A hipertensão num dos seus picos, a dor de cabeça disso decorrente e, para completar a encrenca, uma chuva grossa afastaram-me de algo,...

Para ficar na história

A hipertensão num dos seus picos, a dor de cabeça disso decorrente e, para completar a encrenca, uma chuva grossa afastaram-me de algo, sem dúvida, momentoso: o acontecimento que reinscreveu a Academia Paraibana de Letras na agenda dos grandes eventos sociais e culturais da Paraíba.

Sede da Academia Paraibana de Letras, em João Pessoa. FotoAlice Franklin, via GMaps
É claro que passei a manhã da quarta-feira em busca de informações acerca daquilo que, dolorosamente, não pude presenciar. O poeta Sérgio de Castro Pinto, o primeiro a me atender, contou-me, com voz de sono (devo tê-lo tirado da cama com meu telefonema), que fez parte do trio formado para introduzir no recinto aquele em torno de quem um dos maiores públicos da história da APL então se reunia. Dera cumprimento à missão na companhia dos confrades Eitel Santiago e Neide Medeiros.

Geralmente econômica em suas exaltações, a professora Ângela Bezerra de Castro, com quem também falei, não deixou por menos:
Ângela Bezerra de Castro, professora e acadêmica. FotoOsmar Santos
“Não lembro de plateia tão numerosa para uma solenidade de posse na Academia”.

Foi ela que me deixou mais agoniado: “Você esteve entre os citados no discurso de posse do nosso amigo”. Por que Ângela tinha que me contar isso? Não tivéssemos uma amizade estreita de décadas e um carinho nutrido um pelo outro a ponto da extensão à mulher e aos filhos que tenho, eu diria que minha amiga debochou da minha aflição.

Deboche menor não me pareceu o repouso da calça nova, do paletó e da gravata ainda estendidos na cama do segundo cômodo ao amanhecer da quarta-feira, pois sem o devido uso na noite anterior por este que agora lamenta, mais do que nunca, os achaques e os impedimentos dos que batem na casa dos 80.

Eu me pergunto quantos admiradores de Francisco Gil Mesquita se acotovelariam na área externa da Academia Paraibana de Letras se o vento e a chuva não tramassem contra aquela festa, sua importância e seu significado.

Carimônia de posse de Francisco Gil Messias na Academia Paraibana de Letras. FotoAntônio David Diniz
O que eu perdi, sem assim desejar, foi mais do que a oportunidade de conhecê-lo de perto, de abraçá-lo e cumprimentá-lo por uma investidura que honraria qualquer instituição nacional, qualquer centro, qualquer ambiente onde ocorram os esforços para a proteção, a ampliação e a difusão de bens artísticos e culturais. Sim, este é o papel e é a missão das Academias de Letras. É preciso acentuar que, com o ingresso de Gil Messias, a da Paraíba vê-se, neste aspecto, muitíssimo bem servida.

Perdi, ainda, em razão da falência orgânica e do clima ingrato da terça-feira passada, o contato pessoal com um homem cujos valores transcendem os limites da bela produção literária (falo da sua prosa, da sua poesia e de seus ensaios)
Francisco Gil Messias, cronista e novo integrante da Academia Paraibana de Letras. FonteC. Viana
e alcançam sua invejável formação jurídica, sua decência, sua educação, sua civilidade.

Senão, como explicar a atração de plateia tão diversa e numerosa ao pátio chuvoso da APL? Quem ganha, desse modo, de chuvas e ventos carrega em si a admiração e o respeito em escala cósmica. Assim é Gil Messias.

Contaram-me que Hildeberto Barbosa Filho, responsável pela saudação da Casa, não economizou nos adjetivos nem na equivalência do recém-chegado às grandes expressões da literatura. Hildeberto costuma saber das coisas. Os dois se conhecem desde o Curso de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade Federal da Paraíba quando o tempo era intenso e sombrio, no dizer do orador. Não estava ele a falar, evidentemente, de ventos e chuvas fortes, mas do regime duro e discricionário que sufocava a Nação.

“Já leram Francisco Gil Messias?”, instigou o mesmo Hildeberto, em texto com data de janeiro de 2024, sobre aquele que há muito ocupava “espaço merecido na cena literária e intelectual da Paraíba”.

Chico e Denise Viana, Ana Beatriz, Luiz Augusto Paiva da Mata, Gil Messias e Milton Marques Júnior, na posse do novo membro da APL. ▪ FonteC. Viana
Disse, então, do amigo: “Gil não faz vida literária, não se deixa seduzir pelo barulho de grupos nem pelo aconchego, nem sempre confortável e pacífico de certas instituições, assim como se porta absolutamente avesso a proselitismos, autopromoção e merchandising artísticos, tão ao gosto de muitos escritores e pseudo-escritores da província”.

'Já leram Francisco Gil Messias?', instigou o mesmo Hildeberto, em texto com data de janeiro de 2024, sobre aquele que há muito ocupava 'espaço merecido na cena literária e intelectual da Paraíba'.
E prosseguiu: “Seu compromisso parece ser o cultivo da palavra. Quer seja a palavra sensível, tocada pela memória e pela fantasia peculiares aos diâmetros do poema, quer seja a palavra intelectiva, voltada para a investigação das propriedades dos objetos e dos fenômenos, em sua incontida ressonância pelo movimento da vida. Lá, o poeta de lirismo meditativo, atento aos detalhes de temas e de situações da esfera subjetiva, no tantâmen, recorrente, de revelar e compreender os enigmas da criatura humana; aqui, o ensaísta de pensamento livre, voltado para o fato singular, captado, não obstante, em sua irradiação particular e universal”.

Não sei quanto do ensaio de 2024 Hildeberto reafirmou na saudação da APL, porque, infelizmente, lá não estive. Mas estou certo de que ninguém falaria tão bem quanto ele do autor de “Olhares: poemas bissextos”, “A medida do possível e outros poemas da aldeia”, “Um dedo de prosa” e “O redator de obituários”. Como já dito, ambos se conhecem e se admiram.

Sou dado ao resgate de perdas e, além do mais, desejo a companhia desses dois. Acho que vou convidá-los a um passeio pelo Baixo Vale do Paraíba. Poderemos começar pelas capelas coloniais de Cruz do Espírito Santo e terminar sob o teto onde o menino Zé Lins viveu a primeira fase da sua infância. A Casa Grande do Engenho Corredor está perfeitamente restaurada. Está sob os cuidados primorosos de Alba, ainda ressentida do passamento do seu Joaquim, mas por ela aberta à visitação pública, mediante agendamento. Nós nos juntaríamos, assim, “em uma área de profunda evocação lírica e histórica”, como a percebia o saudoso Odilon Ribeiro Coutinho. Que tal?

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  1. Ângela Bezerra de Castro5/9/25 00:31

    Frutuoso é um jornalista e cronista admirável. Quanta competência na produção de um texto. Não precisa de tempo. Basta a emoção e as palavras se organizam, transformando o papel num céu estrelado que nos encanta com a beleza de um brilho sem comparação.

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    1. Anônimo5/9/25 06:13

      Gratíssimo, Ângela. - Frutuoso.

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  2. Anônimo5/9/25 08:06

    Meu caro Frutuoso, que palavras posso invocar para expressar minha emoção com este texto seu, tão além dos meus parcos merecimentos? Você escreveu mais com o coração generoso que com a razão. Sua ausência, é claro, foi muito sentida, mas plenamente compreendida, fique tranquilo. Em meu modesto discurso, que você receberá devidamente impresso, citei você e Léo Barbosa, como exemplo do que a nossa crônica paraibana atual tem de melhor; no seu caso, um talento já consagrado; no do jovem Léo, uma promessa que se confirma dia a dia. Não tenho dúvida de que para o meu sentir o seu texto vale mais que a medalha acadêmica que recebi. Merece uma moldura dourada e os meus mais sinceros agradecimentos. Saúde, alegrias e vida longa para você, amigo, a quem um dia terei a honra de ser pessoalmente apresentado. Francisco Gil Messias.

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  3. Anônimo5/9/25 08:20

    Em tempo, Frutuoso: quanto ao convite para a peregrinação lítero-histórica, aceito com muita honra. Forte abraço. Gil.

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  4. Anônimo5/9/25 08:39

    Excelente texto, Frutuoso. Quem lá não foi (não foi meu caso, pois tive a honra de presenciar) sentiu-se contemplado com esta excelente cobertura. Parabéns a você, Frutuoso, e ao amigo Gil Messias.
    Fátima Farias.

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  5. Anônimo5/9/25 10:13

    A APL está de parabéns com a admissão de Francisco Gil Messias, além de mestre na prosa ensaista, uma das vozes de referência da Paraiba, um gentleman que distinguirá com brilho a Academia.

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  6. Anônimo5/9/25 10:34

    Ser foco do conteúdo de texto desta qualidade - verdadeira ode ao mérito - ainda que a modéstia lhe seja prática corrente, não há como não ser tomado por justa alegria interior.
    Parabéns Frutuoso! Parabéns Gil!

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