O homem é um animal que escolhe. Os outros bichos será que o fazem? Não sei. O instinto e a ausência do livre-arbítrio devem limitá-los muito, talvez totalmente. Mas o homem, não. Ele passa o dia escolhendo, vive escolhendo. Praticamente em tudo que faz – ou não faz – há escolha. E, sendo assim, às vezes ele acerta, às vezes ele erra. Que fazer? É o preço da liberdade, que também atende pelo nome de responsabilidade, os filósofos sabem disso.
É fato também que a experiência, ou seja, aquilo que aprendemos (ou não) com nossas vivências ao longo do tempo, com nossos acertos e erros acumulados, podem nos ajudar a escolher melhor ou, pelo menos,
Recentemente, um certo cidadão quase octogenário aposentou-se compulsoriamente, ou seja, por avançada idade, de um espinhoso cargo público, daqueles que exaurem as energias e as forças de qualquer um, não só pelo imenso volume de trabalho, como também pela gigantesca responsabilidade inerente ao ofício. O leitor deve ter visto na TV, nos jornais e nas redes sociais, pois o tal cargo deixado vago pelo citado idoso é – ou deveria ser assim considerado – um dos mais importantes do aparelho estatal. Muito bem, e daí?
Daí que seria razoável supor que o provecto cidadão aposentado iria agora, finalmente liberto de tantos encargos e, numa hipótese otimista, com apenas alguns poucos anos de vida plena – ou quase isso – pela frente, aproveitar o “ócio” para curtir, dentro do possível, tudo que não fez até então, com a devida plenitude, por conta do trabalho: interagir com a família, principalmente com os netos, se os tiver, com os velhos amigos,
Mas o que faz o quase octogenário supostamente sábio? Aceita ser nomeado para um cargo governamental pesadíssimo, que certamente tomará completamente seus dias, quem sabe as noites, feriados e finais de semana. Que tal? O que pensará o leitor sobre esse homem aparentemente de tão elevado espírito público, ao ponto de sacrificar sua velhice, seus derradeiros anos, ao suposto interesse do Estado?
Particularmente, e com a ressalva de estar enganado, claro, penso que talvez a coisa tenha mais a ver com apego a poder e prestígio, duas realidades que inebriam muita gente, até – ou principalmente – os que já estão acostumados com ambas. Diria mais: não só inebriam como viciam. E vício, o leitor sabe, não se larga facilmente. Que coisa, não é mesmo?
Mas nada que nos espante e surpreenda. O contrário, ou seja, a recusa do apetitoso cargo, é que seria de espantar e surpreender. Afinal, quem é que voluntariamente dispensa poder e prestígio neste mundo?
Mas voltemos ao senhor quase octogenário de que falávamos. Coitado. É assim que o vejo. Para mim, escolheu errado. E consumirá em meio a desgastes e preocupações vãs os dias que lhe restam nesta vida tão efêmera, quando podia perfeitamente gozá-los de maneiras prazerosas e inteligentes. Tudo para não largar o osso do poder e do prestígio, e para acrescentar mais uma linha ao seu vaidoso currículo destinado ao esquecimento.
O pensador Isaiah Berlin escreveu algo que pode nos parecer uma obviedade à primeira vista: “O mundo com que nos deparamos em nossa experiência ordinária nos oferece escolhas absolutas, e a opção por uma delas implica, inevitavelmente, o sacrifício das outras.”. Sim, é isto mesmo: não se pode ter tudo ao mesmo tempo; quando se escolhe uma coisa, renuncia-se automaticamente a outras. Trocando em miúdos, não se pode levar vida de solteiro e de casado simultaneamente; quem tentar fazê-lo certamente vai se dar mal. Tudo isso está contido também, por exemplo, nos célebres versos de Manuel Bandeira: “a vida toda que poderia ter sido/e que não foi”. Há uma vida que é e várias que não puderam ser. É assim. O nosso ancião quase octogenário deliberadamente escolheu o poder e o prestígio, com o sacrifício de tudo o mais. Deve achar que vale a pena. Mas será? O certo é que não disporá de muito tempo para se arrepender, se for o caso.