PARANOIDE CAMARÁ Já marquei as circunstâncias com alfinetes coloridos Não me perderei revirando prejuízos no Nada E...

O horizonte é o fluido que deságua na morada do abismo

poesia capixaba jorge elias neto
 
 
 
PARANOIDE CAMARÁ
Já marquei as circunstâncias com alfinetes coloridos Não me perderei revirando prejuízos no Nada E se a imprecisão no poema for uma renúncia, um estar solidário ao conjunto dos passos autômatos, rítmicos, dos exércitos, me calarei de desprezo pelo ofício da escrita.
PORQUE CARECEMOS DA ILUSÃO
Precisamos de um novo herói, de um mago, de um mestre dos tempos, que nos corrompa e seja obsceno, que nos derrame o sangue de seu afeto e nos apresente os desígnios das nuvens. (Um bom naco de loucura deixado em nossas bocas; um tanto de ocaso em nossos olhos, mirando o balão negro da saudade.) Precisamos de um novo herói, um mago de cabeça chata, sertaneja, que emancipe os suicidas nos beirais das pontes, que distribua balas em dias de chuva e cure a paralisia dos que não sonham. Precisamos de um novo herói, que o acaso é um outro tempo e a humanidade é de outro homem.
O NEGRO DOS OLHOS
Céu, novelo azul de vazias formas, o que me assombra é o rodar da terra ─ eterna ciranda dos corvos ─ e os carrosséis repletos de sonhos. Esse círculo que contorna a Fortaleza é um abismo imenso onde grilhões em feição de olhos te observam. (O núcleo dispensa a ponte sobre a rêmora das águas da contradição.) O olhar posto na fenda é teu privilégio de capturar a luz da realidade. O posto, esse existir ̶ estático ̶ te aproximou da Musa do assombro. O horizonte é o fluido que deságua na morada do abismo.
O GRANDE ENREDO
O enredo da bala cruzando os olhos do pátio ‒ fingindo inocência O milésimo seguinte ‒ oculto ‒ no debrum do tempo O bolso vazio do corpo embalado em papelão num beco de saudosas paisagens A verdade do paquiderme cobrindo os olhos com enormes orelhas O rústico desfiando o pelo do urso sob os pés enlameados As lantejoulas vestindo perdulários na simetria dos quatro cantos da casamata A textura vulgar do remendo da insensatez A pústula que não rompe não vasa pois já não importa. Sentimento de mártir: cravar estacas e chamá-las realidade.
CARNAVAL
Ia contornando os risos, e os ganzás e os guizos batucavam a indiferença que não era deles, mas minha. Minha por saber-me, simplesmente. E o recato era o canto de antanho, um desespero de saber-me gente, parte, recorte, contorno da desesperança. Ia como se fosse, passando entre os caminhantes e cordões de taróis, repiques, e os gritos agudos dos enredos que buscavam ecos. Ia, assim como se esvai o brio dos heróis, trocando pernas, percorrendo as vadias noites de insônia. Já conhecia a máscara dos foliões, eram as mesmas dos anos da promessa do nascimento de Deus entre os homens. Só os surdos diziam a verdade, e ela marcava meus passos de homem errante.

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