… depois de sete anos sem querer saber de cinema
Em 2002 ou 3, quando eu saía da estreia do cearense “Lua Cambará”, no Festival de Cinema de Brasília, o cineasta paraibano Manfredo Caldas me alcançou no meio da multidão, segurou-me pelo cotovelo e disse:
- Mai tu tá muito ruim no filme!
E eu:
- Também acho.
- Mai tu tá muito ruim no filme!
E eu:
- Também acho.
Pra não dizer que nunca mais fiz nada, na área, em 2008 me ligaram para pedir-me uma pontinha no “Bezerra de Menezes – O Diário de um Espirito”, também cearense. Insistiram – ante minha recusa – dizendo “É apenas uma cena, que será filmada numa só manhã e aí perto, no Recife!” – e lá fui ser o Prof. Freire Alemão, um dos mestres do líder espírita na Faculdade de Medicina do Rio, eu, na verdade, numa sala em forma de anfiteatro da célebre Faculdade de Direito de Pernambuco.
- Caramba!...
Quanta coisa aquilo dizia!
Foi assim que – às 2:15 da madrugada (em função da tábua das marés), em agosto ou setembro de 2010, desemboquei de um beco, a pé, na Avenida Boa Viagem, no Recife, cruzei-a, olhando para a direita, vendo se não vinham carros (embora soubesse que na verdade, ela estava interditada para a filmagem), fiz que não vi a ambulância e o caminhão do corpo de bombeiros, nem a equipe técnica e os equipamentos do filme, tirei a camisa e os chinelos diante da mureta que serve de interminável banco na calçada, deixei os chinelos como peso sobre a camisa, pois ventava um pouco, e fiz o sinal da cruz enquanto descia para a areia, bem atrás da placa vermelha em que se lia “Área sujeita ao ataques de tubarões”.
Kleber, nas vésperas dessa filmagem:
DigArt
- OK.
Na manhã seguinte, no entanto, voltei ao local. Vendo que não havia nenhum banhista na redondeza, puxei conversa com um vendedor de coco:
- Por que ninguém está nadando por aqui?
- Por causa dos tubarões.
- Tubarões?! Mas não há placa nenhuma dizendo isso.
- Não tem, mas quem é doido? Depois que fizeram Suape, isto aqui tudinho ficou infestado.
De modo que, na Hora H, Dia D, quase duas e quinze da madrugada, tudo pronto, a assistente de direção – Clara Linhart – aproximou-se de mim, que aguardava a ordem de entrar em cena, no beco, ela com os olhos inchados, notei, e me disse:
- Olha, você não tem de fazer a cena. A gente põe um dublê.
- Valeu, Clara, mas a sequência é importantíssima para o filme e eu ficaria me martirizando o resto da vida se falhasse com Kleber. Vou fazer a coisa, e fica tranquila: vai dar tudo certo.
Ela se juntou aos outros, ouvi sua voz passando as ordens do chefe, por um megafone:
- Atenção: luz! (acenderam-se grandes refletores cobrindo a avenida e o mar, lá atrás), - Câmera! – e, para mim:
- Aaação!
DigArt
David Boca
Kleber me disse, rindo: “Você demorou muito dentro d´água, eu dizendo comigo mesmo: Suba, suba, suba!”
Cercado por assistentes com toalhas e secadores, pentes e escovas e um calção seco, igual ao anterior, tive de filmar tudo de novo.
- Só pra garantir a tomada. – disse-me Kleber - Aguarde, sempre, uma onda melhor ainda do que aquela.
Bom, não ganhei nenhum Oscar por aquilo.
mas valeu a pena.
(Trecho da 'AUTO B/I/O GRAFIA' do autor a ser lançada)