Quando menos esperávamos, de repente a nossa vida estava cheia de netos. Logo cinco em apenas oito anos! E quase que por decreto fomos pr...

O prazer de sermos avós

ambiente de leitura carlos romero jose mario espinola prazer de ser avo dia do avo convivencia com netos

Quando menos esperávamos, de repente a nossa vida estava cheia de netos. Logo cinco em apenas oito anos!

E quase que por decreto fomos promovidos a uma classe maravilhosa e respeitável: a de Avós. Pois não estávamos preparados para essa promoção. Ou quase. O fato é que Ilma e eu passamos a desfilar com esse novo “crachá” entre os amigos e parentes.

Dizem que ser avô é ser pai duas vezes. Mas algumas coisas devem ser esclarecidas. Por exemplo: só existem netos porque existem (ou existiram) avós. Mas não se trata de uma obviedade, como vou demonstrar ao longo do texto. Não é uma coisa tão fácil assim, tem lá as suas responsabilidades, o seu trabalho.

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Toda avó, com a sua experiência acumulada, exerce essa função melhor do que qualquer avô, que continua tão desajeitado quanto no tempo em que foi pai, salvo raríssimas exceções. Mesmo as avós postiças, tias, são melhores do que o avô e o pai, pois isso faz parte da natureza delas, e a maioria substitui as outras avós com muito mais amor e carinho.

Em algumas famílias as avós são mantidas o suficiente para os netos usufruírem da pensão a que elas têm direito. São elas, assim, que sustentam a família. Encontrei casos assim, exercendo minha profissão. Imagino que isso deva acontecer em várias classes sociais. Revoltante!

Na nossa família menor, vovó Nair ajudou à criação de Ricardo. E vovó Laurita a criar Henrique. Graças a elas duas foi que Ilma conseguiu terminar a especialização. A minha avó Salomé Pedrosa, na antiga Misericórdia e hoje Itaporanga, entre outras habilidades era parteira. Direta ou indiretamente, ajudou a vir ao mundo 21 netos, e muito ajudou na criação de todos eles.

O trabalho dos avós começa quando os netos são ainda bebezinhos, e a gente se divide para tomar conta deles, limpar, dar banho, botar pra dormir embalando ao som de La Mer, por Ray Conniff, ou dançando ao som de Além do Horizonte, por Roberto Carlos. Demora um pouquinho pra adormecer, eu sei; mas o neném adora.


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O problema é que vicia, a menininha cresce, nossos braços e costas não aguentam mais. Afinal de contas, não é filho e sim neto, e a nossa compleição já é outra, são outras as articulações. Tudo tem o seu tempo: a natureza é sábia quando faz os filhos nascerem quando temos o melhor físico para isso.

O netinho ou a netinha cresce, e as responsabilidades mudam. As alegrias também. Deixam de ser trabalho braçal e iniciam um longo período de uns 9 anos de meninice, sendo muito gostoso ser avô nesse tempo. Temos todo o tempo para ensinar tudo o que sabemos de melhor, apurado ao longo das nossas décadas de vida.

A bem da verdade, a aprendizagem começa em torno do primeiro para o segundo ano de vida. Começamos com a “disciplina” Introdução à Natureza 1: a chuva, o vento a lua, o sapo, os piu-pius, as formiguinhas, o gafanhoto. Eles adoram, e isso vai servir de base para outras disciplinas mais complexas.

Depois do segundo ano o aprendizado continua com a “disciplina” Introdução à Natureza 2. Conviver com os bichos da casa: o gatinho, o cachorrinho, o papagaio, até mesmo o hamster, na ausência de um ratinho branco ou de saguis. Plantar pezinhos de feijão. Ensinar o valor da água.

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Com o tempo vamos ensinando coisas mais sofisticadas: bases da matemática, jogando ludo e xadrez. E ciências: experiências óticas com espelhos; magnetismo com imãs de tamanhos diversos; biologia com os bichos da casa, as lagartas, as minhocas. Ajudam muito coleções de insetos, verdadeiros ou artificiais. Ensinamos também ética e o respeito aos mais velhos.

Quando crescem mais ensinamos a dançar twist, bolero e cha cha cha. E roque, muito roque! Ao som de In the Mood, de Glenn Miller; Lets Twist Again, com Chubby Cheker; Mambo Nº 5 e Patrícia, de Perez Prado. Banana Boat, com Harry Belafonte. Tudo isso pode parecer pouco para vocês; porém será a base para o futuro hábito da boa música: jazz; bossa nova; xote, xaxado e baião.

A iniciação ao cinema se faz com os desenhos originais de Walt Disney, começando pelo clássico Fantasia. Depois emendamos com os desenhos de Tom & Jerry e Pernalonga, seguidos de filmes de Carlitos e o Gordo e o Magro. Já é uma boa base. E tudo entremeado por documentários sobre a natureza.

Quando o genro ou a nora são chatinhos e dificultam a aproximação dos avós, ou se escandalizam com os seus ensinamentos, existe o recurso extremo de dar uma cornetinha de presente ao netinho ou à netinha para eles tocarem em suas casas.

Graças à boa convivência de nós avós com os netos, presenciamos cenas inesquecíveis.
Brincadeiras à parte, não concordo com o lema de que “casa de avó é paraíso de neto.” Isso não é atitude responsável, pois provoca defeitos que dão muito trabalho para os pais corrigirem. Haja psicóloga…

Nos fins de semana conosco, os netos de 2 e de 4 patas proporcionam uma confusão alegre no nosso apartamento, bagunçando tudo. Um verdadeiro Tom & Jerry: o menino corre atrás da menina, a menina corre atrás da cachorra, que corre atrás da gata, que corre atrás da outra cachorra. Um show!

Às vezes faço circo com eles, canto e eles respondem comigo:

Eu: “Pompeu, Pompeu”/
Eles: “Tua mãe morreu” /
Eu: “A cabeça do palhaço” /
Eles: “Urubu comeu”
E caem na gargalhada...!

Depois vão embora deixando no apartamento um imenso vazio. E um imenso alívio nos avós! Mas aprendem a arrumar tudo, antes de irem embora. Ou quase tudo...

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Fazendo um retrocesso, a avó é uma das figuras mais respeitadas da civilização: la nona na Itália (“mangia che te fá bene!”), la abuela, na Espanha, babuchka, na Rússia, grand-mére, na França ou granny nos Estados Unidos, em todas as civilizações essas figuras, matronas ou miúdas, representam a base do desenvolvimento das famílias. Elas garantem a emancipação social e econômica das mulheres, ao cuidar de sua família para que as mães evoluam. Nem sempre são reconhecidas.

Encontramos na literatura muitas referências a essa verdadeira baraúna das famílias. Por exemplo: quem não se lembra de Dona Benta, de Monteiro Lobato? E foi graças à sua vovó Chapeuzinho Vermelho não foi devorada, pois o Lobo Mau perdeu tempo precioso devorando-a, quando deveria ter se dedicado a Chapeuzinho. Pois os caçadores não chegariam a tempo.

Graças à boa convivência de nós avós com os netos, presenciamos cenas inesquecíveis. Uma das lições que damos para os nossos netos é ensinar o hábito de urinar no sanitário, levantando-se com eles durante a noite. Para isso Ilma e eu nos alternamos. Certa madrugada acordei com Ilma entrando com José Ricardo semi-dormindo no banheiro, e dizendo:

“Faça xixi, José”
Xóóóóóóó.
“Muito bem. Agora balance a pintinha”
E ele, dormindo-acordado:
“Balança tu, vovó...”
“Balance você, seu cabrito!”

Perdi o sono, de tanto rir! Não há nada que pague momentos como esses!

Mesmo quando crescem, os netos continuam a dar prazer e trabalho para os avós. Porém a criação agora é outra. Os hormônios passam a se apresentar, e é aí que entram “os conselhos da vovó.”


José Mário Espínola é médico e escritor

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