O que se observa na poesia brasileira contemporânea é uma verdadeira enxurrada de livros que pretendem apreender o momento conturbado por ...

A poesia panfletária

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O que se observa na poesia brasileira contemporânea é uma verdadeira enxurrada de livros que pretendem apreender o momento conturbado por que passa o Brasil, espécie de Titanic à deriva, desgovernado, cujo capetão, sem diário de bordo, erraticamente, o abalroa a cada instante contra os icebergs da insensatez.

Por aí já se conclui que motivos não faltam para indignar os poetas de bom senso, embora não faltem também aqueles que, na contramão dos princípios fundamentais da democracia, façam coro com o “Pátria, família e Deus acima de tudo”, um dos lemas que resumem exemplarmente o ideário neofacista da trupe miliciana. Isso sem contar os omissos de todos os gêneros, para os quais Dante Alighieri dedicou as seguintes palavras: “No inferno os lugares mais quentes são reservados àqueles que escolheram a neutralidade em tempo de crise”.

Ocorre, porém, que a indignação é má conselheira, sobretudo quando o poeta deseja transformá-la em poema, pois, escrevendo no calor da hora, no olho do furacão, ele tem tudo para esquecer a sábia lição de Wordsworth: “A poesia é emoção recolhida na tranquilidade”.

Quando Ferreira Gullar recorreu à literatura de cordel como instrumento de doutrinação para despertar a consciência adormecida dos leitores, justamente por ser esse um gênero mais acessível, mais palatável, nada ou quase nada acrescentou à sua obra, embora não se deva nivelar os seus livros de poemas engajados com a safra dos livros participantes de hoje, a grande maioria natimorta, já que repousa na vala comum onde jaz a pretensa poesia de extração unicamente política. Comparados com esses, os livros de Gullar são obras do mais fino lavor.

Nesse ponto, cabe observar que a literatura só faz revolução no âmbito da linguagem, dentro dos seus próprios limites, jamais fora dos seus domínios, de sua circunscrição, sendo-lhe praticamente impossível instaurar uma ruptura com o status-quo, com o estamento social.

Mas a boa literatura pode provocar, sim, uma espécie de revolução silenciosa, pois ao término de um livro de ficção ou de um poema, o leitor já não é o mesmo de antes, uma vez que passa a adquirir uma nova percepção da vida e do mundo.

Os poemas excessivamente políticos, por serem geralmente diretos, objetivos, desprezam as metáforas, o jogo imagético, o apuro formal, na medida em que apostam na mimese como único recurso capaz de captar a realidade em toda sua completude, como se ao eu-lírico cumprisse apenas a tarefa de testemunhar os fatos e de esmiuçá-los à semelhança dos realistas empedernidos, de carteirinha, que, pretendendo ser mais realistas do que a própria realidade, só se dariam por satisfeitos caso pudessem dar conta, tim-tim por tim-tim, com uma precisão milimétrica, “(...) do número exato dos fios de que se compõe um lenço de cambraia ou um esfregão de cozinha”.

Se os vanguardistas mais ortodoxos apostavam tão só no virtuosismo verbal, nas paronomásias, no jogo de palavra-puxa-palavra etc., a maioria quase absoluta dos poetas engajados atenta menos na textura do poema do que na carnadura da realidade objetiva, que, nos seus poemas, já vem pronta e acabada como um prato feito para ingestão dos incautos e para a indigestão de leitores que sabem distinguir entre a poesia política de alto nível e a poesia meramente panfletária, tribunícia, muitas vezes vociferante e até mesmo histérica, que não fala nas entrelinhas, nos meios-tons. Poesia que se nutre do dejà vu, das metáforas envelhecidas, das catacreses, de uma espécie de pot-pourri de tudo o que já se escreveu sobre a liberdade e a repressão.

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