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Ouvi de uma pessoa de pouca escolaridade, mas de uma humanidade e espiritualidade como só encontro em pouquíssimas pessoas, que o professor...


Ouvi de uma pessoa de pouca escolaridade, mas de uma humanidade e espiritualidade como só encontro em pouquíssimas pessoas, que o professor deveria ganhar “muito, muito, muito, muito, muito bem, porque tudo passa pelo professor”. Concordei com ela, mas fiz a ressalva de que todos deveriam ganhar o suficiente para ter uma vida digna.

Sem saber, essa pessoa estava citando Victor Hugo, em Os Miseráveis: “Les deux premiers fonctionnaires de l’état, c’est la nourrice et le maître d’école” (Parte I, Fantine, Livro 5 La Descente, capítulo II, Madeleine).

Numa tradução mais livre, a frase em português seria: Os dois primeiros funcionários do estado são a merendeira e o professor.

Cabe ressaltar o seguinte: Victor Hugo não fica apenas na ficção, quando se posiciona em favor da educação como fator primordial do progresso. A sua frase, de um romance de 1862, foi garimpada na célebre frase de Danton, durante a Assembleia Legislativa, de 02 de setembro de 1792, nos dias que antecederam a instauração da primeira república francesa. Ela se encontra insculpida na base da estátua daquele revolucionário, em pleno boulevard Saint-Germain, em Paris – “Depois do pão, a educação é a primeira necessidade do povo.”

A frase de Os Miseráveis é a ressonância do discurso de Hugo, em 1848, na Assembleia Constituinte, que deveria levar a França à sua segunda república, após a fuga do último rei de França, Louis-Phillipe.

Rejeitando ser Ministro da Instrução Pública, cargo para o qual o convidou o poeta e amigo Lamartine, Hugo se elege deputado por Paris. Ele acreditava que assim faria muito mais do que sendo ministro. É como surge o importante discurso do poeta e romancista “Questões para o encorajamento das letras e das artes”, em novembro de 1848, denunciando e reprovando uma redução no orçamento que ameaçava as letras, as artes e as ciências, de que eu retiro, entre outras memoráveis (“a economia seria pequena, a destruição seria grande”), a seguinte frase:

“Il faudrait faire pénétrer de toutes parts la lumière dans l’esprit du peuple; car c’est par les ténèbres qu’on le perd.”

“Seria necessário fazer penetrar de todos os lugares a luz no espírito do povo, pois é pelas trevas que o perdemos”.

A França ouviu a luta de Hugo e se esmerou durante décadas para dar uma educação universal. No Brasil, se os pouco letrados têm consciência da importância crucial da educação, alguns muito letrados ignoram-na olimpicamente e nossos legisladores se restringem a discursos vazios de ação. Continuaremos na nossa indigência cultural, cujo reflexo pavoroso é a indigência social, enquanto nos faltarem os Hugos que sejam, interessados, realmente, em política, no sentido platônico do termo, e não em politicagem.

Para Platão, sintetizando, a Justiça é procurar fazer um bem que pode ser revertido em favor da comunidade, em favor de todos, o que signif...


Para Platão, sintetizando, a Justiça é procurar fazer um bem que pode ser revertido em favor da comunidade, em favor de todos, o que significa abrir mãos de interesses individuais. Nesse aspecto, é melhor sofrer uma injustiça do que cometê-la.

Através da alegoria, o mito ajuda o lógos a demonstrar o sentido do que é a Justiça, Justiça que está em nós mesmos, nas escolhas que faze-mos e, sobretudo, na responsabilidade que assumimos, com relação aos nossos atos.

Não há como procurar a Justiça fora de nós, pois ela não é algo abstrato nem se encontra no outro. Nós somos, ao mesmo tempo, sujeito e objeto dela. Como só atingimos a Justiça com a prática diária da Justiça, a partir da escolha primordial dos nossos atos, nós somos o sujeito responsável pela sua existência.

Precisamos buscar a Justiça sempre, exista ou não fiscalização sobre nós. Não se deve fazer a Justiça por medo da lei ou só quando estamos sendo observados. A Justiça deve ser praticada, sobretudo, quando não estamos sendo vigiados.

Enfim, os caminhos para encontrarmos a Justiça são: fugir da intemperança e das paixões que nos escravizam e nos tornam injustos por intermédio do difícil caminho da busca da luz do conhecimento, que deve ser difundido mesmo enfrentando outras dificuldades e assumir que as escolhas são responsabilidades nossas, sem imputar culpas a ninguém.

É difícil? Sim, por isto mesmo Platão afirmou: Khalepà tà Kalá – As coisas belas são difíceis! (Livro IV, 435c)

(excertos do ensaio "As coisas belas são difíceis" - 2015 - https://bit.ly/2MvO4V2)

Preso e condenado à prisão perpétua, Jean Valjean chega a Toulon, a bordo do navio Orion, para cumprir a sua pena. Este é um dos momentos d...


Preso e condenado à prisão perpétua, Jean Valjean chega a Toulon, a bordo do navio Orion, para cumprir a sua pena. Este é um dos momentos dramáticos de Os Miseráveis, quando tudo parece fracassar na vida do personagem, que prosperara e fizera fortuna como o empresário M. Madeleine.

Victor Hugo, no entanto, faz uma das digressões didáticas, muito comuns nos seus romances, para explicar com ironia, como o dinheiro do erário vira literalmente fumaça, sendo gasto com pompas e circunstâncias inúteis, enquanto o povo passa fome.

Na chegada do Orion ao porto de Toulon, o navio é saudado com onze tiros de canhão, aos quais responde, um a um. São vinte e dois tiros, ao total, portanto. Hugo faz uma conta rápida e chega à conclusão de que o dito mundo civilizado gasta, por dia, com tais formalidades vãs, 150.000 tiros de canhão inúteis. Ao preço de seis francos, atualizaremos para seis euros, gasta-se a fortuna de 900.000 euros por dia e a bagatela de 300 milhões por ano, em, literalmente, fumaça. Complementa Hugo: "Ceci n'est qu'un détail. Pendant ce temps-là les pauvres meurent de faim". ("Isso é apenas um detalhe, durante o qual os pobres passam fome”)

Salamaleques não nos faltam, além dos desvios proverbiais, por onde se esvai nosso dinheiro. Mas os novos tiros de canhões que fazem nosso dinheiro virar fumaça são a imoralidade do fundo partidário, devidamente apoiado por políticos que se dizem de esquerda e do lado do povo. Como disse Hugo, é apenas um detalhe; enquanto isso, os pobres morrem de fome.

E o criminoso, coitado, é Jean Valjean. Por causa de um pedaço de pão, que não logrou levar para matar a fome dos sobrinhos.

Vivam Victor Hugo e esta obra memorável, sempre à cabeceira.


João Pinto é calado. Olhos sempre abertos e perscrutadores, olhando para você como se quisesse ver na sua alma. Magro, mas sem o raquitismo...


João Pinto é calado. Olhos sempre abertos e perscrutadores, olhando para você como se quisesse ver na sua alma. Magro, mas sem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral; pele acobreada, parece saído de um rabisco das grutas da Serra da Capivara. Tenso, cada músculo seu reflete o conflito de quem está sempre examinando mundo.

Piauiense de nascimento, trocou a faixa estreita de sua terra pela largueza dos rios e florestas da Amazônia. Ali, fez-se caboclo, imiscuindo-se entre pirarucus e igarapés, descobrindo a imensidão das águas e o portento das sumaúmas; ali, escolheu uma das iaras de Manicoré, para perpetuar o gene resistente.

Fala pouco. A boca é um risco. De suas mãos e dedos longos, no entanto, correm poemas e histórias, tão sedutoras e profundas quanto a blandícia do boto tucuxi.

Companheiro das Letras, vivemos um desafio poético nos difíceis anos 70, para depois reencontrá-lo no mundo amazônico, onde abraçou e pelejou a boa peleja na sofrida e deliciosa profissão de professor.

Simbiótico, suas águas amigas não rejeitam outras águas, misturando a sua fala mansa e precisa, e seu afeto contido, mas imenso, a qualquer que lhe saiba compreender os segredos e mistérios da criação que pululam em sua mente.

Rodapé à epígrafe: " Passei a vida atrás de novidade. E quem faz isso, subverte a fala que fala a mesma coisa. Cria o riso que alguém já sorriu, ou a morte que alguém já matou. É por isso, minha senhora, o que eu quero te dizer seja aquilo que nunca te disse. Só assim te puxo para dentro da minha gaiola" (João Pinto)


Cronista de variados matizes, arraigado naturalmente ao literário, Gonzaga Rodrigues tem olhos que descortinam realidades. De sua pena e d...



Cronista de variados matizes, arraigado naturalmente ao literário, Gonzaga Rodrigues tem olhos que descortinam realidades. De sua pena e de sua visão privilegiada criam-se cenas irretocáveis, quando fixadas na crônica do jornal. Capaz de transformar, como ato de criar, um olhar sobre a cidade, um comentário que parece en passant sobre um amigo vivo ou morto, uma crítica sobre política ou o que seria um mero documento sobre um fato ou lugar, na perenidade incontornável do poético.

Homem do povo, ser da cidade, trazendo no sangue a terra grávida do Brejo paraibano e na alma o senso de justiça em prol dos desvalidos, Gonzaga é o manso enérgico. Manso quando se propõe a ouvir quem fala, sendo sempre bom ouvinte; enérgico, quando defende suas causas, sem nunca ser o chato doutrinador. Quando se põe a contar “causos”, é um narrador impagável, pois guarda como um dos segredos de sua longevidade o bom humor.

A cabeleira farta, a tez acobreada, boa altura, ombros largos e o perfil característico do indígena, Gonzaga é para mim o Gregory Peck de Alagoa Nova. Não foi fazer sucesso no cinema, mas na imprensa paraibana, que reinventou; sucesso que guarda humildemente para si, mas que é do conhecimento de todos. Doutor honoris causa, diz-se um mero leitor a quem, machadianamente, tudo falta. Sua escrita, no entanto, mostra que o cronista é pleno e as lacunas, na realidade, estão nós.

Mesmo tendo passado dos 80, Gonzaga jamais será multado. Como multar uma amizade que conquistei na maturidade. Não é, Mago?