A hipertensão num dos seus picos, a dor de cabeça disso decorrente e, para completar a encrenca, uma chuva grossa afastaram-me de algo, sem dúvida, momentoso: o acontecimento que reinscreveu a Academia Paraibana de Letras na agenda dos grandes eventos sociais e culturais da Paraíba.
Sede da Academia Paraibana de Letras, em João Pessoa. FotoAlice Franklin, via GMaps
Geralmente econômica em suas exaltações, a professora Ângela Bezerra de Castro, com quem também falei, não deixou por menos:
Ângela Bezerra de Castro, professora e acadêmica. FotoOsmar Santos
Foi ela que me deixou mais agoniado: “Você esteve entre os citados no discurso de posse do nosso amigo”. Por que Ângela tinha que me contar isso? Não tivéssemos uma amizade estreita de décadas e um carinho nutrido um pelo outro a ponto da extensão à mulher e aos filhos que tenho, eu diria que minha amiga debochou da minha aflição.
Deboche menor não me pareceu o repouso da calça nova, do paletó e da gravata ainda estendidos na cama do segundo cômodo ao amanhecer da quarta-feira, pois sem o devido uso na noite anterior por este que agora lamenta, mais do que nunca, os achaques e os impedimentos dos que batem na casa dos 80.
Eu me pergunto quantos admiradores de Francisco Gil Mesquita se acotovelariam na área externa da Academia Paraibana de Letras se o vento e a chuva não tramassem contra aquela festa, sua importância e seu significado.
Carimônia de posse de Francisco Gil Messias na Academia Paraibana de Letras. FotoAntônio David Diniz
O que eu perdi, sem assim desejar, foi mais do que a oportunidade de conhecê-lo de perto, de abraçá-lo e cumprimentá-lo por uma investidura que honraria qualquer instituição nacional, qualquer centro, qualquer ambiente onde ocorram os esforços para a proteção, a ampliação e a difusão de bens artísticos e culturais. Sim, este é o papel e é a missão das Academias de Letras. É preciso acentuar que, com o ingresso de Gil Messias, a da Paraíba vê-se, neste aspecto, muitíssimo bem servida.Perdi, ainda, em razão da falência orgânica e do clima ingrato da terça-feira passada, o contato pessoal com um homem cujos valores transcendem os limites da bela produção literária (falo da sua prosa, da sua poesia e de seus ensaios)
Francisco Gil Messias, cronista e novo integrante da Academia Paraibana de Letras. FonteC. Viana
Senão, como explicar a atração de plateia tão diversa e numerosa ao pátio chuvoso da APL? Quem ganha, desse modo, de chuvas e ventos carrega em si a admiração e o respeito em escala cósmica. Assim é Gil Messias.
Contaram-me que Hildeberto Barbosa Filho, responsável pela saudação da Casa, não economizou nos adjetivos nem na equivalência do recém-chegado às grandes expressões da literatura. Hildeberto costuma saber das coisas. Os dois se conhecem desde o Curso de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade Federal da Paraíba quando o tempo era intenso e sombrio, no dizer do orador. Não estava ele a falar, evidentemente, de ventos e chuvas fortes, mas do regime duro e discricionário que sufocava a Nação.
“Já leram Francisco Gil Messias?”, instigou o mesmo Hildeberto, em texto com data de janeiro de 2024, sobre aquele que há muito ocupava “espaço merecido na cena literária e intelectual da Paraíba”.
Chico e Denise Viana, Ana Beatriz, Luiz Augusto Paiva da Mata, Gil Messias e Milton Marques Júnior, na posse do novo membro da APL. ▪ FonteC. Viana
'Já leram Francisco Gil Messias?', instigou o mesmo Hildeberto, em texto com data de janeiro de 2024, sobre aquele que há muito ocupava 'espaço merecido na cena literária e intelectual da Paraíba'.E prosseguiu: “Seu compromisso parece ser o cultivo da palavra. Quer seja a palavra sensível, tocada pela memória e pela fantasia peculiares aos diâmetros do poema, quer seja a palavra intelectiva, voltada para a investigação das propriedades dos objetos e dos fenômenos, em sua incontida ressonância pelo movimento da vida. Lá, o poeta de lirismo meditativo, atento aos detalhes de temas e de situações da esfera subjetiva, no tantâmen, recorrente, de revelar e compreender os enigmas da criatura humana; aqui, o ensaísta de pensamento livre, voltado para o fato singular, captado, não obstante, em sua irradiação particular e universal”.
Sou dado ao resgate de perdas e, além do mais, desejo a companhia desses dois. Acho que vou convidá-los a um passeio pelo Baixo Vale do Paraíba. Poderemos começar pelas capelas coloniais de Cruz do Espírito Santo e terminar sob o teto onde o menino Zé Lins viveu a primeira fase da sua infância. A Casa Grande do Engenho Corredor está perfeitamente restaurada. Está sob os cuidados primorosos de Alba, ainda ressentida do passamento do seu Joaquim, mas por ela aberta à visitação pública, mediante agendamento. Nós nos juntaríamos, assim, “em uma área de profunda evocação lírica e histórica”, como a percebia o saudoso Odilon Ribeiro Coutinho. Que tal?