Há mendigos que não estendem a mão nas esquinas, nem carregam embrulhos de roupas sujas. Sua fome não é de pão, mas de palavras; sua se...

Lugar interno

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Há mendigos que não estendem a mão nas esquinas, nem carregam embrulhos de roupas sujas. Sua fome não é de pão, mas de palavras; sua sede, de olhares que os reconheçam. São os mendigos emocionais, aqueles que vagueiam pelos corredores das relações com uma tigela invisível, pedindo migalhas de afeto.

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Você os encontra em todos os lugares. No colega de trabalho que, após cada tarefa, busca um “muito bem!” como se fosse um prêmio vital. No amigo que conta histórias de sofrimento repetidamente, não para aliviar a dor, mas para colecionar consolos. Nos corredores das festas, onde alguém ri alto demais para preencher o silêncio ao redor, ou fica grudado a outro como uma âncora em mar revolto.

Eles não carregam cartazes, mas seus sinais são claros: a conversa que sempre retorna ao próprio umbigo, o ciúme disfarçado de cuidado, a necessidade de ocupar todos os espaços vazios com barulho ou presença. Sua tigela tem um fundo falso por mais que você deposite atenção, ela esvazia-se em minutos, exigindo mais.

Muitos de nós, em algum momento, fizemos fila com essa tigela. Às vezes, a solidão bate à porta, e saímos em busca de um pouco de calor humano. A diferença está no permanente, no ofício de mendicância afetiva transformado em identidade. O mendigo emocional profissionaliza a carência. Ele não compartilha; extrai. Não conversa; drena.

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O paradoxo é que, quanto mais mendigam, mais espantam os doadores. O olhar faminto assusta. As pessoas intuem quando estão sendo usadas como tapa-buracos, e recuam. E o mendigo, então, vaga mais, faminto, convencido de que o mundo é mesquinho.

Talvez a verdadeira esmola que precisamos aprender a dar, e a receber, não seja a migalha de atenção momentânea, mas a oferta de ferramentas para pescar. Um “como você está?” genuíno, que escute a resposta. Um silêncio que acolhe, não que foge. Um convite para que o outro se enxergue inteiro, e não apenas carente. Pois eventualmente somos autênticos quando corremos risco de vida, quando a morte espreita na porta a fitar nossos movimentos.

Afinal, todos temos fomes. A questão é: passamos a vida estendendo a tigela, ou aprendemos, aos poucos, a cozinhar nosso próprio banquete?

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Os mendigos emocionais nos lembram, no fundo, de um medo comum: o de que nosso afeto não tenha valor se não for validado por outro. E nos ensinam, à força de exemplos tristes, que a única moeda afetiva que realmente sustenta é aquela que conseguimos cunhar dentro de nós e trocar, não pedir.

A verdadeira abundância emocional começa quando paramos de estender a mão para o mundo em sinal de súplica e passamos a usá-la para construir, dentro de nós, um lar acolhedor. Só a partir desse lugar interno de segurança onde podemos nos relacionar de verdade, não para preencher um vazio, mas para compartilhar a nossa plenitude. Todos carregamos feridas, porém, em momentos de fragilidade, podemos agir a partir da carência. A diferença está em reconhecer esse estado e buscar a cura, em vez de perpetuá-lo. "Não queira o que a cabeça pensa, queira o que a alma deseja" (Belchior).

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