Victor Hugo é um dos maiores escritores da humanidade. Além de romancista, poeta, dramaturgo, crítico, homem político – fazendo Política, com “P” maiúsculo – ele era um pensador, construindo, ao longo de sua obra, frases que são verdadeiras sentenças, incluídas, sem a menor hesitação, na categoria dos aforismos.
Ilustrações de Gustave Brion para o livro Os Miseráveis, de Victor Hugo ▪ editores: J. Hetzel et A. Lacroix (Paris), 1862 ▪ Fonte: Biblioteca Nacional da França
Para que se tenha uma ideia da força das máximas de Victor Hugo, a boutade de Millôr Fernandes, em relação ao investimento na Educação – “Se vocês estão achando caro o preço da Educação, esperem só para ver quanto custa a ignorância – é uma reverberação do discurso de Hugo, em novembro de 1848, na tribuna da Assembleia Nacional Constituinte, denunciando a redução no orçamento governamental, que ameaçava as letras, as artes e as ciências (Du péril de l’ignorance, Paris, Les Éditions du Sonneur, 2010, p. 22, tradução nossa):
Je viens de vous montrer à quel point l’économie serait petite; je vais vous montrer maintenant combien le ravage serait grand.
Eu acabo de vos mostrar a que ponto a economia seria pequena; eu vos mostrarei agora o quanto a ruína seria grande.
Falando em defesa da Educação, Victor Hugo vê o grande perigo que é a ignorância para a sociedade, por ser a engendradora da miséria. “Qual é o grande perigo da situação atual para a França?”,
Jean ValjeanB. Brion, 1862
Essa atitude de Hugo com relação à educação reverbera com muita força, na realidade e na ficção. Jean Valjean, depois de fazer fortuna, com o nome de Père Madeleine, e levar a cidade de Montreuil-sur-Mer a um progresso jamais visto, melhorando a vida de todos que estão a sua volta, sobretudo os operários de sua fábrica, reafirma com propriedade o que dissera Hugo, na tribuna, como deputado constituinte (Os Miseráveis, Primeira Parte, Fantine, Livro 5, A Descida, Capítulo II, “Madeleine”, p. 129, tradução nossa):
Les deux premiers fonctionnaires de l’état, c’est la nourrice et le maître d’école.
Os dois primeiros funcionários do estado são a ama-de-leite e o professor.
Essa compreensão de Hugo/Madeleine mostra a necessidade de as palavras acompanharem a ação. Não basta dizer que o cuidado com as crianças é importante, desde a fase de aleitamento até a escola. É preciso que isto se torne ação efetiva, pela importância que tem em si mesma,
Pére Madeleine (Jean Valjean) B. Brion, 1862
Passemos, pois, à frase abaixo, que se ajusta bem aos dias atuais, retirada da Primeira Parte, Fantine, Livro Primeiro, cujo título é Un Juste (Um Justo), Capítulo I, intitulado “M. Myriel” (“Senhor Myriel”, p. 5):
Vrai ou faux, ce qu’on dit des hommes tient souvent autant de place dans leur vie et surtout dans leur destinée que ce qu’ils font.
Verdadeiro ou falso, o que se diz dos homens tem frequentemente um lugar na vida deles e, sobretudo, no seu destino, tanto quanto o que eles fazem.)
A universalidade da frase Victor Hugo surge na medida em que o que se diz sobre as pessoas nunca é totalmente gratuito ou aleatório, mesmo quando se trata de um estereótipo, o chamado “modelo duro”,
FantineB. Brion, 1862
Essa frase sobre a importância do que se diz dos homens repercute no Capítulo IV desse Livro Primeiro, Fantine – “Les oeuvres semblables aux paroles” (“As obras semelhantes às palavras”, p. 12-17), importante para a definição do caráter do Monsenhor Myriel, o bispo de Digne, para quem a justiça, não a santidade, é o objetivo a ser alcançado pelos homens (Capítulo IV, p. 14):
“Être un saint, c’est l’exception; être un juste, c’est la règle. Errez, défaillez, péchez, mais soyez des justes.”
Ser um santo é a exceção; ser um justo é a regra. Errem, faltem-lhe as forças, pequem, mas sejam justos.
Como somos todos falíveis, errar, fraquejar, pecar são ações que praticamos diariamente, às vezes de modo voluntário, às vezes de modo involuntário. De qualquer sorte, se o erro, a fraqueza e o pecado nos levam a uma aprendizagem e à admissão
Monseigneur BienvenuB. Brion, 1862
A reflexão do Monseigneur Bienvenu tem exatamente a intenção de mostrar o que o ser humano pode fazer. É com as pequenas atitudes diuturnas que poderemos nos modificar e, talvez, influenciar a modificação de nosso entorno com o exemplo, que vem diretamente da responsabilidade de nossos atos, admitindo a nossa falibilidade, mas procurando o caminho da autocorreção.
Os aforismos hugoanos, portanto, ajudam a refletir e estabelecem uma delimitação – este é o sentido grego do termo aforismos (ἀφορισμός) –, que nos proporciona uma compreensão melhor do que somos e do que poderíamos ser.
Bom proveito a todos.