Eu evito ruas desertas/ Evito vielas/ Escadarias de bairro/ Mesmo cantos internos de calçada.// Eu evito praias desertas/ Caminhos soli...

Queremos as mulheres Vivas!

violencia mulher feminicidio
Eu evito ruas desertas/ Evito vielas/ Escadarias de bairro/ Mesmo cantos internos de calçada.// Eu evito praias desertas/ Caminhos solitários na madrugada./ Evito a sombra das árvores/ Eu evito a própria noite/ Que é metade de um dia/ Que é metade da vida./ Mesmo quando acompanhada/ De outra mulher.// Mudo o caminho/ Dou a volta/ Meia volta/ Espero/ Mudo de calçada./Observo. (Veronica Ferriani)

Nasci numa casa feminina. Somos quatro irmãs e uma mãe. Vivemos todos os medos e avisos dessa citação acima. Sabemos bem do que se trata o espiar à nossa volta e fazer as devidas equações de proteção, da mais tenra infância à velhice.

Domingo, 7 de dezembro, tivemos uma marcha pela vida das mulheres. Vivemos a todo instante organizando movimentos, falas, marchas, filmes, livros, palestras sobre o feminicídio (termo criado em 2015 para designar homicídio contra as mulheres, pelo simples fato de serem mulheres). E, mesmo assim, a escalada da violência contra as mulheres só aumenta. Das estatísticas já nem falo mais. A cada 30 segundos, uma mulher é agredida no Brasil. Em 24 horas, são 2.880. Agredidas por homens. A violência é masculina! Mulheres sendo mortas aos montes, em todos os cantos, em todas as classes sociais.

violencia mulher feminicidio
14° Marcha das Mulheres pela Agroecologia organiza luta das mulheres pela permanência e defesa de seus territórios.@averdade.org.br
Copio de Débora Diniz no Instagram:

“Estranhe que ainda precisemos ir às ruas para seguir vivas. O paradoxo do nosso tempo bruto contra as mulheres: marchar para garantir o direito à vida. Caminhar para interromper a naturalização do feminicídio. Ocupamos a cidade para lembrar o óbvio: não deveria ser necessário pedir para não morrer. Marche. E fale desse paradoxo. Estranhe que a sobrevivência precise de coro, de cartaz, de grito na garganta… Porque cada passo junto desmente o silêncio que tentaram nos impor.”

violencia mulher feminicidio
Assistindo a Ângela Diniz: Assassinada e Condenada (HBOMAX, 2025), como lembro desse caso: “Quem ama não mata”! A Praia dos Ossos. E Doca Street escreveu seu nome na história como o defensor da honra masculina. Ângela, vivida por Marjorie Estiano, me lembrou muitas de nós nos anos 70/80: vestidos costa nua, drinks, festas, erotismo no ar, relacionamentos tóxicos, bebidas e alguns homens ensimesmados, querendo domar “as feras”.

Também assisti ao filme Fora de Controle, do Festival de Cinema Francês, sobre casos de assédio no trabalho, em casa, na esquina e em todos os lugares. Leio que o lugar mais perigoso para uma menina/mulher é a sua própria casa. E que nós, mulheres, temos um medo atávico que homem nenhum pode imaginar: medo de ser seguida, apalpada, menosprezada, humilhada, violentada, estuprada e de todo e qualquer outro tipo de violência. A morte!

E o meu estômago já estava dando voltas quando veio o caso de Tainara Sousa Santos, 31 anos, atropelada, arrastada e com as pernas amputadas. Mãe de família, e sua mãe devastada no Fantástico / TV Globo, a dizer que agora: “ela será as pernas da filha”.


Aí vem a entrevista do filósofo Chico Bosco, intelectual e do programa GNT Papo de Segunda, às páginas amarelas da Veja, e disse que:

“Há uma confusão entre a crítica ao machismo e a crítica aos homens. Deveria haver um ajuste no discurso feminista, que deveria enfatizar uma agenda positiva para os homens, em vez de ficar insistindo em uma estigmatização, uma criminalização e um rebaixamento sistemático dos homens. Há uma confusão entre a crítica ao machismo, que é pertinente e necessária, e a crítica ontológica aos homens.”
violencia mulher feminicidio
Francisco Bosco, doutor em Teoria Literária (UFRJ) ensaísta, letrista, compositor, conhecido como filósofo no cenário público Bárbara Lopes
Suas palavras caíram como uma bomba numa semana como essa. Pois, como tão bem discutiram Milly Lacombe, Tati Bernardi, Manuela Cantuária e Alexandre Coimbra no podcast Reparação Histérica da semana — que discute violência contra mulheres, feminicídio e masculinidade —, temos mulheres sendo mortas por um sistema patriarcal milenar, e todo um sistema da sociedade é responsável. E os homens, sim! Mesmo havendo aquela minoria — da qual Chico Bosco possivelmente exige para si um lugar — de homens que tentam se desconstruir a todo tempo. Mas pedem para termos calma e falarmos baixo. Como? Não tem ajuste! Não tem como ter calma.

violencia mulher feminicidio
Joe Gardner
O podcast discutiu a raiva feminina, os corpos dóceis (Pierre Bourdieu e Foucault), o “nem todo homem”, o machismo estrutural, homens que matam e a diferença entre culpa individual e responsabilidade política, a dificuldade masculina de escutar a raiva das mulheres e o trabalho diário de desmontar a masculinidade violenta dentro de si.

Por aqui, ao meu redor e no meu infinito particular, sou afrontada cotidianamente pelas notícias locais de violência contra a mulher e pelos comentários e vivências das próprias mulheres, pelos textos preconceituosos e igualmente violentos que leio nos blogs, ou pelos comentários de violência simbólica que cotidianamente me agridem e me dilaceram.

Amanheço com um gosto amargo na boca. Ângela Diniz, Tainara, Chico Bosco e tantas, tantas histórias, de maiores ou menores abrangências, mas que nos tocam a todas. O nosso corpo físico e simbólico andando devastado.

COMENTE, VIA FACEBOOK
COMENTE, VIA GOOGLE

leia também