Há um silêncio peculiar que habita os espaços entre nossos pensamentos. Não é o silêncio vazio da distração, mas um silêncio carregado, denso, que surge justamente quando a mente trabalha a todo vapor. É o silêncio da aporia. É aquele momento em que a estrada da lógica simplesmente acaba. E você fica ali,
na beira do abismo, olhando para o vazio que a sua própria razão cavou.
Acontece nos grandes dramas existenciais, onde nos questionamos “Por que estamos aqui?” E partimos em uma jornada mental magnífica, construindo teorias com os tijolos da ciência e a argamassa da fé. Chegamos ao fim de uma linha de pensamento e, por um instante, há uma sensação de clareza. Mas então, uma sombra se move. Uma pergunta nasce da resposta. “Sim, mas e antes disso?” E a estrada se desfaz, o mapa mental se rasga, e ficamos de volta ao ponto zero, apenas mais cansados. A aporia é o beco sem saída da metafísica.
Mas ela é mais doméstica do que imaginamos. Já esteve diante do freezer aberto, a luz branca iluminando seu rosto perplexo, sem conseguir decidir entre o sorvete de chocolate ou o de creme. Parece trivial, mas ali, naqueles dez segundos de paralisia, habita uma pequena aporia. Dois desejos de igual intensidade, duas linhas de raciocínio (“o chocolate é mais reconfortante” / “o creme é mais refrescante”) que se anulam mutuamente. A vontade é nocauteada pela razão.
É aporia, também, a sensação depois de uma discussão acalorada, quando a poeira baixa e você, no chuveiro, monta o argumento perfeito, irrefutável. Só para, cinco minutos depois, enxergar o contra-argumento igualmente perfeito do outro lado. A verdade, que parecia uma rocha, revela-se um caleidoscópio. Gira um grau e o desenho muda completamente. Ficamos com duas verdades opostas e válidas, paralisados no campo de batalha da nossa própria mente.
A sabedoria popular, sem nunca ter ouvido falar do termo grego, já diagnosticou o mal. “Ficar em cima do muro” é a expressão prática da aporia. É a incapacidade de saltar para um lado porque
o outro também faz sentido. É o suplício de ver com clareza demais todos os lados de uma questão.
Talvez a aporia não seja uma derrota, mas um repouso. Um aviso da razão de que alguns territórios são grandes demais para serem mapeados apenas com a bússola da lógica. Ela nos força a uma pausa humilde. Depois de esgotar todos os “porquês” e “comos”, depois de a mente dar voltas e voltas até ficar tonta, sobra apenas o silêncio. E é nesse silêncio que, às vezes, uma nova forma de entendimento pode brotar, não racional, mas intuitiva; não uma resposta, mas uma aceitação.
A próxima vez que você se encontrar paralisado, olhando para o vazio entre duas certezas igualmente convincentes, não se desespere. Respire fundo. Você não está sendo burro ou indeciso. Você está, provavelmente, no limiar de uma grande questão, experienciando a mais humana e filosófica das paradas: o impasse sublime da aporia. O beco sem saída onde, paradoxalmente, o pensamento começa a ser realmente livre.