No mais famoso diálogo d'A República, de Platão, Sócrates induz Glauco e Adimanto a imaginarem uma caverna onde humanos estão presos desde a infância. Suas pernas e pescoços estão acorrentados, de modo que só enxergam o que está diante deles.
Na caverna há uma entrada pela qual chega a luz de uma fogueira acesa na colina que se ergue por trás dos acorrentados. Entre o fogo e os prisioneiros passa uma estrada, na qual há um pequeno muro.
Sócrates especula sobre o que aconteceria se alguém libertasse um desses prisioneiros e lhe mostrasse sua ignorância. Ele poderia mover o rosto, caminhar e contemplar a luz da fogueira, mas seus olhos estariam despreparados. Sua mente acostumada às sombras se refugiaria nas antigas memórias. Os olhos feridos pela luz ofuscante do sol não distinguiriam os objetos reais que lhe mostrassem.
Arrancado à força da sua caverna e obrigado a trilhar o caminho rude e escarpado, acreditaria ser vítima de grande violência. Só aos poucos habituaria os olhos e distinguiria as imagens até aprender os detalhes do que chamamos mundo e seu funcionamento. A história prossegue, com esse liberto lembrando-se de sua primeira morada e de seus companheiros de cativeiro. Lamentaria os que lá ficaram. Voltaria, tentaria esclarecê-los. Em vão. Estes estariam acostumados à sombra. Pior: entre eles haveria os “doutores” que reforçariam suas visões equivocadas. Rir-se-iam-se dele. Poderiam até matá-lo.
Detalhe da litogravura "Caverna de Platão", de Jan Pietersz Saenredam, 1604 ▪ Rijksmuseum ▪ Amsterdã
A luz nos ofusca e incomoda. Qualquer sinal de mudança é um choque a nos apavorar. Resistentes a qualquer alteração no que julgamos ser o caminho certo, encharcados de certezas e dogmas, perdemos o bem mais precioso: a capacidade de questionar, duvidar, examinar e aprender com a observação e a experiência.
Abrir a mente ao exame racional ainda é um desafio para grande parte da humanidade. Mais fácil acreditar na corrente do WhatsApp.