Tomei conhecimento de que choveu em Serraria e em todo entorno. Água que desceu pelas encostas, correu pelos regos para desaguar em ...

Choveu no meu roçado

Tomei conhecimento de que choveu em Serraria e em todo entorno. Água que desceu pelas encostas, correu pelos regos para desaguar em barreiros e alagou baixios. Quando chove na região, logo brotam as florezinhas brancas e amarelas nos campos. Nos aceiros dos caminhos o orvalho molha as canelas de quem passa. O perfume da terra molhada faz esquecer os dias e os momentos tormentosos do período da estiagem.

No meu tempo de menino, a partir do que escutava na bodega de papai, imaginava a seca sendo coisa terrível no Sertão e nos Cariris. As notícias chegavam pelo boato de tropeiros e pelos relatos dos folhetos de cordel comprados na feira de Arara, porque jornais não chegavam ao sítio.

Roberta Alves
O tempo passou, e agora no Sertão nem se fala em seca prolongada como antigamente, coisa que está no registro de romances, nas xilogravuras, nos folhetos de cordel e na memória dos mais velhos. Lugar onde muita coisa tem sido feita para amenizar os efeitos da seca. Ao contrário do Brejo que, desde os tempos remotos de matas virgens até a chegada da cana-de-açúcar e do café, a chuva abundava, tudo na terra se reproduzia. A abundância de chuvas nunca levou a se pensar em falta de água na região. Mas chegou de forma arrasadora, como temos visto.

Em poucas décadas o desmatamento descontrolado para a prática da pecuária inadaptável à região, aflorou como substituto da cana e do café. O que seria uma saída econômica, logo se transformou em pesadelo. Sem vegetação consistente das encostas ao corruto das serras, a Natureza deu a resposta à insensatez do homem pelo lucro.

Quando passava gente procurando trabalho nos engenhos em período de moagem, geralmente a partir de setembro, vinda do Curimataú e de outras regiões onde a estiagem torrava a paisagem e secava açudes, escutava meu pai falar da seca de 77 quando, em Arara, à sombra de baraúnas, famílias recebiam a acolhida de Padre Ibiapina e recolhiam a caneca com água para molhar a goela seca, um punhado de farinha e rapadura.

João Coimbra
A estiagem que ficou na minha memória de criança aos três anos de idade foi a de 1957, quando Antônio Alexandrino recolhia palha seca de milho no roçado para alimentar o gado. Outros momentos de estiagens vieram, mas em menor intensidade. Em 1989, o então prefeito Roberto Bernardino chamava a atenção para a situação que preocupava quem, até pouco tempo, estava acostumado com a abundância de água em cacimbas e barreiros.

Desde então, pouco foi feito no sentido de preservar o meio ambiente, que seria uma ação de gestores públicos visando replantar o que a cana e a pecuária destruíram. Acostumados a viver cercados por um mundão verde e alagado, sem o sol a esturricar roçados, agora os brejeiros amolecem e choramingam mesmo em estiagem de pequena proporção. A falta de água se repete a cada ano, sendo preciso recorrer ao carro-pipa.

Há muito tempo deveria ser realizada ação para recuperar as nascentes dos riachos, reflorestar as beiras dos açudes como se previa. Nada disso aconteceu. Serraria e seus arredores estão a necessitar cisternas e recorrem a carro-pipa para ter água em casa.

Roberta Alves
A preocupação do prefeito de Serraria em 1989 continua atual. Aos administradores municipais cabe montar estratégias que possam, a longo prazo, amenizar a situação de uma região que sempre foi considerada um paraíso. Voltar a ter a abundância de água passa, necessariamente, pela recuperação da camada vegetal ao redor das barragens.

A região, por mais desértica que seja, com o plantio de árvores, com o tempo se transforma com a água retida na terra.

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