Longe de querer provocar qualquer polêmica, reflito hoje sobre quando deve um artista parar de fazer o que faz há anos e ir, aos poucos...

A hora de parar

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Longe de querer provocar qualquer polêmica, reflito hoje sobre quando deve um artista parar de fazer o que faz há anos e ir, aos poucos, adaptando-se a uma nova realidade. Não falo aqui sobre se manter, ou não, em processos criativos e produtivos. Isso sempre será possível de ser ressignificado, independentemente da idade que possamos ter.

O tempo passa para todos e, também, para nossos ídolos. Daí pergunto: O melhor é parar, enquanto ainda se é ouvido, ovacionado e capaz de lotar estádios ou ir seguindo, arrastando o corpo até não poder mais nem se manter em pé em cima de um palco?

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Gilberto Gil joergens.mi
Tenho visto grandes despedidas, muito bem-preparadas e que deixam em nós um misto de “quero mais” e de “parou, por quê? Por que parou?!”. Um dos melhores exemplos tem sido o de Gilberto Gil, cuja turnê final está em curso, com sucesso de público e de crítica. É emocionante vê-lo em cena como se aquele fosse seu último dia, cantando devagar, com zelo e paciência, burilando cada som, mastigando cada palavra, sentindo cada emoção. É lindo!

Caetano Veloso já disse, dia desses, que vai se mudar de vez para a Bahia e que quem quiser vê-lo que vá até lá. É justo, não? Zeca Pagodinho é outro artista que tem dado sinais de cansaço e já afirmou que queria mesmo era ficar em casa para estar com os netos e vê-los crescer.

Um exemplo louvável é o de Fernanda Montenegro. Não a vejo mais em novelas e frequentemente atuando no teatro, mas, com muita lucidez, tem feito leituras de obras consagradas, juntando uma multidão para ouvir sua voz dando vida ao texto, primorosamente lido. É alguém que está, aos poucos, construindo uma maneira de continuar produzindo, mas sem a frequência e o movimento de antes.

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Ney Matogrosso Paris Filmes
O filme, ora em cartaz, que conta a trajetória pessoal e artística do grande Ney Matogrosso seria uma outra forma de se despedir, mesmo ele afirmando que não pensa em parar e que estará no palco enquanto puder? Trazer à tona detalhes da vida que teve e lhe forjou no que é hoje, é, sim, deixar um legado para que futuras gerações entendam quem foi, a que veio e quais contribuições deixou.

Alguns cantores conseguem, ainda, ir muito longe, e vão, paulatinamente, adaptando-se às novas condições físicas para se manterem firmes e fortes. Muitos passam a dividir o show com outros talentos ou com os mais jovens da própria família, cantam sentados e fazem shows mais curtos.

É claro que há aqueles que, mesmo querendo, não podem parar, porque, se não trabalharem, terão dificuldades para se manter. Ser artista ainda é, para muitos, uma profissão muito insegura. Poucos têm conseguido desfrutar, economicamente falando, de um final de vida digno, quando se aposentam.

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Greta Garbo CC0
Penso que é preciso ter coragem e se preparar para deixar os holofotes. Porque parece que é melhor parar enquanto ainda se tem algo a oferecer e, por isso, ser lembrado, do que não dar conta das apresentações e precisar se afastar mesmo assim.

Não somos eternos, infelizmente. Envelhecer é natural e provável. É importante, então, que, a cada ciclo de nossa vida, possamos aproveitar o que ele oferece de melhor, sem que forcemos a barra para parecer que somos capazes de fazer tudo como fazíamos antes. E, embora recalculando rotas, ainda seremos os mesmos, pois a essência do que somos permanece e ficará nos feitos e no legado que deixarmos para as futuras gerações.

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