Deus não privilegia pessoas, por isso determinou que o dom do Espírito Santo se derramasse também sobre os gentios e, em consequência, Pe...

A vida é semeadura

ambiente de leitura carlos romero cronica conto poesia narrativa pauta cultural literatura paraibana milton marques junior parabola semeador espiritismo kardec reforma intima fe crista semeadura
Deus não privilegia pessoas, por isso determinou que o dom do Espírito Santo se derramasse também sobre os gentios e, em consequência, Pedro os batizou. Assim, está no Atos dos Apóstolos (Cap. 10, vers 34, 45 e 47)
.

Sabemos que, diferentemente do Velho Testamento, escrito para a comunidade hebraica e na língua que lhe era própria, o Evangelho foi escrito em grego, segunda língua da bacia do Mediterrâneo, para que atingisse todas as nações. Na época de sua escritura, entre os anos 60 e 70 depois de Cristo, o mundo mais importante estava construído em torno do Mediterrâneo ou Mare Nostrum, como diziam os romanos. Contudo, mais do que o latim, que se propagara para o norte e para o ocidente, o grego era a koiné, a língua comum nesse vasto domínio (estima-se que o texto de Mateus foi escrito entre 64-70, em Antioquia; o de Marcos por volta do ano 60 e dirigido à Igreja em Roma, sendo o mesmo presumido ano do de Lucas; já o Evangelho de João foi escrito, aproximadamente, no ano 70).

A grande lição que o Evangelho do Cristo propaga é sobre o Amor: Amar a Deus e ao próximo são os mandamentos. Não há necessidade de qualquer teoria, de qualquer explicação ou de qualquer exegese mirabolante para se entender isto. Amar a Deus e a seu próximo, nenhum sistema, muitas obras, sendo o amor a vereda que abrevia o Evangelho, o Cristianismo direto, como dizia o monsenhor Myriel Bienvenu, personagem de Os Miseráveis (Livro I, Capítulo XIV). A hermenêutica, portanto, não se aplica ao caso, pois a lição não é hermética. Doutrinadores, por razões óbvias, é que fazem um tour de force para parecer que o entendimento da lição do Amor é difícil. Eis um dos motivos por que, durante muito tempo, a Bíblia era leitura proibida para os que não pertenciam ao corpo eclesiástico. Se há dificuldade, ela reside não no entendimento da lição do Evangelho – palavra que, apropriadamente, em grego significa “a boa mensagem” –, mas na sua práxis, por isto mesmo o que se traduz comumente como Atos dos Apóstolos deveria ser chamado, como é em grego, de práxis ou de exercícios ou de ações dos apóstolos, pois a divulgação da boa mensagem deve ser um fazer diuturno e contínuo. Ato é fato acabado; ação é fato em continuidade.

E por que essa práxis é difícil? Porque devemos fazê-la sem cessar e isto requer trabalho, bastante trabalho. Não há Amor, nem entendimento do que seja o Amor sem trabalho. O Evangelho nos diz isto de muitas maneiras, uma delas é através da “Parábola do Semeador”, que se encontra em Lucas, 8, 5-8. Esta alegoria inicia com uma ação: “Saiu o que semeia a semear a sua semente” (ξῆλθεν ὁ σπείρων τοῦ σπεῖραι τὸν σπόρον αὐτοῦ). Veja-se que, contrariamente à tradição, o texto grego diz “aquele que semeia”, o que é bem diferente de “o semeador”. Do mesmo modo que ação é diferente de ato. O que semeia está diretamente na ação, enquanto a condição do semeador não o mostra, necessariamente, em atividade. Na parábola, a atividade é clara. Há uma ação em curso de alguém que semeia a sua semente.

O Padre Antônio Vieira, grande orador parenético, já chamava a atenção para essa sutil diferença no seu magnífico “Sermão da Sexagésima”. Não é apóstolo o que não se afasta para ser enviado a um trabalho (tradução literal do termo, em grego). Não é apóstolo o que não sai para pregar, assim como não é o que semeia o que não sai para semear. A semeadura exige um trabalho incessante de escolha e de preparo da terra, de seleção da semente, da época em que se pode semear e dos cuidados para a sua germinação e frutificação. Do mesmo modo, o apostolado é um trabalho contínuo, para fazer frutificar cem por um a palavra de Deus, que é a semente, em sua propagação pelo mundo conhecido de então, tendo como suporte a língua grega.

Cristo falava para pessoas simples – agricultores, pastores, pescadores –, que entendiam o que ele dizia, pois falava daquilo que era sua prática diária: o trabalho para a produção de alimento. Apenas ele usava uma forma alegórica, que transformava o alimento essencial à vida material, em alimento espiritual. A semente vai germinar e gerar o fruto necessário à manutenção da vida. O que semeia é o responsável por isso com o seu dedicado trabalho. O apóstolo ou o que propaga a fé cristã, afastando-se de sua comodidade para enfrentar o trabalho, torna-se o responsável pelo alimento espiritual, imprescindível à nossa evolução.

Em uma passagem do Evangelho Segundo o Espiritismo, lemos o seguinte:


“Ide, pois, e levai a palavra divina: aos grandes que a desprezarão, aos eruditos que exigirão provas, aos pequenos e simples que a aceitarão; porque, principalmente entre os mártires do trabalho, desta provação terrena, encontrareis fervor e fé”. (“Missão dos Espíritas”, p. 265, Capítulo XX).

Os grandes, evidentemente, na época de Cristo eram Herodes, Caifás e todos os que faziam a cúpula do judaísmo; os eruditos, eram os fariseus, doutores da lei; os pequenos e simples eram os trabalhadores e os pobres, que acompanhavam Jesus e o escutavam, reduzidos depois, como diz João (6, 66), a doze, destinados a fazer o trabalho da propagação da fé. Com a compreensão que temos hoje, somos muitos os que podemos propagar o Amor.

Ao fim e ao cabo, sabemos que é o trabalho, a dedicação, a fé, que nos conduzem ao caminho do Amor. Procurar ou aceitar o caminho mais curto é ceder à tentação do mais fácil, por ser mais sedutor. Há, no entanto, um alto preço que se paga por essa escolha. Cristo nos dá o exemplo, diante da tentação de Satanás, no deserto, mostrando que o caminho a ser trilhado deverá ser sempre o do trabalho, o da fé em Deus, não importa a dificuldade a se enfrentar, pois só vencendo as dificuldades é que as nossas conquistas têm valor. O que vem fácil vai fácil, como o diz muito bem a sabedoria dos mais velhos. O caminho laborioso do Cristo e a sua firme proposição em adorar apenas a Deus, seu pai, foi o que o fez conquistar o mundo, não a solução fácil e sedutora de Satanás (Mateus, 4, 8-10).

A vida é semeadura.

COMENTE, VIA FACEBOOK
COMENTE, VIA GOOGLE
  1. Em resumo Caro Milton Marques Junior!!!
    Simplesmente assim!!!
    """A VIDA É UMA SEMEADURA"""
    Paulo Roberto Rocha

    ResponderExcluir

leia também