There are more things in heaven and earth, Horatio, than are dreamt of in your philosophy” William Shakespeare É verdade. Cada vez ma...

Entre o Céu e a Terra

jabuticabeira arvore cronica paraibana
There are more things in heaven and earth, Horatio, than are dreamt of in your philosophy”
William Shakespeare

É verdade. Cada vez mais dou conta que entre cá onde estamos nós e lá em cima, há muito mais coisas do que podemos supor ou entender. Claro que não sou Horácio que tinha sua própria filosofia. Eu, modestamente me contento com uma forma particular de ver o mundo, e paro por aí. Mas, ter uma filosofia? Quem sou eu no frigir dos ovos? Uma versão tupiniquim de Aristóteles, de Platão, de Santo Agostinho ou de outros com tamanha envergadura intelectual?

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Mas, não é por essas discussões que quero ocupar esse espaço generosamente concedido pela editoria desse tradicional noticioso. Acho muito pretensioso dizer “minha filosofia”. E não é? Mas vamos em frente, já que o foco é outro.

Realmente, há coisas que fogem ao nosso entendimento. Semanas atrás publiquei nesta coluna a crônica “A jabuticabeira de Eneas”. E do que se tratava?

Eneas foi meu companheiro de giz e de copo lá nos primeiros anos da década de 1980. Foi quando, esse meu amigo resolveu fugir daquele pedaço de mundo onde ainda pode-se cruzar a Ipiranga com a Avenida São João. Sabem onde é, não sabem? Eneas pegou o beco. E o que fez?

Entre Caraguá e Ubatuba, num canto de mundo onde a Rio-Santos se afasta do mar, comprou um pedaço de terra na Praia de Fortaleza. A energia elétrica ainda não chegara lá. Ali fez uma casinha de quatro cômodos mais banheiro. Ele, a mulher Mariângela e mais dois bacurizinhos, Jetra e Maraí e foram respirar ar puro, longe daquela pauliceia desvairada.

Aquele teto abrigou-me com mulher de dois pedacinhos de gente alguns fins de semana. Eu, criatura pouco ilustre, e também gente de mais brilho, como Rauzito, o Raul Seixas. Aliás, ao jeito de Raul, Eneas tinha um modo muito particular de ver o mundo. Diria até que se pareciam muito.

Foi esse meu amigo que me presenteou com um elepê do grupo Premeditando o Breque (o Premê). Aquele “bolachão” de vinil derramava um humor sutil, irônico; a cara de Eneas. Para resumir, esse meu camarada era um talento que transcendia as mesmices que estão por aí tentando nos envenenar.

Numa das vezes que estive por lá levei uma muda de jabuticabeira e plantei no quintal em lugar de chão úmido e de Sol pleno. A danada cresceu e frutificou. O tempo, a profissão, o destino enfim, afastaram-me daquele pedacinho de mundo e, é claro, desse meu amigo. Já aqui na Paraíba, certo dia recebo uma ligação. E de quem? De Eneas que me trouxe a boa nova: A árvore que você plantou está assim de jabuticaba.

Dai para frente perdemos o contato. Coisa de uns dois meses atrás, nem sei o porquê, lembrei-me em roda de amigos, das “tiradas” bem humoradas, a ironia fina, o humor ácido desse meu parceiro. Resolvi dar uma busca nas redes sociais. Queria encontrá-lo para, como se diz, trocarmos algumas figurinhas, relembrarmos o passado e colocarmos a conversa em dia. Procura daqui, procura dali, encontrei Mariângela no feicebuque.

Ufa! Mas cadê o Eneas? Ah, Eneas estava partindo. A vida dele, como uma velinha, estava no fim, apagando. Não conseguia mais falar e com dificuldade digitava ali no WhataApp e esse foi o jeito de nos comunicarmos.
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N. Becker
Cheio ainda de esperança, via com otimismo alguns tratamentos alternativos que estavam surgindo. Mas não deu tempo. Numa segunda-feira azul, na cor que ele gostava de ver o mundo, bem quando o Sol estava a pino, ele se foi. A notícia chegou-me horas depois e me derrubou.

Ainda teve tempo de me dar um grande presente. Seu último contato foi para me mandar a letra do “Samba do Faraó” de Eduardo Rocha e Pedrão Vieira, que ouvi e apreciei 40 anos atrás. Uma composição com a bossa de samba-enredo e cheio das ironias, cheio de bom humor, como Eneas gostava de levar a vida.

Ah, meus amigos, minhas amigas, o fim faz parte da vida. É natural que um dia partamos. Mas onde está o mistério? Há aí algo tão misterioso que não possa conceber “nossa filosofia”?

Há sim. O que nos últimos meses me fez lembrar constantemente desse camarada nas rodas de amigos, em conversa com parentes? Que impulso foi esse de me levantar de madrugada e tomar aquela decisão: Vou achar aquele danado!

Era como eu estivesse com uma dívida para pagar. Por que esses impulsos não vieram no ano passado, na pandemia, ou antes? Por que só agora nos últimos minutos da prorrogação? Por quê? Aí, o detalhe que me faz pensar nos mistérios que estão entre o céu e a terra. Por hora, é só.

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