⏤ Não esqueça o meu Capricho.
⏤ Esqueço não, Marlene.
⏤ Esqueço não, Marlene.
E lá me punha eu, às terças-feiras, na carroceria de um caminhão de feirantes, rumo a Itabaiana, à falta de banca de revistas na pequena cidade onde cresci. A viagem de 24 quilômetros, ida e volta, teria o propósito único da compra de gibis não fosse a encomenda das fotonovelas por aquela prima da minha mãe, uma jovem dona de casa com marido e filho.
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Todas quase sempre tinham as mesmas histórias xaroposas: as da vitória do amor contra o preconceito de classe, a intriga dos invejosos, os mal-entendidos, a distância forçada, ou a inimizade entre os parentes de jovens enamorados. Ao cabo de umas tantas páginas, o amor, é claro, sempre vencia. E, satisfeitíssima, Marlene enxugava as lágrimas. Romântica além da conta, ela abandonou a casa em busca de uma grande paixão quando um recém-chegado a serviço da Campanha contra a Malária a despiu com seus olhos azuis. Meu pai culpou as fotonovelas.
Isso tudo me vem à mente em razão da descoberta de que Sílvio Santos e Wanderléa já fizeram par romântico numa dessas histórias montadas quadro a quadro e com diálogos em balõezinhos, como nos enredos de gibi. A página da Internet que disso me dá conta também exibe a capa da tal revista com o casal próximo do beijo. Mata a cobra e mostra o pau.
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Roberto Carlos? Erasmo? Ronnie Von? Jerry Adriani? Acreditem, eles também fizeram fotonovelas, sim. Isso ocorreu quando as editoras nacionais decidiram embarcar na onda de sucesso dessa invenção italiana que vendia tanto quanto pirulito. Roberto, numa época de dinheiro curto, foi o Ricardo de “Assim quis o destino”, numa edição de 1959 da Sétimo Céu. E ainda foi o Brasinha de “A caminho do amor”, ao que me informo no passeio pela Internet.
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Aqui, mais do que lá, a indústria dos romances em quadrinhos se expandiu como fogo em mato seco. E acarretou a criação de fãs-clubes para nomes com fama e prestígio equivalentes aos dos cantores do rádio. Que o digam Katiuscia, Andrea Giordana (em italiano isso é nome masculino), Carlo Giordana, Franco Gasparri, Luciano Francioli, Marina Coffa, Paola Pitti, Michela Roc e tantos outros exportados pela Itália, berço e maior produtor mundial das fotonovelas.
Katiuscia
Franco Gasparri
Não era fácil fazê-las. Nem barato, pois requeriam equipes comparáveis às dos bastidores do cinema, gente especializada em direção, produção, argumento, roteiro, fotografia, figurino, coordenação de elenco, maquiagem, diagramação e arte final. Hotéis e apartamentos de luxo eventualmente cedidos proporcionavam as grandes locações.
Em meio a outras empresas do gênero, a brasileira Central Bloch de Produções dispôs ao mercado interno desse gênero de romance, antes da grande fama, expressões que as telenovelas consagrariam. Suzana Vieira estrelou “Milagres do Amor”. Sônia Braga, “O Mistério das Cartas de Amor”, título comprido, assim mesmo. E a moça ainda voltava, desta vez com Mauro Mendonça, para as páginas de “Contrato de Amor”.
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Fotonovela que se prezasse tinha que ter amor no nome. Ney Latorraca fez “Luz, Câmera, Amor”. Flávia Alessandra, por sua vez, encenou “O Mistério das Lambadeiras”, sem disso hoje se orgulhar, creio eu. “O Grande Sacrifício” foi o tema estrelado por Natália do Vale, sempre bela. Francisco Cuoco, Tony Ramos e Regine Duarte também brilharam naquelas páginas, embora, agora mesmo, eu não consiga declinar qualquer título. Ah, sim, Vera Fischer fez “A Morte da Bailarina”. O doce de coco da Wanderléa também encenaria “Amor e Tristeza” com Erasmo, par muito mais adequado, convenhamos, do que o eterno Sílvio Santos, já ali, com idade para ser seu pai.
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O meu, caso ainda fosse vivo, concordaria comigo quanto ao fato de que as fotonovelas beirariam a inocência se comparadas ao enredo, às cenas tórridas, crimes e desvios de conduta levados ao ar, hoje em dia, na telenovela das seis da tarde. Nossa Marlene, de quem às vezes sinto saudade, ruborizaria na sintonia do drama das 22 horas, se ainda vivesse.
Há que ser dito que os lucros fabulosos daquelas editoras vinham menos dos preços de capas de suas revistas e mais, muito mais, do espaço publicitário preenchido pelos anúncios que então veiculavam em volume crescente.
Nostalgia
Rinso, o sabão em pó, prometia alegria no tanque. A Philco lançava “a mais completa linha de TV” e, de quebra, ampliava o número de televizinhos, assim chamados aqueles ocupantes das janelas e salas alheias para ver o que não tinham em casa. A fita adesiva Scotch, “indispensável desde o primeiro dia de aula”, garantia livros encapados e cadernos bem arrumados. Ah, as cores e linhas de liquidificadores da Walita...
Dr. Ross vendia, nada mais nada menos, do que pílulas de vida. A Knorr orgulhava-se de ser suíça. O copo de Toddy, “1 minuto e 60 centavos”, termo alusivo à facilidade do preparo e ao baixo custo do produto, continha a promessa de um milagre: o do aumento de peso, purificação do sangue e fortalecimento do cérebro.
Eram melhores e mais inocentes, sem dúvida, aqueles dias em que as fotonovelas entretinham as mulheres (as casadas e as solteiras) e tinham a leitura escondida por um número cada vez maior de marmanjos. Dias, enfim, em que Melhoral era melhor e não fazia mal, pelo menos, na propaganda.
