O livro Abuso Espiritual, publicado em 2024, do professor, palestrante, tradutor e escritor brasileiro Gabriel Perissé (1962), oferece uma análise das práticas religiosas e seus efeitos psicológicos e espirituais nas pessoas. A obra tem como objetivo expor e discutir uma realidade dolorosa e frequentemente ocultada dentro de diversas igrejas: a violência invisível. Perissé investiga o modo como líderes religiosos, em nome da fé, manipulam, controlam e até destroem o sentido de vida dos fiéis,
utilizando a religião e o culto como instrumento de dominação e alienação.
A obra tem início com a definição de 'abuso espiritual', caracterizando-o como uma forma sutil, porém profunda, de manipulação emocional e psicológica. Nesse contexto, líderes religiosos utilizam a fé, a autoridade simbólica e a confiança irrestrita dos fiéis para impor práticas e condutas que comprometem o senso de pertencimento, a liberdade individual, a autonomia e, sobretudo, o bem-estar socioafetivo das vítimas. Trata-se de uma exploração da espiritualidade que corrói a saúde mental, enfraquece os laços sociais e deturpa o sentido de felicidade, enraizando-se nas fragilidades da própria experiência humana.
Uma das principais teses de Perissé é a distinção entre a liderança espiritual saudável e o abuso espiritual. Enquanto a primeira se baseia na valorização da dignidade humana, no respeito à diversidade, na promoção da solidariedade e na defesa da liberdade individual, o abuso espiritual se manifesta quando o líder adota uma postura autoritária, infalível e inquestionável, exigindo obediência cega e submissão absoluta dos seguidores.
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Essa forma patológica de liderança desarticula o senso crítico dos fiéis, que passam a encarar suas próprias escolhas e sua autonomia espiritual como atos pecaminosos, a menos que estejam em total consonância com os preceitos do líder — frequentemente dissociativos, manipuladores e cruéis. Perissé evidencia que, nesse contexto, muitas vítimas não reconhecem de imediato a manipulação a que estão sendo submetidas, justamente porque o abuso é camuflado sob práticas religiosas aparentemente legítimas. O líder, nesse cenário, se apropria do medo — sobretudo do temor de punições divinas — como ferramenta de dominação. A crença de que a salvação depende da adesão irrestrita às suas diretrizes transforma qualquer forma de resistência em pecado. Assim, a obediência não é mais um ato de fé, mas um reflexo do medo introjetado, sustentado pela distorção da espiritualidade como instrumento de controle psicológico.
Outro tema apresentado por Perissé é a vulnerabilidade de certos grupos dentro das comunidades religiosas, como indivíduos que atravessam crises existenciais ou enfrentam fragilidade emocional ou espiritual. Essas pessoas, frequentemente em busca de respostas para suas angústias, acabam se entregando, muitas vezes de forma inconsciente, à manipulação espiritual coercitiva.
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O abuso pode se manifestar de diversas formas, desde exigências excessivas de dízimos e ofertas até imposições rigorosas sobre comportamentos pessoais, como escolhas de vestuário, atitudes e valores morais, tanto no contexto coletivo quanto individual. Além disso, pode impor o controle das emoções e pensamentos dos fiéis, forçando o isolamento social daqueles que questionam a liderança ou que não seguem a doutrina de maneira rígida. Nesse cruel fenômeno de tortura, o pesquisador e autor do livro realiza uma análise histórica e sociológica da brutalidade do "abuso espiritual", investigando como a loucura se desenvolve dentro das estruturas religiosas e como fatores culturais e sociais podem contribuir para sua disseminação. Perissé observa que, em muitas situações, as comunidades religiosas tendem a proteger seus líderes cruéis e loucos,
Gabriel Perissé ▪ Div.
muitas vezes em detrimento do falso bem-estar de seus membros adoecidos em seus sentimentos de impotência ou de inferioridade ou de apequenamento. Ele também critica a ausência de um sistema externo de supervisão que poderia impedir que práticas abusivas se disfarçassem de espiritualidade.
Como resposta às estruturas de dominação e silenciamento, Gabriel Perissé propõe alternativas concretas para o enfrentamento do “abuso espiritual”. Entre elas, destaca-se a urgência de promover uma educação religiosa crítica, capaz de estimular o pensamento reflexivo, a autonomia da fé e o discernimento ético diante da autoridade. Tal abordagem não visa negar a religiosidade, mas libertá-la do obscurantismo e da manipulação. Além disso, o autor defende a criação de espaços seguros dentro das próprias comunidades religiosas, onde vítimas possam denunciar abusos sem medo de retaliações ou estigmas.
A proposta de Perissé, portanto, não é apenas uma crítica contundente às formas de dominação religiosa, mas um chamado à reconstrução ética do sagrado — na qual a espiritualidade seja instrumento de liberdade, cura e dignidade humana, jamais de controle, culpa ou anulação subjetiva.