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Carlos Romero é um mestre da crônica que traz a melodia dos canaviais, a sonoridade dos riachos e a musicalidade dos pássaros de Alagoa N...


Carlos Romero é um mestre da crônica que traz a melodia dos canaviais, a sonoridade dos riachos e a musicalidade dos pássaros de Alagoa Nova, sua terra, cheia de encanto, que caminha com ele. Ele nasceu como metal modulado, aos poucos lapidado pelos pais. Escreve para ser lido ouvindo Chopin.

Tomando a paisagem como inspiração, no seu lugar se contempla a beleza entre morros, aos cuidados do vento e com água da chuva nos meses de maio a julho, revela-se quadro com noção de universo, ali aprendeu a distinguir a beleza que em emoldura a vida e nos insufla a amar o lugar.

Carlos Romero é personagem do meu círculo de admiração construído há 40 anos, quando eu dava os primeiros passados no Jornalismo, em afortunada aproximação, da qual recolhi as palavras que ajudaram a construir o edifício de minha vida, porque pronunciadas ao som da melodia que trouxe do seu mundo, os mesmos arredores de onde viemos, porque Alagoa Nova e Serraria nos dão a mesma sina.

Alguns tiveram o talento como destino maior, enquanto outros continuam com o bisaco vazio. Os que a fome não atrofiou os miolos, puderam conquistar espaços. Há alguns que encontraram alguém que abasteceu a esperança, mostrou que nem tudo está perdido para os que nascem nas grotas e carregam o jeito de andar como papagaio.

Ao longo dos anos recolho dele a visão do mundo composta de paz, silêncio, de modo apaziguador. Suas crônicas lidas e as palavras escutadas durante nossos encontros casuais, na redação, nas livrarias ou na Academia, deram base sólida para que eu soltasse a imaginação a vaguear por um mundo onde vive somente quem desenvolve e entende as manobras do espírito.

Nossos encontros repetidos na Academia, entre as prateleiras, nas livrarias e por meio de suas crônicas, deixaram-me lições inesquecíveis. Assim como foram as vezes que estive em sua casa para uma troca de prosa e de livros. Nestes momentos falamos de miúdas reminiscências dos nossos lugares, de literatura, de música clássica.

Sempre o escuto com alegria restaurada. Lhano, voz sem rompente, alinhado com as palavras, com serena feição, não se eleva em porte nem manja badalações ou retóricas. Pronuncia frases em sequência simétrica, sem cortes nem vacância.

Os leitores adentram-lhe a intimidade por meio de seus escritos, tão pessoais e adornados de sabedoria. Têm fervor literário que extravasa a leitura e o formato do texto. Faz deles o húmus para a mente e estímulo às ideias que habitam seu território íntimo.

Ele chegou a ser exagerado quando escreveu um prefácio para o livro de crônicas que publiquei em 2007, impulsionando-me a continuar rabiscando textos sobre Serraria e esta Capital, que me acolheu há 43 anos.

Peço-lhe a benção ante os verdejantes de nossa terra de canaviais, diante dos morros enfeitados por palmeiras, onde escutamos a zoada da água cristalina das cacimbas, o zunir do vento rodopiando entre os córregos, ouvindo o coaxar das rãs escondidas entre o milhã no regato. Por que nosso Brejo é mágico.

Amigo sem falhas, Carlos Romero é um escritor que nos tira a tristeza - relegai se não sou bom aluno! Ele é o cronista que supera o poeta.



José Nunes é cronista e membro do IHGP
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Para escrever texto apreciável, o autor precisa sentir e viver intensamente o tema escolhido, deixando-o numa madorna antes de colocar o ...


Para escrever texto apreciável, o autor precisa sentir e viver intensamente o tema escolhido, deixando-o numa madorna antes de colocar o ponto final. No entender de Stendhal, para se tornar escritor, “é necessário se atrever a sentir”. Sem deixar de lado este ensinamento, recorro à frase de Cervantes, quase quinhentos anos atrás, retirada do “O Amante Liberal”, ao afirmar que, “quando se sabe sentir, sabe-se dizer”.

Sentir e dizer, conhecer e escrever é o desejo que acompanha todo escritor: saber sentir e viver aquilo que escreve. Buscando superar-se e tentando suplantar cada escrito anterior, seja contando uma história ou narrando um fato do cotidiano, o escritor ou poeta, convive com emoções.

Sem emoção não se tem poesia, não se terá um texto considerável. Cervantes e outros encontram no romance a fórmula de abordar a realidade de uma época amplamente expressando o desejo da alma, por isso são autores universais.

Na Paraíba surgem muitos poetas. Não podemos negar, aqui é onde se publica e divulga poesia em larga escala. Isso é bom e nos deixa contentes. A poesia que alimenta e sacia a sede da alma.

Houve um tempo em que as expressões literárias chegavam às escolas e aos lares com maior frequência, porque nestes lugares é onde se plantam sementes que dão frutos. Se há uma avalanche de poetas e escritores na Paraíba, também temos poemas que são um ajuntamento de palavras. O poeta precisa de inspiração, da inspiração que vem com os encantos da musa, da Natureza, de um acontecimento, do que vivencia, das emoções sentidas.

Admiro o poema no qual as pessoas encontram a beleza espiritual, e se embriagam pela emoção. Cada palavra, cada verso fazendo emergir uma centelha da imagem daquilo que é possível ser observado no fundo da alma.

Sou um leitor contrito e obediente às minhas quimeras ou às alheias. Sou um poeta lento e um leitor reservado, a cada poeta que leio tento encontrar uma definição para a minha emoção, a partir do que ele, poeta, sentiu ao escrever seu texto.

Para mim, desculpem se repito alguém, mas poesia é emoção. Se o poeta consegue colocar emoção nas palavras, é um bom começo. “Um poeta vale, feiticeiramente, pelo seu poder encantatório”, assim falou com propriedade Mário Quintana.

Se a poesia consegue levar o leitor a definir a voz do vento que sopra nas árvores, ouvindo melhor as ondas do mar, então cumpriu a sua missão. Uma das missões da poesia é levar a pessoa a sentir prazer e alegria. Defendo uma poesia que expresse o sentimento de liberdade da alma e do corpo, criando uma consciência transformadora na pessoa, seja emocional, política ou social. O papel da poesia é transformar as pessoas. Assim, então, essa poesia cumpriu com sua missão de transformar o mundo a partir das mudanças que provoca na pessoa.

É essa a poesia que esperamos chegar às mãos das pessoas que, de posse dela, sejam embriagadas pela emoção. Que haja livros em todos os recantos, nas periferias das cidades, ou no mais distante rincão de terra esturricada ou encharcada.

Para Murilo Mendes, poeta que buscava as coisas silenciosas, “a poesia pode sintetizar todas as outras formas de expressão artísticas”.

Acredito no poeta atento a um acontecimento que mexa com a memória, com a criatividade, algo que atice a criação poética no leitor.

O escritor é um leão que se aventura a caçar palavras que possam expressar seu pensamento concisamente, como definia Aristóteles, segundo o qual importava que fosse uma escrita fácil de ler e de pronunciar. Do contrário, tornaria árdua a leitura do texto ou do discurso ao público. Na poesia é conceito válido.

José Nunes é escritor, membro do IHGP (João Pessoa-PB). jnunes48@hotmail.com

A Grécia Antiga foi conquistada pelos romanos com o uso da espada, mas este povo espezinhado venceu seus opressores com sua inteligência, ...



A Grécia Antiga foi conquistada pelos romanos com o uso da espada, mas este povo espezinhado venceu seus opressores com sua inteligência, pois tinha a cultura como principal arma. Para chegar à vitória silenciosa, o livro se sobrepõe às catapultas, às espadas, aos canhões e ao muque agressor.

Quando Nero destruiu a Biblioteca de Alexandria, imputou aos cristãos esse crime, numa tentativa de incriminá-los. Os ditadores não aceitam a cultura como alimento para a alma, porque sabem que podem destruir o corpo, mas nunca o que está armazenado na mente.

Povo unido é povo invencível. Jesus mudou a História da humanidade com a Palavra e com gesto de inigualável sabedoria. Spartacus abalou os alicerces de Roma com um bando de descamisados. A Palavra transformada é uma arma que não fere, mas muda a vida das pessoas.

Vem de muito longe a ideia de que a arte é fermento para a desordem, porque há por parte dos governos totalitários o imperativo desejo de impedir manifestações artísticas. Nenhum sobreviveu. Nem mesmo o Império romano com todo seu poderio, que na época amedrontava a terra, sobreviveu à força silenciosa da palavra.

Por considerar que incitavam a consciência renovadora, o ditador Getúlio Vargas mandou queimar obras de José Lins do Rego, Jorge Amado e de outros escritores, agentes do saber que defendiam acessos ao conhecimento e a renovação de mentalidades.

Estas passagens me acodem quando numa noite de pausa nas leituras, recebo mensagem de um amigo que é apaixonado por bibliotecas, desses que se dispõe a organizar montanhas de livros de modo que facilite o acesso dos leitores. Mostrava-se preocupado porque cada vez mais os governantes revelam o desprezo pelas bibliotecas. Os municípios já não se preocupam em instalar biblioteca pública. O que deveria ser o contrário.

Entre nós temos dedicados homens que trocam sua vida pelos livros, fazendo do seu espaço uma casa do saber, as paredes perdendo a feição de tijolos para se transformarem no mundo da imaginação.

Em décadas passadas, em nossa cidade, tivemos alguns entusiastas pelos livros que transformaram suas casas em moradas de histórias. Reunir livros em tornos de si era como recolher pedras preciosas. Uma dessas pessoas era o jornalista Waldemar Duarte que recolhia pelos corredores de sua casa as obras literárias que chegavam às suas mãos, deixando-nos receosos de andar por entre as pilhas de livros que cuidava com esmero.

Em mais de cinquenta anos convivendo com a literatura, o poeta e crítico literário Hildeberto Barbosa Filho caminha por entre seus dezoito mil livros com desenvoltura, capaz de retirar um da estante sem embaraço para conferir uma frase, um poema, recordar uma passagem de algum romance.

O bibliotecário Marcos Rodrigues é um cavaleiro solitário a andar pelos municípios animando a reestruturação das bibliotecas, removendo dos campanários das cidades os moinhos de vento construídos pelos agentes públicos. Luta renhida, mas silenciosamente reconstrói um mundo onde as pessoas, sobretudo os jovens, haverão de agradecer porque chegaram até eles essas preciosidades.

Mesmo que os tiranos ateiem fogo nas montanhas de obras literárias, estes nunca conseguirão retirar da memória das pessoas a semente de mostarda que os livros plantaram. Sempre haverá alguém que guardará um livro como recordação. Mesmo que demore a ser descoberto, guardará um registro da história da humanidade.

As bibliotecas sempre serão refúgios silenciosos.


Há quarenta anos, quando Nathanael Aves abriu as portas de sua biblioteca ao meu acolhimento, ali conheci Gonzaga Rodrigues. Este mesmo Go...



Há quarenta anos, quando Nathanael Aves abriu as portas de sua biblioteca ao meu acolhimento, ali conheci Gonzaga Rodrigues. Este mesmo Gonzaga que não me deixou órfão quando Nathanael teve a porteira de sua vida fechada.

As quatro décadas têm sido um período de aprendizado e confidências, pessoais e literárias. Desde a aproximação aos livros, na alvorada da vida, somente escutando e aprendendo, recolhi o que o espírito permitia como iluminativo e trato afetuoso.

O lançamento do livro “Notas do meu lugar”, em 1978, foi canto mavioso que ele entoou por mim, filho do mesmo barro e habitante das paisagens onde o orvalho da aurora com dourados raios nos asperge todos os dias do ano.

Igual contentamento foi quando publicou em 2003 o “Café Alvear”, agora relançado em segunda edição, prêmio e consolo aos leitores que ainda não desfrutaram do passeio exótico pela cidade que proporciona, desde o tempo quando ainda o melão de são caetano que infestava os quintais, com a paisagem bucólica onde repousavam os olhares de antigos índios e senhores das terras.

Desde sua estreia como cronista, em maio de 1954, se constituiu no maior representante deste gênero literário na Paraíba, sendo apenas daqui porque não quis ser do Brasil.

Suas crônicas atiçam o prazer da leitura, seja na pressa do jornal ou em livro, como estas de agora, também nos comovem.

Nestes anos de leitura e aprendizado, percebi que os caminhos da crônica são muitos, que às vezes nem sabemos para onde nos levam.

A crônica brota instantânea dentro de nós. Jorra de qualquer coisa em nosso redor. Pode surgir de uma palavra que se escutou ou de algo que germina silenciosamente enquanto nos deixamos flutuar o pensamento.

Muitas vezes pode sair de uma leitura, algo observado na rua, uma flor que desabrocha no jardim de casa. A cidade e a terra sendo seu espaço simbólico para os sonhos.

A professora Ângela Bezerra de Castro, cuja amizade eu ganhei como prêmio, entende que a crônica é uma forma sublime de literatura, que poucos conseguem atingir o grau maior. “A crônica é a poesia em prosa”, disse-nos, ao que aplicamos a Gonzaga.

Gonzaga segue o rastro de Rubens Braga quando capta a sutilidade das coisas em seu derredor, nos gestos das pessoas, tudo escrito num texto primoroso que dá um enorme prazer sua leitura.

Escrever crônica é como perfurar um poço numa terra árida com água salgado. Vai se cavando até se tornar num oásis.

O artista da palavra deve expressar o sentimento da humanidade, emprestar seu conhecer para mostrar o que não conseguimos com a escrita ou com o pincel.

A expressão maior deste cronista que tomou conta da cidade vem de Machado de Assis, talvez o modelo de cronista, a quem devota admiração. Acho que Gonzaga vai mais além porque tem o olhar para o social, exprimindo com fervor posições em favor do homem e da vida, ao contrário de Machado. Posições mantidas desde os tempos quando se entendeu como gente. No “Café Alvear” este olhar está apregoado, num olhar conciso que lembra Flaubert e Graciliano Ramos, que perdiam uma noite de sono a cata de uma palavra que justificasse o pensamento.

Há livro para o qual retornamos às suas páginas buscando o prazer da leitura, embalado pela ansiedade. Livros que nos fazem lembrar passag...



Há livro para o qual retornamos às suas páginas buscando o prazer da leitura, embalado pela ansiedade. Livros que nos fazem lembrar passagens da vida profissional, porque encurtam a distância entre o autor e nós.

Oito anos depois retorno ao livro de crônicas “Eu e outros arrecifes” de Luís Augusto Crispim, rememorado nossas paisagens, lembranças perdidas no tempo porque inicialmente construídas nas distantes tardes da redação do velho jornal O Norte. Lugar aonde ele chegava com passos lentos e gestos majestosos, corpo esbelto, destacável à distância. Desejava um boa-tarde, cumprimentava a todos, sentava à mesa e batia à máquina a crônica do dia seguinte. Era o tempo de quando esculpia minhas primeiras páginas, com letras nervosas. Dele, artesão tarimbado da palavra escrita, recebia o estímulo para continuar escrevendo.

Nunca recorri aos seus ensinamentos sem um retorno favorável, validando o menor gesto de nossa parte, porque se revelava no espírito de fraternidade, base para a construção de uma sólida amizade. Não que eu tivesse intimidade de adentrar no seu terraço como fazia com relação à Nathanael Alves e depois da ausência deste, com igual familiaridade em relação a Gonzaga Rodrigues, mas quanto a Crispim obtive livros que faltaram no meu roçado, quando morei em Serraria e Arara.

Retornei ao “Eu e outros arrecifes” rodeado de lembranças do abraço que fertilizava nossa amizade, cuja releitura trouxe-me à mente as palavras que a professora Ângela Bezerra de Castro usou, por ocasião do lançamento do livro, quando revelou os caminhos da crônica trilhados por este jornalista morto quando estava na melhor fase de escritor.

Era um final de tarde. O dia adormecia com seus derradeiros raios cobrindo o Rio Sanhauá e sobre os casarões em redor da Academia Paraibana de Letras sibilava o vento, enquanto era lançado o livro de crônicas recolhidas por suas mãos dias antes da sua passagem ao Infinito, onde repousa.

Ângela fez um passeio ao mundo do amigo ausente, ao tempo em que a emoção contaminava a plateia silenciosa. Cada um recordando no silêncio uma frase, um abraço, a leitura emocionada do texto a qual tínhamos acesso todas as manhãs, completando nosso café.

Como por ocasião da primeira leitura, agora retornei ao livro recordando cada palavra da professora, palavras que construíram a personalidade do amigo, compondo a minha pequena lista de saudade de ausentes.

A emoção de Ângela, naquela noite, recordando o amigo confidente, espontaneamente remeteria às recordações da amizade construída na sinceridade recíproca, fez com que nunca nos esqueçamos de Crispim, admirado como ser humano lapidado pela educação e o bom trato. Num texto publicado à época no jornal O Norte, eu falava que um dia retornaria a leitura do livro, que faço agora com emoção, ao lembrar-me do amigo que está a cobrar culto à sua memória.

A exaltação da professora ao mestre e amigo misturada aos acordes do vento naquela boca-de-noite, ainda ressoa como ruídos de um címbalo, não se apagará de nossa memória.

Crispim é daquelas pessoas que separamos para admirar. Era diferente. Tinha um olhar para as artes e outro para a vida, e isso o fez um homem notabilíssimo, um homem cordial.