Quem dera um Jesus
Sem cruz
E mais importante
Que ela
Quem dera o fim
Dos mártires,
Dos excluídos,
Dos sofrimentos “necessários”
Quem dera homens
Com coragem para
Pagarem seus próprios
Pecados
Quem dera
A liberdade
Dos cordeiros...
Quem dera seres humanos
Conscientes de suas realidades
E que não matassem
Ou deixassem morrer outros
Em seus lugares
Seres humanos
Que não ousassem
A covardia
Jesus na cruz não é
Redenção de nenhum pecado;
É o próprio pecado humano,
Que só o pecador pode e deve pagar
Jesus foi assassinado
Por homens
Que depois o tornaram mártir
Para aliviar a própria culpa
O universo tem sua lei e justiça,
Que se chama retorno
Jesus foi vítima, e o algoz
O elegeu salvador de si mesmo
Não é vingança,
É justiça
Quem repartiu o pão,
Curou,
Ressuscitou,
Domina a justiça
Erguem estátuas
E monumentos,
Mas na dor e na morte
Não há clemência:
É só circunstância
O teatro da fé se esvai
No ato último,
Como foram tantos
Em brasa nas fogueiras
Da Inquisição
Nenhum ser vivo escapa
Da dor do corpo
Nem da alma, e não é por causa
Da crucificação de Jesus
São as crucificações
Cotidianas,
Inclusive as milhares feitas
Em nome dele
Falo tudo isso
Porque, desde que o conheço,
Ele mora aqui em casa
E me contou cada detalhe...
E eu acredito
Jesus e a cruz:
A incongruência
De pai que mata o filho
Nenhum Deus
Conceberia,
Mas só a mente humana não só é capaz,
Como faz!
Ergo-me
Além de mim
Para ver a manhã
Sei que,
Um dia,
Ela haverá de me faltar
Ergo-me ainda
Mais além de mim,
Porque manhãs não
Faltarão
Menos a mim,
Que sei,
Sim
É justo de mim,
Tão transitório,
Tão desejoso de um sol
Nascendo,
Como sei ser
Um dia
Não será mais
Dia nem noite,
Nem manhã
Ergo-me
Para o sol,
A cada dia
Como a folha
Que busca a luz
Para traduzir a seiva
Busco o sol
Que não haverá de alumiar
O ocaso do meu corpo sob a terra
O sol,
A fornalha que também
Haverá de consumir a si
(Get rid itself, feito uma vela)
Para clarear nosso mundo
Esse átomo insano,
O sol,
Que não sabe o que alimenta:
Pira,
Luz,
Reluzente ouro
De vida e morte
Velas
Só se acendem
À noite e na morte


















