Fui juntar-me aos convidados da Fundação Casa de José Américo nas homenagens ao escritor, no seu dia, e terminei postado, setenta anos...

Que hei de querer mais?

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Fui juntar-me aos convidados da Fundação Casa de José Américo nas homenagens ao escritor, no seu dia, e terminei postado, setenta anos atrás, diante da janela onde se debruçava o patriarca da classe, o cego velho Coriolano de Medeiros. É que todos os dias, rapaz, quando atravessava a General Osório a caminho do trabalho, via-me diante do janelão onde, de grandes óculos escuros, Coriolano vinha conferir as imagens que as ouças sugeriam. Rua em que deve ter vivido os seus grandes dias.

Diferente dele, que se via cego mas entesourava em si o mundo que o cercava, ali no auditório eu via tudo, desde o público aos da mesa, a eles me associava, mas não ouvia nada. A surdez me tirava de tempo.
IHGP
E ver, que é tudo, ali não bastava. Adivinhava as palavras do presidente da Casa, dos demais oradores, do homenageado da Casa, o escritor e poeta Hildeberto Barbosa, mas pouco recolhia da substância.

E aos poucos fui me desolando, saindo de mim sem deixar o auditório ou levantar da cadeira. Vendo-me, num travelling, de volta súbita ao janelão antigo do fundador da Academia, que pressentiu minha presença duvidosa, se de um curioso ou de um admirador.

“Quem está aí parado?” – indagou de boa voz e sem desconfiança. Eu disse quem era e onde começara a trabalhar. Que lá seu nome era sempre referido na conversa dos ilustres.

- Você trata com José Leal?

- Sem intimidade, mas já recebendo tarefas de repórter.

E me mandou entrar, lá de dentro vindo uma senhora de meia idade abrir a porta. Caminhou sem recorrer ao tato na procura da cadeira e deixou cair a mão grande no meu ombro, fazendo sentar-me. Tocou nos meus cabelos e perguntou se eu era caboclo.

IHGP
“É como meu pai me chamava. Só faltou que me preassem na mata”.

Tomamos café de bule com bolacha “regalia” e até hoje não entendo como não cultivei com frequência a sua casa. Moço, cheio de ansiedades, eu não ficava à vontade naquela escuridão dos seus olhos. Mas li toda ou quase toda a sua obra. O “Dicionário Corográfico” é que vim ler bem depois, quando o correr do tempo e das transformações já agregava ao verbete geográfico um sentido histórico.

É o que vim destacar em prefácio que me foi confiado para a edição mais nova, reimpressa há seis anos pelo Instituto Federal de Educação, já na gestão do professor Cícero Nicácio.“O verbete que em 1910 valia, sobretudo, pela geografia física, pela etnografia, (...) vale hoje e em todos os tempos futuros como denúncia ou dado vivo de um comportamento, de uma tendência histórica envolvendo a terra e o seu agente, o homem.”

IFPB
E vem meu isolamento no auditório de agora, na justa e acertada homenagem ao amigo Hildeberto. “Por que você não usa um auditivo?” Venho tentando, tentando sem muita diferença. As ouças, aliás, nunca me foram essas coisas. O velho José Leal, lembrado nas perguntas de Coriolano, articulava os lábios e muito pouco as palavras. Eu penava para obedecê-lo. Mas leio bem, mesmo sem dar vencimento à rica produção dos nossos escritores. Que posso querer mais?

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  1. São saudades que bem nos mostram como era a cidade e seus viventes.
    Enquanto residindo ali perto, na Rua Duque de Caxias, quantas vezes integrei-me a uma turma de "moleques" que curtiam o calçadão da Rua Nova, parando para ouvir a sabedoria daquele "velho" professor que nos contava tanto da Paraíba, onde nascemos.
    Pena que a memória histórico-social de nossa terra, não lhe faça a justiça que merece.

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