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Há um ano que estou em nova morada. Mais perto do mar. Mais perto do parque. Mais perto. E mais longe também. Mais longe dos meus 35 anos na...


Há um ano que estou em nova morada. Mais perto do mar. Mais perto do parque. Mais perto. E mais longe também. Mais longe dos meus 35 anos na rua dos oceanos. Dos nascimentos e das mortes. Do fechamento de um ciclo. E aqui, da abertura de outros. E com as paredes em branco. E isso é bom. E difícil também. Mas, mais bom!

E me perguntam - “E aí Ana , já adaptada? Saudades da casa?” E para meu espanto , eu me adaptei na hora que vim com o caminhão de mudança. E na primeira noite. Aquele quarto parecia of my own há tempos. Claro que não achava nada, mas subjetivamente falando, aquele espaço, já era meu. Sou um animal que me aquieto logo.

E já nos primeiros dias, ouvi o som de uma flauta a tocar. Notei que alguém ensaiava o instrumento: dó ré mi fá sol....acordes repetitivos. E muitas horas do dia. Pensei , ah! Se fosse Vítor Diniz, o filho de Dodora, minha amiga, e que é flautista. Mas esse, mora alhures. O daqui é um desconhecido , o que torna tudo ainda mais intrigante. E o melhor lugar para esse deleite? o meu banheiro. Melhor acústica, proximidade com o vizinho de rua, e pronto. Estava feito a minha trilha sonora dos banhos e conversas no espelho. E o som da flauta, assim como o do violino, me remetem aos filmes – O Violinista no Telhado; O Violinista Que Veio de Longe (exibido recentemente na Fundação Casa José Américo); A Flauta Mágica...

Passei a observar os sons do novo endereço. A algazarra das crianças de férias que brincam na piscina do prédio ao lado; o silêncio de um gato, que fica estático na janela em frente ao meu quarto desnudo, tenho até a impressão de que me observa quando abro a janela; o baticum do apartamento de cima, que está se preparando para novo inquilino; meu despertador que insiste em me acordar na hora, mal sabe ele que ando com o sono diminuído e desperto antes; um cachorro que late, mas nem de longe parecido com aquele de O som ao Redor; o alarme da porta, agora com tudo sem chave e novas tecnologias, tem aquela musiquinha avisando que meu filho chegou . Ou saiu. Mas é o som da flauta que me eleva o espírito, me trás paz, e beleza no dia a dia.

E o ano começou com apreensões, perdas, novos desafios, e para mim em especial, com o ninho literalmente a ficar vazio. Sempre quis os filhos longe, para o mundo, “...mas o que importa o cérebro comparado com o coração?” Mrs Dalloway ouviu de Sally! Logo eu que prezo tanto a solidão e sou tão independente. Mas logo logo, quando chegar em casa, só terei o som da minha flauta mágica. Aquela que povoa os meus dias, e que me encanta dizendo: vai dar tudo certo! Acredite! E agradeço de ter esse som, doce e suave, a me embalar o tempo.

E o som da flauta me inspirou a escrever, a primeira crônica do ano.

Que venha janeiro! Estou (quase) pronta!

E assim se passaram 50 anos! O quê? Nunca imaginei comemorar 50 anos de algo que fosse. Esta semana, nós , turma da Quarta Série A das Lou...



E assim se passaram 50 anos! O quê? Nunca imaginei comemorar 50 anos de algo que fosse. Esta semana, nós , turma da Quarta Série A das Lourdinas, celebramos meio século de ginásio. Com pompa e circunstância. Festa sagrada e profana. O tempo passou, mas quando nos encontramos, é a mesma meninice: refrãos, sacanagens, e pilhérias. Tudo isso tomando Grapette! Repete! E rezando uma Ave Maria nos intervalos.

Fico sempre a lembrar de filmes como Shirley Valentine, e de Educating Rita. Porque? Pela Grécia, digo Lagoa; pela periferia londrina, digo Festa das Neves; e pela nossa turma da quarta A ginasial.

E diante dos nossos dias no colégio, por entre as freiras, os pátios, o pavilhão, a capela, os corredores, e a saída do colégio – a melhor parte.....A vida correu. E todas nos tornamos profissionais das mais diversas áreas: médicas, cirurgiãs, advogadas, defensoras públicas, engenheiras, químicas, arquitetas, professoras, escritoras, umas fadas das flores, outras do francês, do inglês, e até mesmo do além mar – do português.

A Internet nos aproximou num grupo de whatsapp e a partir daí fomos checando as informações da vida de cada uma. Por capítulos. E uma felicidade de constatar que estamos vivas (com exceção da querida Rosana Maciel); todas com saúde; algumas casadas, outras não; mães de família ou sozinhas; e com alegria de viver, apesar das vicissitudes do caminho. Não é pouco!

E esse colégio foi referência nas nossas vidas. Dizem algumas que, a melhor parte. Meninas, sonhadoras, em formação, em estado de curiosidade, de perspectiva ao futuro. O futuro chegou. E já faz tempo. E nesse espaço/tempo, experiências que marcaram as nossas trajetórias. Lembranças das risadas, da broncas, das alegrias, das delicadezas, mas também da severidade, e das opressões tantas; opressões essas que criticávamos e que hoje sabemos bem dos nós que alinhavavam o nosso desenvolvimento na perspectiva de uma vida de menina/mulher. A nossa música? Andança, (Paulinho Tapajós), cantávamos pra afirmar cotidianamente a nossa amizade.

Claro que estudar em colégio de freira gerava também algum descontentamento em algumas. Em mim particularmente, questionava a rigidez, a disciplina, e por vezes os preceitos religiosos, que eu ainda não entendia. Mas menina ainda, me emocionava com o cantar dos hinos no mês de maio; também indagava sobre os pecados, ou fragilidades da natureza humana, mais ainda das limitações de liberdade nas vidas das meninas.

Mas não só de estudo se vive! Tinha o Crush com pastel oco no recreio; as confissões e Orai pro Nobbis no mês de maio; as festas no auditório e nós dançando Metais em Brasa; o Coral para as afinadas; nossas peraltices do fazer escondido; as árvores do pátio; os segredos inconfessáveis das descobertas/vivências sexuais; as carteiras enceradas; os uniformes com o cós dobrado para virar mini saia; os bastidores da aula de bordado, e os alvoroços da saída, ficaram sim, nos nossos corações para sempre!

Um brinde à felicidade que um dia tivemos por entre portões, salas de aula, notas boas e/ou nem tanto; aprendizados; e o carinho que perdura até hoje. Resumindo , e também pensando nos filmes, acho que estamos a cumprir bem os nossos destinos a celebrarmos aquela turma que, um dia foi toda nossa e ainda é – A Quarta A.

Ah! O tempo! Esse senhor tão bonito!


Há algo de ausente que me atormenta (Camille Claudel) Esse é o título do livro de Andrew Solomon sobre Depressão. É um livro referência ...



Há algo de ausente que me atormenta (Camille Claudel)

Esse é o título do livro de Andrew Solomon sobre Depressão. É um livro referência para esse estado d´alma que se tornou a epidemia do século XXI. Mas não só.

Um tema tabu e que viveu às escondidas, hoje se abrem os véus sobre a do-ença. Perde-se o medo e o pudor de se falar sobre os transtornos de ansiedade e outros picos esquisitos do ser humano. Vi um domingo desses o Dr. Dráuzio Varela em um quadro do Fantástico – Não tá tudo bem, mas vai ficar. Entrevistando famosos e anônimos, que falavam das suas experiências na outra margem do rio. Uma tentativa de mostrar que esses transtornos acometem a todos. Falar é preciso!

A reflexão sobre a melancolia remonta à antiguidade. A palavra vem do grego melankholia e significa bílis negra literalmente. Uma substância do corpo e que em excesso, provocaria uma desordem nos pensamentos. A questão da bílis negra, dos humores e dos seus componentes (sangue, bílis amarela e a pituíta), fazia da melancolia, antes de tudo uma questão biológica. Somente na era moderna, ela vai ser compreendida como uma doença da alma.

Muitos filósofos escreveram obras sobre a depressão. Freud, Luto e Melancolia, para falar do estado melancólico como estado doloroso, de suspensão de interesse pelo mundo externo e depreciação do sentimento de si. Também O mal-estar da Civilização, sobre a dificuldade do homem para ser feliz. A escritora búlgara/francesa Julia Kristeva, Sol Negro – Depressão e Melancolia, argumenta sobre o desamparo. O filósofo, Schopenhauer, Dores do mundo: “a vida é uma guerra sem tréguas, e morre-se com as armas na mão”. E Soren Kierkegaard, O conceito de Angústia – fala do “nada” que nos atormenta. E a nossa Adriana Falcão define melancolia como “uma valsa triste que toca dentro da gente de repente”.

Eu Já tive Depressão! Sei que ela não tem cura, mas a minha experiência, embora extremada, foi pontual. Em ocasiões limites abissais da vida, e por isso, falo no passado. Mas é preciso estar atento e forte! E tomar as nossas precauções.

Primeiro, tive síndrome do pânico. Ainda não conhecia o nome, nem a síndrome. Foi certeira. Muito jovem enfrentava as primeiras perdas do amor e da vida. E o mundo ruía aos meus pés. Sentia-me pequena, frágil e envergonhada. Com uma sensação infinita de fracasso.

Depois tive tudo elevado aos cubos quando viajei para estudar/morar na Inglaterra por quase um ano. Deixara um filho pequeno com menos de três anos, e, sentia-me outsider, diferente, melancólica e triste. Procurei ajuda médica e enfrentei a escuridão. Difícil? Inimaginável.

O pânico teve o seu auge com a doença e morte do meu pai. E aí veio depressão mais profunda. O acordar era sem perdão. Um dia todo pela frente! E entrei no pavor. Fui ler sobre o assunto (Perto das Trevas de William Styron) e procurar ajuda profissional que tenho até hoje. O tempo? Uma abstração em momentos extremados de dor e sofrimento.

Aprendi a me observar, respeitar meus gatilhos, contemplar, perambular, criar tempo para mim, me cuidar, e ler Mulheres que Correm com os Lobos. Sim! e tenho a alegria como norte, mesmo quando a valsa triste toca.


Numa matinê de sábado, depois de uma semana com rinite alérgica e sinusite, e de perder pessoas queridas da cidade, queria me distrair. E ...



Numa matinê de sábado, depois de uma semana com rinite alérgica e sinusite, e de perder pessoas queridas da cidade, queria me distrair. E fui assistir o filme Mamma Mia 2. Já tinha visto o primeiro (e adorei!) e assisti também o musical na Broadway, em 2015. O que me levou a sair do teatro com a lombar doída de tanto cantar e dançar na cadeira a trilha do grupo Abba. Realmente uma catarse !

Pois sábado fui ver a continuação do musical da menina e seus três pais. E passeando pelas Ilhas Gregas, e ouvindo aquelas músicas, me peguei choramingando. Um filme sobre a saudade. Saudade de uma filha pela mãe (a personagem de Meryl Streep no Mamma Mia 1). A história dessa vez, é sobre a vida de Donna (Meryl Streep), antes de chegar à Grécia, agora vivida pela linda Lilly James, atriz que tinha acabado de assistir no dia anterior, em outra ilha idílica, no filme – Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batatas.

E nessa saudade, viaje nas minhas lembranças pela Grécia, numa viagem esplendorosa que fiz em 1987; pelas mussakas que comi; pelos caminhos imbricados das ruelas brancas e azuis de Mikonos, e o meu êxtase particular de me ver perambulando também em Santorini a comer Octopus grelhado e me perder no azul anil do Mar Egeu.

Tive amigos gregos no meu ano de Mestrado na University of Warwick, na Inglaterra 1986/7. Chorei de saudades deles também. E de saudade em saudade, foi me dando um sentimento esquisito. Um misto de alegria e nostalgia. E quando dei por mim, estava aos prantos em Mamma Mia!

No meio do filme, me veio á tona a paixão pelos atores Colin Firth, meu eterno Darcy, e que, dançando desengonçadamente, fica ainda mais sedutor, e de Stellan Skarsgard (meu estranho querido de Melancolia, Dançando no Escuro, Dogville), e no filme, um dos dançarinos alegres e fanfarrões na festa pra Donna! Ah! Minhas paixões cinematográficas!

Cinema é diversão sim. E como foi reconfortante estar esparramada naquela Sala Vip, sessão da tarde, com os olhos rasos d´água cantando Mamma Mia, e passeando nas lembranças de um inverno em NYC com minha irmã Claude; ou re-lembrando minhas andanças, quando jovem, pelas Ilhas Gregas, com minha saia de chita, comprando brincos de alpaca , e identificada com aquelas figuras dançantes daquela ilha com portas azuis (pintei as da minha casa uma vez, só para ter o gostinho dessa lembrança; como também pintei a casa de terracota para me sentir no filme de Bertolucci – Beleza Roubada!). O cheiro de azeite fino e pepinos nos iogurtes, pude sim fazer uma viagem nas memórias afetivas de uma vida passada a limpo na diversão e arte. Como diz um amigo filósofo: “o esquecimento como lembrança!”

Saí do cinema de olhos gordos e empapados de lágrimas. Um choro pelos mortos da semana (Juvenal e Jorge – que nem conhecia, mas que fazia parte do meu grupo de Caminhantes). Um choro também pelos meus mortos. Minhas saudades tantas. Mas nem por isso triste. O sentimento de efusão da celebração ao amor da filha pela mãe; dos brindes à amizade e ao amor, me deram mais ânimo e alegria para seguir direto à UFPb, Sala de Concertos Radegundis Feitosa, e assistir o Recital do menino Vitor Diniz, filho da minha amiga da infância, Dodora Diniz e Luismar , e que , desde a barriga acompanho os passos e os sopros da sua Flauta Mágica.

Quando lá cheguei, vi, pela primeira vez, o belíssimo mural- A Bagaceira – do artista Flavio Tavares. E por entre engenhos, cabritos, carros de boi, e senhoras com o olhares perdidos no horizonte, também me deixei perder no interior paraibano, no cheiro enjoativo do melado do açúcar, da minha infância pelos engenhos e usinas das primas queridas.

E do Brejo às Ilhas Gregas, a distância se fez pequena. Minhas lágrimas enxugaram. E o meu sábado terminou em pizza. Literalmente. Brindando à vida com as amigas, Margarida Assad e Fátima Duques. Na esquina de casa.

Nem sei mais quando conheci Gonzaga. Faz tempo! Mas confesso que, só mais recentemente é que leio sua coluna com mais assiduidade. Sempre ...



Nem sei mais quando conheci Gonzaga. Faz tempo! Mas confesso que, só mais recentemente é que leio sua coluna com mais assiduidade. Sempre o encontro nos eventos literários. E também sabia que tinha conhecido meu pai, Romero, nos tempos de outrora.

Gosto do seu estilo de crônica (simples, sofisticada, única e poética), e assim como toda a torcida de todos os times, o seu talento. Confesso que, quase sempre não conheço as pessoas de quem fala nas crônicas, seus lugares queridos, Alagoa Nova, e tantos outros recantos da sua prodigiosa memória. Pouco importa. Para quem tem aquele saber, aquela facilidade poética das esquinas, seus amores pela cidade, pelos amigos, e pela vida, nem se precisa conhecer os atores. Um passeio pelas suas vírgulas, já basta.

Também já tive oportunidades de ouvi-lo falar – com maestria. Homem simples, direto, erudito, simpático, e que tenho no seu olhar, uma ternura à toda prova. Uma empatia que sinto. Amor à primeira vista. Com todo o respeito. Ele sempre solícito e sempre carinhoso com meus afagos, abraços e cordialidades.

Nos últimos tempos, por conta dos livros, eventos comuns, e encontros mais costumeiros, esses afagos e abraços sempre mais assíduos. E eu, de longe, aproveitando sua fala, seu humor, e seu sorriso de olhos fechados. Uma unanimidade esse Gonzaga! Que tem no nome, ritmos de outro mestre. Um ritmo que vislumbra em passos devagarzinho, através do seu corpo magro, bem vestido em cortes de linho azul claro, cabeleira vasta, e olhos negros, hoje com uma ligeira névoa de quem já viu, olhou, contemplou , um tanto da vida – Longing day and night! Eu diria em outra língua.

Pois semana passada, fui convidada por amigos, a ir almoçar com alguns, e dentre eles estaria Gonzaga , o Neguinho, como é carinhosamente apelidado pelos seus. Imagina, o luxo de, dividir uma galinha de capoeira, uma cervejinha, cachacinha, ou o que fosse, com esse moço dos olhos risonhos.

Foi uma tarde inteira com ele sentado à minha frente. A discorrer sobre as ladeiras e percalços de suas histórias maravilhosas. Causos. Piadas até. Sua singeleza (sim! Essa é uma palavra boa para adjetiva-lo) e boas risadas de alegria, fizeram meu coração pinotar feito criança com brinquedo novo.

Lá pelas tantas, como se a felicidade não bastasse, comecei a situá-lo em relação ao meu pai. Ele arregalou os olhos – aqueles que riem de espanto, e identificou direitinho o meu pai querido, e o seu lugar de trabalho na Praça Antenor Navarro. Lembrou do seu escritório, das visitas, da generosidade do meu pai, contou até alguns segredos dos dois , confianças, admirações mútuas. Gentil e surpreso, mostrou sua alegria em me descobrir nos teclados das Remingtons que meu pai vendia. Teclados esses através dos quais, escreve suas preciosidades, reconhecidas e aplaudias pela vida toda. E eu ali, com o olhar perdido no passado, ouvindo emocionada, esse elo de afeto!

Sou uma leitora anônima, assim como toda uma cidade, que lê entusiasmada , seus passeios públicos e mais íntimos; sobre suas perplexidades diante do Ponto de Cem Réis; seus pertencimentos da vida; suas alegrias/tristezas da existência.

Ah! Gonzaga! Arvoro-me à essa pequenina sobremesa, ao nosso mais que idílico almoço, que ainda teve direito à performance de João Batista de Brito e seu texto sobre O Anjo Azul e Marlene Dietrich, e gargalhadas com o pai de Brooke Shields! Aí é assunto para uma outra crônica.

Obrigada Gonzaga! Martinho Moreira Franco, João Batista Brito, Mariângela Wanderley, e Luiz Paiva. Voltei pra casa literalmente rodopiando feito bailarina, não sem antes ter te dado um grande abraço que máquina nenhuma conseguiria registrar. Essas coisas do instante! E do afeto!

Eu subia. Na escada rolante. E ela, a alguns degraus à frente. Pareceu-me uma escultura andante. Lá estava ela. Uma mulher de costas. Com ...



Eu subia. Na escada rolante. E ela, a alguns degraus à frente. Pareceu-me uma escultura andante. Lá estava ela. Uma mulher de costas. Com um vestido estampado, pouco acima dos joelhos, sem mangas, mas o que tinha de comportado no comprimento, ultrapassava no decote das costas, profundo até a cintura. Suas costas brancas imaculadas. Com alguns sinais marrons, espalhados por aquela pele de porcelana. Juventude e beleza.

Era uma mulher jovem. Nos seus trinta anos. Não muito alta, mas usava uma sandália de salto grosso. O cabelo, castanho dourado, preso desarrumadamente. Sem brincos. E sem maquiagem. Um leve batom cor de boca. Olhando de costas, eu fiquei literalmente impressionada. Uma mulher como aquela, vestida assim às 3 da tarde, num shopping, chamava muita atenção. A minha!

Pensei que seria um vestido para a noite. Penumbras dos bares. Dancing. Drinks. Mas o que é a noite frente à luz do dia? Prazerosa e deliberadamente. Uma mulher elegante. Silenciosa. Em outra qualquer estaria vulgar. Nela? Sensual e assertiva. E quem há de saber os limites e as horas se não ela mesma?

Entramos juntas na loja de artigos de casa. Eu não conseguia tirar os olhos daquelas costas. E quando a olhei de frente? Um vestido que deixava seus seios à mostra dos lados. Seios belos e firmes que teimavam em sair pela super cava, um pouco mais decotada que o habitual. Só um corpo escultural daqueles permitia tamanho limite entre o (não) mostrar. E a moça perambulava por entre as louças, os potes, as tábuas de madeiras, as taças de acrílico, os conjuntos de cozinha. Já eu, nem mais sabia o que tinha ido procurar. Sim, uma tábua de pão para que os farelos não sujassem tanto a minha cozinha. Quão doméstica senti-me! Sem vestido. Sem decote! E com a minha pele já gasta pelo tempo....

Fiquei a pensar em mim. Quando mocinha. Magra, morena, com um corpo que caberia naquele vestido. Mas, ao invés, estava eu - ou com saias longas de hippie-chic, ou de shorts jeans e top, ou ainda com calças frouxas de alfaiataria e camisas largas.

Queríamos esconder o corpo. Chamar atenção para nossas ideias, outros charmes, e outros erotismos. Que também são afrodisíacos, sei. Mas nunca tive aquela feminilidade ditada pela cultura. Aquela, a da moça das costas nuas. E menos ainda aquele poder circunscrito pelo andar. Na época, já tinha meus parâmetros da rebeldia que contestavam as curvas, os apertos, e as mostras. Sonhava com os olhares das atrizes francesas.

Mas ao ver aquela moça tão camafeu, tão simples e tão sofisticada, tão desnuda, tão dona de si, do corpo, da sua beleza, do seu poder, e da sua autonomia, por entre pires e xícaras, fiquei a pensar nisso tudo. No poder da beleza! Sim! Aquela mesma!

Proclamada secularmente pela supremacia dos valores. Claro que, por agora, já não tenho mais esse rosto magro, nem peitos firmes, nem costas lisas. O tempo passa. Mas uma mulher assim, numa escada rolante, com um vestido desses, tem o poder de despertar um olhar devastador. Hoje não mais aquele olhar objetificado do gaze masculino. Confesso até que, por um instante tive, mas o olhar de outra mulher, que por aquele degrau, contemplou uma beleza, é bem verdade renascentista, mas mesclada com o contemporâneo, com a altivez das mulheres jovens e poderosas dos nossos tempos.

Por um piscar de olhos, eu quis aquele vestido. E não só... Acho que quis sim, ser aquela mulher subindo na escada rolante. E que despertasse um olhar. O meu!


“As pessoas morrem como viveram. Se nunca viveram com sentido, dificilmente terão a chance de viver a morte com sentido” E você viveu co...



“As pessoas morrem como viveram. Se nunca viveram com sentido, dificilmente terão a chance de viver a morte com sentido”

E você viveu com todos os sentidos . Na vida e na morte!
Dia 05 de Junho - já serão seis anos de saudades. Quanto tempo! E que tempo sem horas é esse! Parece que foi ontem.

Quando penso naquele domingo pela manhã logo cedo quando o médico me deu aquela notícia, a princípio indecifrável, sobre a sua pupila, irreversível. Ao mesmo tempo. Tudo parece longe. Muito longe.

Como te atualizo daqui? Nem sei por onde começar. Começo pela alegria. Seremos avós. Juntos com Fred e Adriana. Quarteto de afeto. Luísa está para nascer. Lucas? Focado e grávido. Nathália ? calma e plena. Eu? Assustada com tantas mudanças.

Sim! Nos mudamos. Daniel e eu. Novo endereço. Novos desafios. Nova geografia da vida. Estamos contentes muito. Com tudo isso. Mas no meu caso, existe um fio de tristeza da vida. Das perdas e danos. E nem é filme... Também me aposentei. O ócio é meu ofício. Mas trabalho muito.

O país? Você não acreditaria. Nem vou contar aqui, nem os céus dariam conta de tanta barbaridade. De balbúrdia! Imagine! estamos perplexos.

Mas olhe, estou lendo A Morte é um Dia que Vale a Pena Viver, da Ana Claudia Quintana Arantes. Sim, como não sou religiosa, procurei ajuda no sutil, no simbólico, e esse livro fala da vida. Apesar do título e do assunto.

Estou sempre a rever aqueles 50 tons de tristeza. O sofrimento – seu , meu e dos queridos. As nossas impotências e fragilidades. As nuances da doença. A solidão. Os cuidados paliativos – que no meu desconhecimento, não me dava conta. E a morte. Aquela hora precisa que, eu não sabia se seria, nem quando seria. Um Boa Noite meio cabreiro e uma dor de cabeça final.

Sim! Eu estava anestesiada. Com uma muralha grande ao meu redor. De outra forma não teria suportado tanta desolação e medo. Protegi-me como pude: Batom, banho de sol, jornal, capela, olhar o céu, ir à farmácia, um café no térreo, uma espiada no facebook, coisas cotidianas para driblar esse mistério inadiável do fim, “..a experiência da dor passa por mecanismos próprios de expressão, percepção e comportamento. Cada dor é única.”

No livro, tenho me confortado em assimilar o que seja empatia, compaixão, medos tantos, cuidados, sobre “a morte – um espaço onde as palavras não chegam”; sobre o indizível “– é a melhor expressão da experiência de vivenciar a morte”. Sobre percepção, urgência, lucidez; sobre o “tempo – transformador não depende de duração”; comportamento na perda e a impressão finda; sobre espera, desejos, esperança; sobre prece, ética, introspecção; sobre o divino; sobre mergulhar profundamente na própria essência; sobre dissolução; sobre saúde, doença; sobre o sagrado, sopro vital, tristeza, agonia; dos fardos, das culpas, das ilusões, dos abandonos, e de saber que a morte não escolhe lugar.

“Acompanhar alguém nesse momento é a experiência mais íntima que podemos experimentar junto a outro ser humano...Estar no lado de alguém que está morrendo é desnudar-se também. Nessa experiência e companhia a alguém que morre, seremos verdadeiros oráculos!”, diz essa médica mais do que sábia e conhecedora dos cuidados todos com alguém que morre. E de alguém que vive.

Depois de tudo, e tanto tempo, e nesses seis anos de ausência, a alegria ainda é a maior ferramenta para se viver. E o amor, claro!

“A graça da morte, seu desastrado encanto, é por causa da vida”. Adélia Prado.

Nossa imensa Saudade! E imensurável amor!

– João Pessoa 01 de junho, 2019