alguém, com tanta cidade no mundo, vai morar logo em Bauru? — e ainda completei — Deus me livre de morar onde Judas perdeu as botas.

Para encurtar a história, alguns anos depois, lá estava eu morando justamente em Bauru, e por essas mazelas do destino, sem que combinássemos, esse meu amigo também. É de bom alvitre que eu registre aqui que morar em Bauru foi tudo de bom. Gente acolhedora, lecionei em uma escola que era uma ilha de excelência, fiz muitos amigos no trabalho e fora dele.

Para se entender melhor um pouquinho de minha trajetória cigana, saí já bem avançado nos trinta de São José dos Campos direto para João Pessoa. Treze anos por aqui. Daqui para Bauru e uma década depois de volta a Filipeia. Antes de vir morar na Paraíba pela primeira vez, já tinha rodado esse mundão, lecionando matemática, cada dia em uma cidade, naqueles idos em que ser professor de cursinho era o que havia de bom em termos financeiros, Conheci o estado de São Paulo de ponta a ponta. Mas Bauru, por eu ter morado lá quando do meu retorno às origens, ficou definitivamente nesse cantinho do peito, onde ficam guardadas nossas melhores saudades. Estão vendo só? Bebi da água que eu jurara nunca provar... e bebi prazerosamente.

Marco Senche
Mas hoje estou por aqui. Onde gosto de viver, onde pretendo descansar o outono de minha passagem por esse planeta, tanto é que voltei, e essa paixão pela terrinha aqui, como toda paixão que se preza, não se explica. Posso até tentar, mas é coisa que vem de dentro. E por que estou dizendo isso?

Tudo começou nesse último final de ano quando dei uma escapada e fui ver os filhos, netos, irmãos; enfim, gente que o destino se encarregou de espalhar. E rever alguns amigos também, por que não? E lá fui eu para a minha São José dos Campos, minha terra de origem, onde esse meu povo acertou de se reunir.

Aer. SJC ▪ CC0
Minha infância, juventude e os primeiros anos da maturidade foram praticamente todos por ali. Como não ter boas lembranças?

E sabemos, boas recordações fazem cócegas em nossa alma e por isso resolvi dar um giro, um rolê como diz a moçadinha de hoje. Fui e o fiz a pé, fui puxando da memória em cada canto que me trouxesse algum motivo para viajar de marcha ré no tempo.

Aquela cidade que linhas atrás fiz questão de chamar de minha, não mais me pertence. Só uma ou outra coisinha ainda do jeito que deixei. Quase no cruzamento da João Guilhermino com a Nélson D'Ávila uma das mais belas residências da cidade ainda está por lá com a placa de “Vende-se”. Linda, de um canto dela eleva-se uma torre com um barquinho em seu ápice a guisa de cata-vento.
SJCAlphabet
Uma boniteza. Mas só! Segui pela Nélson D'Ávila e dei um esticão até a Rua XV. A Praça Afonso Pena ainda por lá, mas nada do laguinho com carpas coloridas, nem aquele banco de onde eu e a primeira namorada trocamos todos os juramentos que surgiam de nossas inocências. À frente o Cine Palácio virou um estacionamento. Um crime à memória dos beijos ali trocados, na tela e nos acentos de tantos quantos frequentaram o mais belo cinema que já existiu.

Mais adiante, a Galeria Rossi, antes tão glamorosa, é hoje um beco com lojinhas decadentes. Cadê o salão do Grego&Dito? Perguntei e me disseram que faz tempo que não existe mais. Esqueci-me que passaram 35 anos. Grego e Dito cuidaram de minha carapinha desde os tempos do Tiro de Guerra. Então resolvi esquecer um pouco coração e voltar minha atenção a outras vísceras e procurei a Pastelaria Alvorada onde um chinês mal humorado produzia o melhor pastel que já experimentei. Nada!

Cadê o Bar e Restaurante Santa Helena, com seu chope gelado, a pizza de encher a bochecha de saliva só de lembrar? Vou parar por aqui. São José está linda, com uma mobilidade urbana de fazer inveja, arborizada, limpa de fazer gosto, mas só!


Amigos me revelaram: São José é hoje um deserto cultural. Como não lembrar da Sala Veloso, um auditório modesto, mas com agenda lotada? Lembrei do Sabiá de Ouro, o festival de MPB que mexia com a cidade. Semana Cassiano Ricardo. O professor Luiz Gonzaga Pinheiro foi um gigante puxando à reboque as mais diversas manifestações culturais. Nem tive notícias dele.

Ah, João Pessoa, cidade querida, você não sabe como é rica em cultura! Nesses dias distante daqui, nem imagina a saudade que tive. Lá, até me perguntaram se eu pretendia voltar para São José. Disse que não, mas a prudência me cobrou uma restrição: nunca mais diga “dessa água eu não bebo”. Aguardemos.

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  1. Por acaso conheceu Ênio Angheben, em Bauru? Fomos colegas do Ginásio Municipal Getúlio Vargas, em Sorocaba, nos anos 50, ele o eterno primeiro da classe. Depois, cada qual foi para um lado, soube - nem sei como - que ele vive em Bauru. Conheceu-o?

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  2. Olá, W.J. Solha.
    Morei de 2000 a 2008 em Bauru. Infelizmente não o conhecia e ná época, nem você também. Minha caçula acabou de se formar em engenharia e foi morar na sua terra (Sorocaba). Grande abraço.

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