Em Trastevere, charmoso bairro de Roma, há um pequeno restaurante com uma das melhores cozinhas da cidade. Mas o que chama logo a atenç...

Fim da conversa?

Em Trastevere, charmoso bairro de Roma, há um pequeno restaurante com uma das melhores cozinhas da cidade. Mas o que chama logo a atenção do cliente que ainda não lhe conhece a cozinha é um extraordinário aviso emoldurado na parede: “NON ABBIAMO WI-FI. PARLATE UN PÒ TRA VOI.” Em bom português: “Não temos wi-fi: conversem um pouco entre si.”

Não é incomum, hoje em dia, quatro amigos dividirem uma mesa de restaurante, cada um comunicando-se isoladamente com alguém que não está à mesa, através do celular, como se não houvesse pessoa alguma ao seu lado naquele momento. Ver uma foto, um vídeo, ler ou responder a uma mensagem (coisas que ficam gravadas e podem ser vistas quando se estiver sozinho) ficam sendo algo mais importante e prazeroso do que conversar com as pessoas com quem você combinou de encontrar-se e que estão ali, ao lado, com a sua presença viva, tornando possível o milagre que é compartilhar um instante único e irrepetível.

Quando eu era criança, telefone era privilégio de raros, não existia orelhão e era comum pessoas amigas, sem aviso prévio, visitarem-se aos domingos e feriados. A certa altura, havia o cafezinho, às vezes até biscoito Maizena ou bolacha Cream Cracker; mas Zé Maria, Adalgisa ou Dona Zefinha não atravessavam aquela fria Campina (às vezes a pé) por uma xícara de café: eles vinham à casa de minha infância para conversar com meus pais e irmãos. As pessoas cultivavam o hábito de conversar. Como esse mundo de visitação não compunha um paraíso monolítico de fraternidade, as visitas que algumas vezes se tornavam indesejáveis e nossa superstição ancestral produziram a vassoura de cabeça pra baixo escondida atrás da porta da cozinha como uma solução mitológica para apressar a saída da visita que parecia não acreditar que o tempo existia.

Não somente vem desaparecendo vertiginosamente o hábito da visitação dominical, como as pessoas vêm desaprendendo a conversar. Antigamente, as pessoas entendiam que uma conversa só existe com a participação das pessoas envolvidas na conversa. Saber conversar é também saber ouvir: esta coisa tão fácil e tão simples de entender vem sendo desaprendida, descaracterizada e esquecida nos últimos tempos. Há sempre um idiota para quem conversa é conferência, e os outros não passam de auditório. Conheço um mentecapto que chega a afirmar, alto e bom som, não se incomodar se o “interlocutor” ficar calado o tempo todo – basta que esteja disposto a ouvi-lo até a exaustão.

Com a popularidade da televisão, as visitas foram diminuindo e, com o surgimento dos viciados em televisão, as visitas começaram a tornar-se até indesejáveis, mas o hábito de conversar ainda resistia através do telefone. Por outro lado, com o telefone fixo tornando-se mais acessível e com a popularidade do orelhão, criou-se o hábito civilizado de informar-se sobre a conveniência de visitar alguém, evitando-se, assim, transtornos recíprocos.

Com o advento do celular e o conseqüente acesso popular ao aparelho, passou a não haver mais desculpas para a visita intempestiva, e ninguém precisou mais esconder sua hipocrisia atrás da porta.

Num mundo em que cada vez mais o egocentrismo engole tudo e em que o outro não passa de uma sombra ou de um tapete, a televisão e o whatsapp ocupam lugar de relevo, pois tornam a presença do outro dispensável. A comunicação (mesmo à distância) entre as pessoas vai evanescendo porque o outro é apenas um endereço – não um destinatário. O melhor do celular é o whatsapp, pois este, mesmo podendo virtualmente promover o diálogo, exclui completamente a presença do outro (além de eliminar a voz, adia, indefinidamente, a resposta), e a imagem do “homem cordial” parece que vai sendo trocada pela do misantropo, que, embora vivesse à sombra, era mais verdadeira.

Apesar dessas conquistas, fica sempre a dúvida: será que Zé Maria, Adalgisa e Dona Zefinha trocariam a morosa visita no domingo à tarde por uma conversa no whatsapp?

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