▪️ Entro num dos estúdios de imagem e som, de João Pessoa, e vejo um diploma, na parede, dizendo que tinha sido premiado - num dos fe...

A vida tem uns repetecos curiosos

▪️Entro num dos estúdios de imagem e som, de João Pessoa, e vejo um diploma, na parede, dizendo que tinha sido premiado - num dos festivais de publicidade do Nordeste, realizados aqui - um clipe de um minuto que eu escrevera e dirigira para a GCA Propaganda, em que o tenor Vianey cantava o Largo al factotum do Barbeiro de Sevilha — com máscara e fantasia do carnaval de Veneza — dizendo que “Se você for um dos dez a comprar primeiro o seu apartamentos do Firenze ou Venezia ... vai para a Itália com acompanhante... grátis”.

Mohd Alkharji
E eis que, por acidente, fico sabendo, pela internet, com anos de atraso, que ganhei o Prêmio Guarani de melhor ator coadjuvante de 2013 — concedido pela ACCIRS — Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, pelo meu trabalho em “O Som ao Redor”, concorrendo com Felipe Abib, por Faroeste Caboclo, Lima Duarte, por A Busca, Miguel Thiré, por A Memória que me Contam e Walmor Chagas, por A Coleção Invisível.

— Por que nunca ninguém me disse isso?

WJ Solha em O som ao redor (filme) Acervo do autor
▪️Meu filho Alexei Dmitri – muito jovem - começou a estudar violão com Tom K. “Muito bom” – eu disse, e lhe dei o violão. Aconteceu, não muito tempo depois, de vê-lo triste e lhe perguntei: “O que está havendo?” E ele: “É que meu negócio não é violão, mas guitarra elétrica.” “Hm”. Comprei-lhe a guitarra elétrica. Mais algum tempo, nova tristeza. “Por que?” “Porque na verdade o que eu quero é o baixo”. “E é?! Você quer deixar de ser a estrela da banda para ser o seu acompanhante?!”

Alexei Dmitr WJ Solha
Mal disse isso, lembrei-me de que meu pai sempre me contava que, quando jovem, tocava trombone na banda Carlos Gomes, de Campinas. Como nunca o vira tocar, pedi que o fizesse. E ele: “Não tenho, mais, embocadura”. “E o que o senhor tocava?” “Ah, coisas como La Habanera, da Carmem” — e ele solfejou a partitura com o mesmo virtuosismo de minha mãe nas agulhas de crochê e tricô. “E como era a sua parte?” — prossegui. E ele, simulando o trombone: “Pô-pô, pô-pô-pô, pô-pô”. “ E eu: “ Sóóó isso?”

— Isso é muito importante, menino burro!!!

Alena Jarrett
▪️Quando eu estava no meio da Ponte da Amizade, entre o Brasil e o Paraguai, em 76, lembrei-me de que a enfermeira do Banco do Brasil e meu amigo Horácio de Freitas me haviam dito a mesma coisa ao ler minha mão: Que eu jamais sairia do país. Quando voltei, disse a ela: “Bom: saí”. E ela: “Eu quis dizer: de vez.”

Ponte da Amizade (Brasil-Paraguai) Acervo do autor
▪️Já em 2012, na estreia brasileira de O Som ao Redor, no Festival de Gramado (ele já vinha premiado desde Roterdã), houve um sério problema de som, a projeção foi interrompida e me lembrei do sonho que tivera com meu pai — já falecido desde 92 — na véspera de meu teste para o longa: ele chegando à porta, aqui ao meu lado... , com, o que eu lhe disse: “Já sei: não vou fazer o filme”. “Vai — respondeu tranquilo - mas não vai assisti-lo”. “Será?” — perguntei-me naquela noite, em Gramado. Mas no dia seguinte, com equipamento novo vindo às pressas de Porto Alegre, assisti a O Som ao Redor de cabo a rabo. Felizmente, nem sempre “la vida es sueño”: “los sueños, sueños son”.

E aí estão - repetecos dentro dos repetecos: meu pai em cena duas vezes, duas vezes O Som ao Redor, duas vezes a viagem... pra outro mundo.


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