Existem vários tipos de leitura. Todo leitor é capaz de identificar – e experimentar – a diversidade de leituras. Normalmente, é o livro qu...

Ler para viver (e não o contrário)

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Existem vários tipos de leitura. Todo leitor é capaz de identificar – e experimentar – a diversidade de leituras. Normalmente, é o livro que determina o tipo de leitura. Assim, uma obra de entretenimento geralmente não conduz o leitor a reflexões maiores, da mesma forma que um livro de fundo filosófico, posto que exigente, não propicia uma leitura de relaxamento.

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Não quer isto dizer, evidentemente, que o leitor, com a sua subjetividade, o seu temperamento, não tenha algum papel na determinação do tipo de leitura. Um leitor frívolo é bem capaz de conferir frivolidade ao livro mais sério – e vice-versa. O que nos leva a concluir que o livro e o leitor, juntos e em interação, definem cada espécie de leitura, em suas linhas gerais.

Sertillanges, pensador e frade dominicano francês, em sua obra “A vida intelectual”, de 1921, dividiu as leituras em quatro tipos característicos. O primeiro, seria o das “leituras de repouso”, entendidas como aquelas que, rasas, não exigem maiores esforços mentais por parte do leitor. São as leituras para informação e entretenimento, como as revistas, os jornais, textos de internet e as obras literárias de menor densidade, como os “thrillers”, os romances açucarados e semelhantes. O segundo, seria o das “leituras de consulta”.
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Estas são aquelas que têm por objeto os dicionários, as enciclopédias e os chamados “livros de referência”, aos quais se costuma recorrer em busca de esclarecimentos e subsídios para estudos e pesquisas. O terceiro tipo seria o das “leituras de formação”, ou seja, aquelas que, por sua natureza e importância, ajudam a “formar” o leitor enquanto tal e enquanto pessoa. São as leituras filosóficas e literárias de maior profundidade, capazes de marcar o espírito de quem lê, normalmente no bom sentido. E, por último, o quarto tipo, as “leituras de meditação”, que são as que nos inspiram, nos estimulam e nos deleitam, de tal forma que as incorporamos ao nosso cotidiano, como fontes permanentes de sabedoria, podendo ser de conteúdo religioso, filosófico ou literário. São as leituras que fazemos com nossos livros de cabeceira, aqueles eleitos, que nos acompanham na vida.

Claro que tais espécies de leituras não são estanques, mas podem eventualmente ser suscitadas em diferentes combinações por um mesmo livro. Vai depender da obra, do leitor e de sua circunstância. Antonio Carlos Villaça, um dos maiores leitores que o Brasil já teve, chama nossa atenção para mais um tipo de leitura: o “por amor”, para ele o mais relevante.
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Vejamos o que ele tem a dizer a respeito: “Não basta sair de si para ler. Não basta ir ao objeto. É preciso que a obra venha a nós. É preciso fazê-la nossa. Incorporá-la a nós. É preciso ler com amor. Quer dizer, tornar a obra participante de nossa vida”. E ainda: “O último grau da leitura é o da leitura por amor. Ler por amor é o verdadeiro, o único modo de ler bem. Há uma entrega total. Há uma espécie de transfusão da obra com o nosso próprio espírito”. Eis aí a “leitura por amor”. E vejo que esse necessário enamoramento do leitor com o livro é o que pode explicar o porquê de, numa livraria, sem buscar nada de específico e folheando aleatoriamente diversos volumes, elegermos apenas um ou alguns poucos para comprar, justamente os que tocaram nosso coração, os que despertaram rapidamente nosso interesse, nosso afeto particular de leitores únicos que somos. Daí, afora os casos de necessidade, ninguém levar para casa um livro se não for “fisgado” por ele. E esse amor “à primeira vista”, se confirmado pela leitura integral da obra, pode se transformar em afeição para sempre.

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Villaça falou sobre essa “leitura por amor” numa palestra que proferiu para estudantes de Fortaleza, em 1981. Entretanto, do alto de sua vasta experiência intelectual, ali advertiu a plateia imatura e atenta: “Ter os olhos nos livros e os olhos na vida. Ler também e sempre a grande lição perene do livro infinito da vida, a vasta vida, a vida numerosa, a vida múltipla, a vida sumarenta ... Lede, lede muito, lede tudo. Mas sobretudo vivei. Vivei intensamente. Ler é bom, escrever é bom, mas viver é melhor. Lede, para viver. Lede e vivei. O importante é viver ... Não hesiteis nunca. Entre a leitura e a vida, ficai sempre com a vida, com o movimento da vida, com a força impetuosa da vida”. Vejam só.

O celibatário Villaça, que levou a vida toda a ler e a escrever, sabia certamente do que estava falando.


Francisco Gil Messias é cronista e ex-procurador-geral da UFPB

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