Estamos em agosto ou em dezembro? Inverno ou verão? Será que o calendário corresponde às mudanças que estamos percebendo? Esses questionamentos surgiram com a observação de fatos recentes.
No último final de semana, uma cor amarela aparecia em meio ao verde, na estreita faixa florestal, motivando paradas estratégicas para fotografias. E, com uma aproximação maior, a confirmação: A estrada para Natal surpreendia, com novidades! Eram flores de Pau-Ferro, na copa das árvores e os arbustos da Rosa Brasileira, e ainda umas delicadas, em cachos da Acácia Sena. Riquezas da Mata Atlântica que ocorrem no verão, (principalmente as duas primeiras), com os Ipês promovem um espetáculo de cores, aromas e beleza. Mas, ainda teremos vários meses para esperar…
Com a redução dos casos de COVID, a necessidade do retorno presencial tornou-se uma possibilidade real. Quantas saudades desse trajeto diário... “Não há dúvida que a memória é como o ventre da alma” (Santo Agostinho).
No entanto ao passar o cartão do estacionamento, nada de abertura da cancela... estava bem colocado, o que acontecera? Divagando sobre hipóteses, um funcionário informou que houve uma mudança de empresa responsável e que teria que confeccionar um outro tipo de documento de acesso!
Ao entrar no elevador, uma desagradável constatação; mais cinco pessoas esperavam para compor as seis permitidas!
“O tempo e o espaço, este nas suas três dimensões, são contínuos” (Shopenhauer).
A fechadura ainda ofereceu certa oposição ao giro, por desuso prolongado, mas cedeu enfim, e, um cheiro de couro e tinta inebriou o olfato, aquele mesmo das coisas novas, ficou preso, esperando acolher os pacientes. Revistas datadas de março de 2020, uma com involucro intacto...
Ironicamente um parceiro de trabalho foi “esquecido” na mesinha de apoio ao divã. Com o tempo parado, o relógio de pulso, cansado de aguardar, zombava da desorientação têmporo-espacial da intrusa. “Quanto mais areia escorre no relógio de nossa vida, mais claramente deveríamos ver através do vidro” (J. P. Sartre).
Na parede, o painel artístico, retratando o sítio da irmã, que só foi visto por fotos e vídeos, durante a pandemia. Pleno de novas espécies, uma estufa a proteger as mais sensíveis, a coleção de Araceae, despertando curiosidade, mas crescendo em singularidade. A música clássica, silenciada, à espera que o “tal tempo” a solicite novamente.
“Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu não olhava o relógio, seguiria sempre em frente, e iria jogando pelo caminho a casca inútil das horas” (Mário Quintana).
O desejo de voltar tinha o reforço do medo, afinal os dois pertencem à mesma balança, em pratos diferentes. “Não tenho medo do escuro, mas deixe as luzes acesas” (Renato Russo).
Uma decisão a ser pensada criteriosamente... sem pressa, sem afetos, mas com segurança.
“Desejo é o impulso de recuperar a perda da primeira experiência de satisfação” (S. Freud).
E, no caminho de casa, uma imagem do novo, na calçada de um Edifício Comercial recém-concluído, as palmeiras oprimidas ganharam companhia de classe: Resedás floridos! Planta de origem chinesa/indiana, que apresenta uma variação de cores, branca, rosa em seus mais variados tons, e roxa. Sempre associada ao verão, com o auge da floração em dezembro.
Depois de vivenciar o inimaginável, realmente algo diferente está no ar, na vegetação, e por que não, na nossa alma? O verão “pode” mudar de época, as flores “podem” preferir o inverno, o inverno “pode” namorar o sol, o Pau-Ferro “pode” decidir florescer com esse clima, e os Resedás “podem” enfeitar nossas ruas e jardins em julho, lembrando que o Natal está chegando, bem como a vida que aos pouco volta para todos nós, independentemente do tempo, e do que foi perdido.
“Vê, estão voltando as flores,
Vê, nessa manhã tão linda,
Vê, como é bonita a vida,
Vê, há esperança ainda”. (Música de Helena de Lima)