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Queria dias mais calmos. Queria me sentir feliz de novo. Queria sonhar com Monica Vitti no céu. Queria não ter recebido a notícia da mo...

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Queria dias mais calmos. Queria me sentir feliz de novo. Queria sonhar com Monica Vitti no céu. Queria não ter recebido a notícia da morte de Eliézer Rolim, que conheço desde que ele era Filho. Queria não ter pesadelos com as imagens de Moïse sendo espancado até a morte.

Não dá pra ser feliz, não dá pra ser feliz...

Vocês já notaram que a gente não sabe mais como se comportar diante de situações que, até pouco tempo, eram muito simples? ...

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Vocês já notaram que a gente não sabe mais como se comportar diante de situações que, até pouco tempo, eram muito simples?

Por exemplo, quando a gente se interessava por uma pessoa, tipo, ficar a fim de namorar se rolasse um clima (desculpem pela referência a uma situação recentemente indigesta), a gente paquerava, iniciava uma conversa, e, se o "clima" fosse mútuo, o namoro começava. As pessoas próximas traziam as informações de segurança. Namorador, cachaceiro, gente boa, moça de família, complicada e perfeitinha, falada... Essa era a rede social disponível. Agora a gente precisa oficializar o relacionamento para pessoas que nem nos conhecem, os chamados seguidores das redes sociais, e exigir a senha para ver quem está curtindo as fotos dos nossos recém-amores. Controle tipo "o grande irmão". Para quem não sabe o que é isso, vide 1984, de George Orwell.

Estou aqui de passagem Nada precisa de mim Nada precisa de mim de verdade Na verdade sou eu quem preciso Preciso de tudo...

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Estou aqui de passagem Nada precisa de mim Nada precisa de mim de verdade Na verdade sou eu quem preciso Preciso de tudo e todos Enquanto estiver por aqui Nessa passagem Nessa paisagem Quando não estiver mais aqui Tudo continuará Sem mim

Embora não achasse ruim a tal da infância, boa também não achava. Acho lindo quando vejo crianças alegres, espontâneas, divertidas...

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Embora não achasse ruim a tal da infância, boa também não achava.

Acho lindo quando vejo crianças alegres, espontâneas, divertidas, fazendo criancices. Mas não fui assim. Eu observava, percebia...

Aprendi a ler antes de ir pra escola.

Gostava de livros e de música. E tinha desprezo por bolas e bicicletas (hoje, amo bicicletas!).

"Pra variar estamos em guerra". Assim cantava Elis Regina, numa gravação de 1980, da música de Rita Lee e Roberto de Carvalho, &...

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"Pra variar estamos em guerra". Assim cantava Elis Regina, numa gravação de 1980, da música de Rita Lee e Roberto de Carvalho, "Alô, alô marciano". A mesma "lovely Rita" que, um ano antes, nos presenteou com a deliciosa "Mania de Você". Nada melhor do que não fazer nada, só pra deitar e rolar com você. Pouco mais de 40 anos se passaram, depois dessas gravações, e nós estamos em guerra. Ao invés de estarmos rolando e fazendo amor como bem nos convier, estamos em guerra.

"Que eu não me esqueça, mas que também não lembre o tempo todo" O primeiro adeus doloroso aconteceu quando deixei a cidade da ...

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"Que eu não me esqueça, mas que também não lembre o tempo todo"

O primeiro adeus doloroso aconteceu quando deixei a cidade da minha infância. Meu pai era um nômade, não aguentava viver muito tempo num mesmo lugar, por isso arranjava trabalhos que lhe permitissem viajar. Eu não acreditava que diria adeus ao grupo escolar que ficava do lado da minha casa, onde Dona Adelaide, a diretora, que morava ali na frente, tocava piano quando estava feliz. E a Maria Cristina, a menina de cachos dourados adotada por ela, uma princesinha, minha primeira paixão, mesmo sem a gente saber o que era aquilo. Por anos guardei nossa foto, num balanço de dois lugares que tinha no jardim da sua casa. Aos meninos da minha rua, cujos rostos desapareceram da minha memória, assim como seus nomes.

O budismo, cuja filosofia me interessa muito, diz que nós inventamos desejos e nos tornamos dependentes deles. Sei disso a partir de vária...

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O budismo, cuja filosofia me interessa muito, diz que nós inventamos desejos e nos tornamos dependentes deles. Sei disso a partir de várias experiências. Uma delas foi o cigarro. Sim, já fui fumante. Aliás, acho que quase todo mundo da minha geração foi.

Não conheço ninguém que gostou do cigarro da primeira vez que provou. Gosto ruim na boca, tontura, enjoo. Com o tempo, a pessoa aprende a gostar, e vou dizer, pense numa coisa difícil de largar. Quem já fumou sabe disso. Conheço muita gente que largou há anos e ainda sente falta. Não é o meu caso. Foi a própria filosofia do budismo que me ajudou nesse sentido.
O meu pensamento foi simples: se eu já vivi sem isso, posso voltar a viver. Assim consegui me livrar de um mau hábito que mantive por muitos anos e, o que é pior, consciente dos prejuízos que aquilo me causava.

Vez por outra penso nisso com relação às redes sociais. Lembro quando uma amiga me sugeriu abrir uma conta no Facebook. Fui resistente no início, mas cedi. Foi muito interessante começar a encontrar amigos que não via há algum tempo, familiares que estavam morando fora, curtir postagens engraçadas, músicas, fotos, fazer amizade com gente que não conhecia "em carne e osso". Com o passar do tempo, fui me animando e comecei a escrever alguns textos e publicá-los ali. As pessoas interagiam, curtiam e isso foi se tornando cada vez mais divertido. Uma ou outra treta também acontecia, mas era algo raro.

Um dia escrevi um texto chamado "Você não é obrigado a nada". Postei e, de uma hora para outra, centenas de pessoas estavam me solicitando amizade. Essa frase até virou "meme" ou o "meme" serviu de mote. Isso foi em 2015 e esse texto continua sendo muito compartilhado. A experiência permaneceu interessante e segui escrevendo e postando. Novos amigos foram chegando, alguns passaram a me ajudar, corrigindo erros, incentivando que escrevesse mais, sugerindo temas. Algumas deles, até viajei para conhecer pessoalmente. Outros, recebi aqui em João Pessoa, inclusive na minha casa. Não me desapontei. Pelo menos os que encontrei aqui, em São Paulo, Curitiba e Fortaleza foram do tipo "o santo bateu".

Continuei escrevendo e fazendo amigos novos e antigos. E a outra verdade é que criei uma necessidade. O Facebook passou a fazer parte da minha vida diária. E deve ser assim na vida de muitos. Plataforma política, paqueras, muro de lamentações, poesia, literatura, humor, gente talentosa e, claro, coisas desagradáveis também. As últimas eleições presidenciais exacerbaram demais o lado tóxico das redes.

Cancelamento, linchamento virtual, agressividade, intolerância.

Muitos começaram a abandonar a interação para se protegerem. Sim, tudo pode se tornar nocivo. Mas, preciso admitir, para mim sempre foi mais prazeroso do que ruim. Vez por outra acontece de retirar alguém do meu grupo de amigos ou de ser retirado. Enfim, é o mundo virtual permitindo que você "dê sumiço aos seus desafetos".

De todas as gostosuras que essa rede me trouxe, o contato com o povo das artes foi a coisa mais gratificante. Poetas e escritores que admiro interagindo comigo. Artistas plásticos que amo, atores e atrizes, músicos, palhaços. E pessoas interessadas nesse universo, que fazem postagens lindas, divertidas e inteligentes.

A semana passada, levei um susto gigante. Um amigo comentou a minha idade e fui nas minhas informações ver o que estava ali registrado. Minha conta foi desativada. Não foi bloqueio, coisa pela qual alguns têm passado. Simplesmente recebo um aviso que não tenho idade suficiente para usar o Facebook e por isso não tenho acesso à minha conta. Eles me pedem que mande um documento de identidade, que comprove meu tempo no planeta, mas de nada adianta. Que sensação horrível. Foi como se tivesse chegado em casa de uma viagem e a encontrasse completamente vazia, saqueada.

Aquilo me deu um desamparo enorme. Bia, minha amiga, falou em "morte virtual". E foi assim que me senti. Pensei numa música em que Gil fala da morte. Eu "morri" mas ainda estava lá. Me botaram para fora da festa. Desapareci para meus amigos, que ficaram sem saber o que aconteceu. E cada vez que lembro de alguém que gosto ou de um texto que não salvei meu peito congela.

Ainda conversando com Bia, ela me perguntou se vou criar nova conta. Respondi que não sei, que talvez eu ressuscite no sétimo dia. Ela falou — entendendo ao que me referia — que é no terceiro. Sete foi a criação do mundo. Rimos juntos e já surgiu a ideia para a primeira música da TRILHA SONORA: Meu Mundo Caiu, de Maysa


As outras são:

Volta (Lupicínio Rodrigues), com Gal Costa ▪ Coragem, Coração (Carlos Rennó / Cláudio Monjope), com Ney Matogrosso ▪ Não Tenho Medo da Morte , Gilberto Gil ▪ Começar de Novo (Ivan Lins / Vitor Martins), com Simone

Aprendi a gostar de palavra com minha mãe, que era professora e me ensinou a ler, em casa mesmo. Depois eu ganhei uma coleção bem bonitin...

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Aprendi a gostar de palavra com minha mãe, que era professora e me ensinou a ler, em casa mesmo.

Depois eu ganhei uma coleção bem bonitinha de livros, que se chamava "Meu Primeiro Dicionário". Por causa dessa coleção, eu pegava o "Aurélio" da casa (eu digo assim porque achava que em toda casa tinha um), e folheava para aprender palavras novas. "Apropinquar, panacéia, arrulhos, escaravelho, ósculo..." e ficava imaginando uma oportunidade de usá-las. Finalmente esse dia chegou.

Você não precisa casar nem ter filhos, se nunca desejou. Nem fazer compras em Miami. Não precisa ter aquela bolsa marrom, não precisa ter...

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Você não precisa casar nem ter filhos, se nunca desejou. Nem fazer compras em Miami.

Não precisa ter aquela bolsa marrom, não precisa ter carro, nem amar bicicletas, não precisa meditar. Só precisa ter cachorro se quiser. Entender de vinho: não precisa.

Hoje é o Dia do Homem. Ontem foi também. E anteontem. Também é o dia da mulher, do professor, do orgulho LGBT, do médico, do índio, do ...

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Hoje é o Dia do Homem.
Ontem foi também. E anteontem.

Também é o dia da mulher, do professor, do orgulho LGBT, do médico,
do índio, do negro, do gordo e do magro, do ator, do garçom, do pedreiro,
da enfermeira, do agricultor, da caminhoneira, do dançarino de can can...
Porque eu aprendi que homem é tudo isso.
E mais um monte de coisa.

Luzia Acho lindo o nome Luzia
 Um nome que veio lá da Espanha
 Mas reluz no sertão
 Na feira de rua Na mão de uma santa


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Luzia


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Acho lindo o nome Luzia

Um nome que veio lá da Espanha

Mas reluz no sertão

Na feira de rua
Na mão de uma santa


As três coisas mais fortes da existência humana, eu vi de uma vez só: a morte, o amor e a vida. Eu era menino e um garoto mais velho da r...

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As três coisas mais fortes da existência humana, eu vi de uma vez só: a morte, o amor e a vida.

Eu era menino e um garoto mais velho da rua foi atropelado.

Naquele tempo, menino brincava na rua, na calçada. O medo não fazia parte. Raul devia ter uns 17 ou 18 anos e foi atropelado por um Opala.

Se tem uma coisa que eu me pelo de medo, é da tal da eternidade... O povo tem uma mania de querer que as coisas durem para sempre.

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Se tem uma coisa que eu me pelo de medo, é da tal da eternidade...

O povo tem uma mania de querer que as coisas durem para sempre.

Eu adoro palavra. Minha mãe era professora e fazia uma brincadeira comigo, quando eu era pequeno: Escrevia uma palavra qualquer (pato, por ...

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Eu adoro palavra. Minha mãe era professora e fazia uma brincadeira comigo, quando eu era pequeno: Escrevia uma palavra qualquer (pato, por exemplo) numa folha de papel, depois me mandava procurar aquela palavra dentro de um texto.

Eu trabalhava no centro, perto da Lagoa, nessa época. A Galeria Gamela era próxima dali, e fui lá pegar uma tela de Alice Vinagre, que tinh...


Eu trabalhava no centro, perto da Lagoa, nessa época. A Galeria Gamela era próxima dali, e fui lá pegar uma tela de Alice Vinagre, que tinha adquirido. Quando cheguei, uma exposição estava sendo montada. Rapazes carregando telas enormes. Uma delas "passou" por mim e eu pensei:

Mamãe pegou uma laranja. Acabamos de almoçar e ela pegou uma laranja.


Mamãe pegou uma laranja.
Acabamos de almoçar e ela pegou uma laranja.

O que faz de um homem um homem? Um homem nunca deveria deixar outro homem dormindo, embaixo das marquises, no frio. Tampouco passar fom...


O que faz de um homem um homem?

Um homem nunca deveria deixar outro homem dormindo, embaixo das marquises, no frio.

Tampouco passar fome deveria um homem deixar outro homem.

Nunca deveria um homem perder a confiança de uma criança ou de um cachorro. Nunca.

Um homem nunca poderia sujar as águas de um rio.

Derrubar uma árvore.

Um homem deveria aprender com a árvore a lição da generosidade e da resiliência. A fruta no verão. A folha que retorna verde depois do inverno.

Nunca um homem deveria chorar sozinho. Para isso existe o colo acolhedor de uma mulher ou o braço forte de um amigo.

Um homem nunca poderia ter poder sobre o corpo de outro homem. Seja qual for o preço.

Nem deveria ter poder sobre o corpo de uma mulher. Tampouco chamar isso de amor.

Nem sobre o corpo de um cavalo. Ou de um elefante. Muito menos de um passarinho.

Zombar de outro homem. Nunca um homem deveria. E deveria ensinar isso aos seus filhos.

Nunca poderia um homem ferir outro homem, ou mulher, ou criança. Nunca.
Nem matar outro homem. Seja com faca, revólver ou negligência.

Poderia um homem envenenar a comida de outro homem? Não, não poderia.

Nunca um homem poderia deixar outro homem agonizando no corredor de um hospital. Ou na solidão de uma unidade intensiva de qualquer terapia.

Nunca um homem poderia deixar outro homem morrer sozinho. Nunca.

Nunca um homem deveria ter medo de outro homem. Ou causar medo a outro homem.

Não é isso que faz de um homem, um homem.

Serei eu, um dia, um homem?

Será você?

O que, para você, faz de um homem, UM HOMEM?


Nelson Barros é psicólogo e cronista

Dominique vinha passar férias com gente. Eram dois abraços. Um na chegada, outro quando ia embora. Ela “botava macaco” na hora do abraço. Sa...


Dominique vinha passar férias com gente. Eram dois abraços. Um na chegada, outro quando ia embora. Ela “botava macaco” na hora do abraço. Sabe o que é isso? É empurrar a pessoa com as mãos e antebraços, para que não se aproxime muito, durante um abraço ou dança. No meu tempo de rapazinho, “menina direita” botava macaco para dançar nos assustados*.

Quando conheci Anna, lá em Barcelona, sabendo que europeu é mais reservado com essa coisa de contato físico, a cumprimentei com um aperto de mão.

- “E los dos besos”? Ela perguntou.

Depois disso tinha beijinhos e abraços. Um dia, levando-a para o aeroporto, ela me contou que gostava dos dois beijinhos, mas achava desconfortáveis os abraços.

- Nunca abracei nem minha mãe assim, encostando os peitos.

Seu Antonio Serafim nos proporcionou uma noite maravilhosa em Lisboa. Ao nos despedirmos, perguntei-lhe se poderia agradecer com um abraço. Ele consentiu. Juntei ele todinho no abraço mais apertado que pude dar. Ele recebeu, tenso que só uma corda de violão, coitado, mas disse com a voz embargada:

- Prometesh que nunca vaish esquecer-sh” de mim?

Como poderia? Cumpro a essa promessa até hoje, 20 anos depois, mesmo nunca mais tendo lhe visto. O abraço não é coisa exclusiva de brasileiro. Mas deveria ter uma categoria de abraços com essa denominação.

“Abraço a la brasileira”.

Esse é coisa nossa. A gente abraça se apertando, peito contra peito. Ou melhor dizendo, peito a favor de peito. A gente abraça se misturando com o outro. Quanto mais apertado o abraço, melhor a qualidade do abraçante. A gente abraça fazendo carinho nas costas do abraçado. Dois tapinhas, uma passadinha de mão (nas costas, viu? Desceu, é safadeza), cosquinhas, um balancinho pros lados. A gente abraça homem, mulher e criança. Cachorro também. A gente abraça amigo, amigo de amigo e desconhecido. Na hora do gol a gente abraça qualquer um que esteja do lado, mesmo sem nunca ter visto.

Abraço de brasileiro é igual a casa. Abrigo, acolhimento, amparo. Tem qualidades altamente terapêuticas. Reforça o sistema imunológico. Tem uso para qualquer ocasião. Tristeza: o abraço alivia. Medo: o medo passa. Raiva: a dor vai embora. Alegria: o abraço amplifica. E nesse caso a gente se abraça pulando. Em aeroporto, abraço de brasileiro é capaz de fazer perder o vôo, se for na ida. Na volta, quem chegou só aterrissa mesmo, na hora do abraço. Às vezes a gente abraça e quando sai do abraço, se olha e abraça de novo.

A gente abraça como forma de dizer “eu te amo”, “como é bom te ver”, “eu tô aqui e cuido de você”. O abraço dispensa as palavras.

Tive um amigo, também europeu, que quando chegava no Brasil, dizia:
- eu vim por causa dos abraços!

Jean Marc, um professor francês que eu adoro, achava abraço de brasileiro sufocante. Era engraçado abraçá-lo, enquanto ele tentava se desvencilhar. Ahh, Jean Marc! O abraço é entrega, confiança. É um mergulho no coração do outro e só funciona sem rede de segurança, por que o abraço é a própria rede de segurança.

Paulistano, aquele povo que a gente diz que é da selva de pedra, quando encontra amigo, dá um beijinho e um abracinho. É “bunitim” demais esse costume.

E minha sogra dizia que a gente precisa de pelo menos 8 abraços por dia, para ter saúde. Sempre botei muita fé na minha sogra.

Lembra de Dominique, de quem falei lá em cima? Ela costumava vir em janeiro, fugindo do frio. Passava o dia inteiro na praia, tomando sol, estocando calor. Mal sabia que, já no primeiro abraço, um daqueles onde “botava macaco”, ela poderia estocar calor para o resto da vida. Era só lembrar.

É isso. Hoje eu quero te mandar um abraço. E se a gente se encontrar por aí, quero mesmo é te dar um “abraçaço”.


Passamos a vida inventando coisas que não pre- cisamos e depois ficamos dependentes delas. Inven- tamos coisas para poupar nossa energia e ...


Passamos a vida inventando coisas que não pre- cisamos e depois ficamos dependentes delas. Inven- tamos coisas para poupar nossa energia e depois vamos gastar essa energia poupada numa academia.

Juntamos dinheiro ganho à custa de trabalho, para garantir cuidados com a saúde que estraga- mos, trabalhando mais que o necessário, competin- do pelo cargo, em busca de um tal sucesso.

Aprendemos que o corpo é uma máquina. De produzir, de reproduzir, de desempenhar, de representar. O corpo é um brinquedo, como sabem as crianças. Dizia Galeano, “o corpo é uma festa”.

Tirando os tambores, pouca coisa boa inventa- mos, além da capacidade de criar o fogo, e talvez a roda, o princípio da confusão toda.

Tiramos a fruta do pé e botamos na lata. A fruta do pé não faz mal a ninguém. Já a da lata... É bem verdade que o homem das cavernas morria bem novinho. E a gente inventou um jeito de cuidar dos dentes. Dentes que a gente estragou comendo a fruta da lata.

Tá certo que a gente inventou os antidepressivos. Mas a depressão foi inventada primeiro, tá cer- to? Senão como iríamos vender antidepressivos?

A beleza foi a gente quem inventou também. Assim como a feiura. O chato foi dar a essas coisas um lugar de superioridade ou inferioridade. Aliás, a maior das estupidezes, a que confere poder. Não há maior aberração que um homem ter poder sobre outro. Mesmo sobre um bicho. Um cavalo correndo livre sempre será mais belo que um adestrado. Um pássaro será sempre mais bonito voando no céu ou pousado na árvore. Gaiola nunca foi palco.

É sempre mais belo o homem dançando que apertando botões.

Sim, criamos formas fantásticas de comunicação. Eliminamos as distâncias entre as pessoas do planeta. Por que isso não eliminou a epidemia da solidão?

Simplesmente porque não nos reunimos mais na praça da tribo, ao luar, em volta da fogueira, comendo milho assado, contando histórias de deuses imaginários, cantando músicas ao som de palmas.

Estamos tentando inventar uma forma de dar fim à morte, sem saber o que fazer da vida, a não ser driblar a morte, mas não sabemos apreciar o envelhecimento e nem cuidar dos velhos.

Buscamos uma tal de autonomia. A maior das ilusões. E liberdade, a outra grande ilusão. Não há liberdade que não nos escravize a algo.

Entendemos cada vez mais de sexo. Pronuncia- mos corretamente a palavra clitóris, criamos a democracia do orgasmo, descobrimos o ponto “G”, mas continuamos inocentes com relação ao amor. E nos distanciando cada vez mais dele.

Temos instrumentos eficientes para produzir conhecimento, para sair das trevas da ignorância, mas não demos fim ao preconceito, que é a forma mais bruta da ignorância.

Lutamos para ter privacidade e expomos a nos- sa intimidade nas redes sociais.

Reagimos com “emojis” quando alguém posta o vídeo do cãozinho que foi resgatado, da árvore cortada, da criança abandonada. Mas passamos apáticos pelo cãozinho de rua ou pelo menino dormindo na calçada. E reclamamos do calor, sem lembrar da árvore que não está mais ali, dando sombra fresquinha.

Sabemos e não fazemos. Casas de ferreiro, es- petos de pau.

Pelo menos temos o vinho. E a medicina que permite tomar uma (ou duas) taças por dia.

E temos a arte, que dá sentido a tudo. Que salva da aridez, que conecta, que revela.