Desde pequenino eu já ouvira dizer que todo homem só se completa; ou seja, só possa se considerar digno de ter p...

Árvores, livros e filhos

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Desde pequenino eu já ouvira dizer que todo homem só se completa; ou seja, só possa se considerar digno de ter passado por este nosso planeta, depois de ter tido filhos, escrito pelo menos um livro e ter plantado árvores.

Não creio que essa máxima seja uma verdade absoluta. Pode-se se ter dado uma contribuição à humanidade sem ter cumprido alguma dessas três tarefas, ou mesmo sem se ter entregado a nenhuma delas. Cabe aqui algumas conjecturas.

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Celyn Kang
Shakespeare, escreveu uma obra monumental, teve filhos com lady Anne Hathaway, mas não me consta que tenha plantado árvores. Machado de Assis, sei que não teve filhos ou que tenha dado alguma contribuição à nossa flora arbórea, mas em compensação o que deixou à nossa literatura é indiscutível.

O baixinho Santos Dumont (tinha só 1,52 m de altura), não fez nenhuma dessas três coisas, mas pôs o 14Bis para voar em Paris.

Há o que dizer do Marechal Deodoro da Fonseca, casado com Dona Mariana Cecília não deixou prole. O ilustre militar não legou nada à literatura e se plantou ou não alguma árvore, ninguém pode afirmar. Só se sabe que foi tirado do pijama para proclamar (na verdade, dar um golpe de estado no Império) nossa famigerada república. É voz corrente por aí que isso foi muito bom para o Brasil...

Thomas Alva Edison tirou a humanidade do escuro inventando a lâmpada elétrica, teve seis rebentos de dois casamentos. Não há registro de que tenha sido sequer um bom jardineiro e muito menos escritor, mas o que deixou de invenções à humanidade não é para qualquer um.

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Celyn Kang
Assim, vamos constatando que o dito nas primeiras linhas deste texto não passa apenas de um grande incentivo à perpetuação de nossa espécie, um estímulo à preservação do nosso meio ambiente e até um encorajamento a que se retire algumas garatujas das gavetas para que sejam publicadas. Mas dizer que uma verdade absoluta é outra coisa. Até Hitler publicou um livro.

Bem, fiz as três coisas. Árvores, nem sei quantas plantei. Certamente mais de uma dezena, eu menino do interior, morei quando adulto em zona rural e gostava de deixar essa minha marca, literalmente criando raízes. Livros já tenho alguns devidamente paridos e outros em gestação. Já filhos...Sete! É o que constam os registros oficiais e não creio haver alguma avezinha desgarrada além daquelas que tenham comido do meu alpiste.

Mas o destino – sempre o destino! – quis que eu devolvesse duas dessas joias. Ah, meus amigos, minhas amigas, nem imaginam como é doloroso esse penhor. E foi exatamente a falta que hoje fazem essas duas contas brilhantes arrancadas de um colar de sete gemas o que me trouxe a lembrança de livros, árvores e filhos. Então, mais um pouco de meus livros, minhas árvores e meus filhos.

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Celyn Kang
Aos livros dediquei noites a fio, roubei horas do meu dia e os trouxe depois de partos doloridos, de entregas franciscanas. Ah, quantas horas escondido diante desta engenhoca aqui como que se o mundo lá fora não existisse.

Quantos às árvores ainda pequeninas eu as adubei, as reguei e as protegi das lagartas e saúvas. Dei-lhes atenção nas estações de poucas águas e nas de muitas. Verifiquei se o crescimento estava de acordo com os padrões da espécie. Tratei-as com mimo até que se libertassem de minhas atenções e pudessem contar apenas com as forças e prerrogativas da natureza.

Ah, agora os filhos. É hora da “mea culpa”. Claro, que não fui um pai negligente. Dizem até que carinhoso, fui. Tentei sê-lo, mas creio que fiquei devendo. Como diz a canção “Epitáfio” dos Titãs:

“Devia ter amado mais. Ter chorado mais. Ter visto o sol nascer. Devia ter arriscado mais. Eu devia ter até errado mais. Devia ter feito o que eu queria fazer. [...] Devia ter complicado menos. Ter trabalhado menos [...] Devia ter me importado menos/Com problemas pequenos.”

É isso meus amigos, minhas amigas, acho que compliquei demais e me maltratei por problemas pequenos. E os meus filhos? Devia tê-los levado mais vezes para ver o sol nascer, e depois ver essa bola de fogo se esconder no mágico ciclo dos dias e das noites. Devia ter empinado pipa e rodado piões com os meninos, ter me feito de enfermo com as garotas, para que minhas doutorinhas me prestassem socorro. Devia ter-me deitado com aquela turminha buliçosa mais vezes para contar os causos que tanto apreciavam. Podia muito bem ter tirado a coberta ou os lençóis da cama para “brincar de cabaninha”, sob o protesto de nossa “generala” que não gostava de ver a casa desarrumada.

Enfim, meus livros, minhas árvores, nada lhes devo. Quanto aos filhos, podia ter-me dado mais.

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  1. Sinceramente você disse tudo 👏👏👏👏🙏🙏🙏🙏🙏🙏❤️❤️❤️😢❤️❤️❤️❤️❤️❤️❤️✂️🪡🧵

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  2. Tive o prazer de receber em meu livro Versos Descascados: um texto desse plantador de sementes, escritor, e pai. Pai de muitos que o admiram. Paiva é responsável sem dor, sem culpa em levar o leitor ao encontro de si mesmo. E nesse texto, por conseguinte, há uma dose de valor muito grande que nos enche com alegria e coragem. Obrigada Paiva!

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