Desde pequenino eu já ouvira dizer que todo homem só se completa; ou seja, só possa se considerar digno de ter passado por este nosso planeta, depois de ter tido filhos, escrito pelo menos um livro e ter plantado árvores.
Não creio que essa máxima seja uma verdade absoluta. Pode-se se ter dado uma contribuição à humanidade sem ter cumprido alguma dessas três tarefas, ou mesmo sem se ter entregado a nenhuma delas. Cabe aqui algumas conjecturas.
Celyn Kang
O baixinho Santos Dumont (tinha só 1,52 m de altura), não fez nenhuma dessas três coisas, mas pôs o 14Bis para voar em Paris.
Há o que dizer do Marechal Deodoro da Fonseca, casado com Dona Mariana Cecília não deixou prole. O ilustre militar não legou nada à literatura e se plantou ou não alguma árvore, ninguém pode afirmar. Só se sabe que foi tirado do pijama para proclamar (na verdade, dar um golpe de estado no Império) nossa famigerada república. É voz corrente por aí que isso foi muito bom para o Brasil...
Thomas Alva Edison tirou a humanidade do escuro inventando a lâmpada elétrica, teve seis rebentos de dois casamentos. Não há registro de que tenha sido sequer um bom jardineiro e muito menos escritor, mas o que deixou de invenções à humanidade não é para qualquer um.
Celyn Kang
Bem, fiz as três coisas. Árvores, nem sei quantas plantei. Certamente mais de uma dezena, eu menino do interior, morei quando adulto em zona rural e gostava de deixar essa minha marca, literalmente criando raízes. Livros já tenho alguns devidamente paridos e outros em gestação. Já filhos...Sete! É o que constam os registros oficiais e não creio haver alguma avezinha desgarrada além daquelas que tenham comido do meu alpiste.
Mas o destino – sempre o destino! – quis que eu devolvesse duas dessas joias. Ah, meus amigos, minhas amigas, nem imaginam como é doloroso esse penhor. E foi exatamente a falta que hoje fazem essas duas contas brilhantes arrancadas de um colar de sete gemas o que me trouxe a lembrança de livros, árvores e filhos. Então, mais um pouco de meus livros, minhas árvores e meus filhos.
Celyn Kang
Quantos às árvores ainda pequeninas eu as adubei, as reguei e as protegi das lagartas e saúvas. Dei-lhes atenção nas estações de poucas águas e nas de muitas. Verifiquei se o crescimento estava de acordo com os padrões da espécie. Tratei-as com mimo até que se libertassem de minhas atenções e pudessem contar apenas com as forças e prerrogativas da natureza.
Ah, agora os filhos. É hora da “mea culpa”. Claro, que não fui um pai negligente. Dizem até que carinhoso, fui. Tentei sê-lo, mas creio que fiquei devendo. Como diz a canção “Epitáfio” dos Titãs:
“Devia ter amado mais. Ter chorado mais. Ter visto o sol nascer. Devia ter arriscado mais. Eu devia ter até errado mais. Devia ter feito o que eu queria fazer. [...] Devia ter complicado menos. Ter trabalhado menos [...] Devia ter me importado menos/Com problemas pequenos.”
É isso meus amigos, minhas amigas, acho que compliquei demais e me maltratei por problemas pequenos. E os meus filhos? Devia tê-los levado mais vezes para ver o sol nascer, e depois ver essa bola de fogo se esconder no mágico ciclo dos dias e das noites. Devia ter empinado pipa e rodado piões com os meninos, ter me feito de enfermo com as garotas, para que minhas doutorinhas me prestassem socorro. Devia ter-me deitado com aquela turminha buliçosa mais vezes para contar os causos que tanto apreciavam. Podia muito bem ter tirado a coberta ou os lençóis da cama para “brincar de cabaninha”, sob o protesto de nossa “generala” que não gostava de ver a casa desarrumada.
Enfim, meus livros, minhas árvores, nada lhes devo. Quanto aos filhos, podia ter-me dado mais.