Gonçalo Mendes Ramires é o fidalgo da Torre de Santa Ireneia , uma fidalguia que remonta a um período anterior ao reino e, portanto, anteri...

Tudo pelo País!

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Gonçalo Mendes Ramires é o fidalgo da Torre de Santa Ireneia, uma fidalguia que remonta a um período anterior ao reino e, portanto, anterior a Portugal. Falido no presente, Gonçalo vive do passado heroico dessa nobreza, que ele tenta reconstruir através de uma novela medieval, cujo único intento é, por intermédio da fama conseguida nas Letras, chegar à política, ser deputado. Eis aí, de modo muito sintético, o assunto desta obra-prima da língua portuguesa, A ilustre casa de Ramires (1900), de Eça de Queirós.

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Em uma noitada de tainhas e violão, no Gago, Gonçalo Mendes Ramires se desentende com o amigo João Gouveia, por conta do Governador Civil de Oliveira, André Cavaleiro. O motivo é que Gonçalo diz detestá-lo, achá-lo um malandro, enquanto Gouveia louva-o desbragadamente, dizendo-o um Hércules que pôs ordem nas cavalariças de Oliveira. Os amigos voltam às boas, abraçam-se e João Gouveia sai-se com um dito filosófico, que atribui a Aristóteles:

"Não vale a pena estragar boa ceia por causa de má política..."

Videirinha, o Videirinha do violão, poeta com versos de amor e patriotismo, que gemia sobre o pinho, ao cantar a Soledad, sai-se com uma tirada das melhores, resumindo toda a questão da política:

"Não vale a pena, Sr. Doutor [Gonçalo]... Realmente não vale a pena, porque em Política hoje é branco, amanhã é negro, e depois, zás, tudo é nada!" (Capítulo II)

Contextualizando a situação, esclareçamos que se André Cavaleiro é, agora, inimigo de Gonçalo, na juventude fora seu amigo, unha-e-carne. Gonçalo o ataca em conversas privadas e por cartas anônimas, que assina com o pseudônimo de Juvenal, o escritor latino (s. I-II d.C.).


As motivações para o ataque são mais de ordem íntima do que política. Na juventude, André namorara Gracinha Ramires e não levara o compromisso ao cabo. Gracinha, apesar de casada com José Barrolo, o bom Barrolo ou o “bom bacoco”, como o chama pejorativamente Gonçalo, ainda sente o mesmo amor por André. Gonçalo, percebendo a situação, vê a mágoa renascer e recrudescem as diatribes contra André Cavaleiro, o então inimigo férreo, de faca e bala.

Com a morte de Sanches Lucena, deputado por Vila Clara, o Círculo está aberto e o novo deputado será qualquer um, desde que indicado por André Cavaleiro, que tem o poder de fazer e desfazer na política da região. Em suas palavras, ele poderia fazer deputado até “o servente da repartição, que era gago e bêbedo” (capítulo V).

Gonçalo ouve o canto da sereia, vindo da boca de Gouveia, o delegado, seu amigo, mas partidário de André. O fidalgo se angustia entre a conquista da vaga de deputado e a possibilidade de esgarçar a sua honra, se indicado pelo inimigo figadal à vaga de deputado. Gonçalo arranja, então, todos os pretextos para ir ter com André; um deles é que ele precisa da intervenção do governador para punir alguém que o ameaçou.

Antes disso, Gonçalo admite que a amizade antiga com o Cavaleiro não está de todo desfeita, que Gracinha sabe defender sua honra, que prejulgar que o Cavaleiro a assedia e que ele, Gonçalo, com a amizade reatada, abriria as portas do quarto da irmã para o inimigo, é uma injúria; além do mais, Barrolo era “um marido brioso, marido rijo”...

No entanto, o maior pretexto é que reatar com o Cavaleiro e chegar a ser deputado é um sacrifício que Gonçalo fará para o bem do país! E em nome do país, tendo sido feito o convite por André, Gonçalo consente e verga a cerviz.
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Quando Gonçalo é criticado pelo amigo Titó pelo reatamento com o Cavaleiro e sua futura submissão, ele responde: “Na sociedade não há princípios absolutos!...” (Capítulo V). Grande Eça de Queirós!

Eis como se dão as coisas na política. Sem querer emendar poetas, como diria Machado de Assis, apesar de o nosso vate maior, Luiz de Camões, ter escrito um irretocável soneto, iniciando-o com o verso “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, ouso fazer uma atualização, para dizer que, em política, "mudam-se os tempos, não se mudam as vontades".

Na realidade ou na ficção, a honra se esvai, no momento em que as conveniências pessoais falam mais alto. Tudo pelo país, então!


Milton Marques Júnior é doutor em letras, professor, escritor e membro da APL

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