Tudo nele era urgência. Pensava rápido, falava rápido, comia rápido e claro, andava muito rápido.
Tinha um ritual eficaz e totalmente cronometrado para acordar, tomar banho, se vestir, engolir o café com algum pão requentado como quem engole uma obrigação e sair apressado para o trabalho.
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Até que um incômodo apareceu no estômago e ele tentou se automedicar, mas a dor só piorava. Teve que ir ao médico. Quando relatou sua rotina, o diagnóstico foi fácil. A ansiedade era a causa de tudo.
Foi encaminhado a um psiquiatra que, após ouvi-lo despejar sua rotina frenética, o olhou quase com bondade. Ao invés de uma receita, deu-lhe uma frase estranha. Para melhorar sua dor, deixe o carro na garagem e ande com passos de bebê.
Claro que a reação foi imediata e o homem riu debochado. Doutor, tenho quarenta e nove anos, administro uma empresa, tenho pessoas que dependem de mim. E o senhor me orienta simplesmente a caminhar como um bebê?
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Na manhã seguinte, quando chegava na garagem do prédio, a dor voltou e ele xingou baixinho os dois médicos, já imaginando procurar outro. Mas algo sinalizou para arriscar-se a dar os tais passos de bebê. Começou com cautela, olhava os pés alternando um, depois o outro e sentiu-se muito, mas muito ridículo.
Os carros buzinavam, as pessoas esbarravam nele, vendedores com carrinhos de mão o empurravam para o lado. No entanto, ele continuava arrastando-se devagar como se aprendesse de novo a coordenar pés e chão.
O percurso até o trabalho demoraria uma eternidade. Então, algo sutil começou a acontecer. A dor foi parando. Aquilo só podia ser coincidência. Passo a passo, a respiração se ajustava ao ritmo. O coração, antes acelerado, lembrou-se de que sabia bater devagar.
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Resumiu aquele trecho caminhado com uma explicação para si.
Hoje andei devagar, ouvi o canto do sabiá num fio, senti o cheiro de pão quente na esquina, vi um gato dormindo no muro e meu coração aprendeu a bater em outro ritmo. Lentamente, a ansiedade foi cedendo espaço para o espanto, como se ao aprender a andar como um bebê, também estivesse sendo educado novamente a viver.
Entendeu que andar devagar não era um exercício físico, era um convite para se reconectar com a vida, para se lembrar que nem tudo precisava ser corrido, que a existência também pedia pausas, silêncios e pequenas alegrias.
GD'Art
Os dias seguintes foram ficando diferentes. No trabalho, não alterou a urgência de entregar relatórios, mas mudou o jeito como os encarava. Percebeu que ao assinar um documento, havia um humano analisando o que estava escrito, não somente alguém exercendo uma função.
Entendeu que andar devagar era como se dar um abraço silencioso.
Cada passo leve, cada respirada, era um gesto de cuidado consigo. Estava enfim aprendendo a viver, com passos pequenos, mas com uma felicidade imensa.
A dor física acabou e descobriu na simplicidade de desacelerar o passo, que estava cabendo novamente no mundo, que estava exatamente onde deveria estar.