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Por que se diz “fazer ouvidos de mercador”?Na pesquisa das origens de frases feitas (Origens de anexins, proloquios, locuções populares, siglas etc. 2.ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1909), Castro Lopes deu asas à imaginação, e muitas de suas hipóteses devem ser descartadas, por carecerem de explicação convincente.
Há casos de monotongação e de mudança de timbre em verbos, na pronúncia popular dos nomes homógrafos, como “róbo” (verbo roubar), a distinguir-se de “rôbo” (roubo, substantivo). Não é esse o caso de “leigo com leigo”. Castro Lopes também não explica o rotacismo (mudança de l para r) na sílaba inicial de “clérigo” (cré). Melhor hipótese é a de João Ribeiro, ao propor “lei com lei, credo com credo” (RIBEIRO, João. Frazes feitas. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1908): pode ter faltado a explicação da mudança de “lei” para “lé”, mas, pelo menos, não foi preciso explicar a evolução de “credo” para “cré”. Vasco Botelho do Amaral, em Meditações críticas sobre a língua portuguesa (Lisboa: Edições Gama, 1945, p.120-l), cita, sem explicar, a locução “da mesma lé”. Seria sinônimo de “laia”?
Está neste caso a expressão “fazer ouvidos de mercador”, que Castro Lopes explicou como corruptela de “fazer ouvidos de mau credor”, sem explicar como se deu a confusão entre “mau credor” e “mercador”, ou como se processaram as alterações fônicas. João Ribeiro acha que, na expressão, “mercador” é mercador mesmo, que, por gritar a plenos pulmões suas mercadorias em via pública, fez crer aos que o ouviam sua condição de mouco.
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Por que o homem brasileiro simples chama a esposa de “patroa”?A ideia é sutil. Um patrão não é apenas um dono. O patrão é a pessoa para quem se trabalha, aquele que é beneficiado com o produto do trabalho assalariado de alguém que está a seu serviço. Ora, a esposa, que, na sociedade patriarcal, não trabalha fora de casa, é a beneficiária do trabalho do marido assalariado. Em outras palavras, a mulher que é apenas uma dona de casa é a patroa, porque o marido trabalha para ela!
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Por que velhos são “coroas”?Quando houve a proclamação da República, tudo o que era imperial passou a ser sinônimo de coisa antiga. Em seu Novo dicionário da gíria brasileira (3.ed. Rio de Janeiro: Tupã, 1957, s.v. – a 1ª edição é de 1945), Manuel Viotti define “coroa” como gíria militar, com o sentido de “antiguidade, a monarquia decaída”. Por força do recrutamento obrigatório dos jovens de 18 anos, que, findo o treinamento, voltam às atividades civis e difundem a linguagem da caserna, muitas palavras da gíria militar acabam adquirindo foro de universalidade.
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Por que se diz “conto do vigário”?A palavra “vigário” vem do latim vicariu-, que significa “substituto”. Isso quer dizer que o sacerdote é chamado vigário por ser um substituto do bispo, numa paróquia. O Papa é chamado de “vigário de Cristo”, isto é, o substituto de Cristo. É nesse sentido original de substituto que se chama “vicário” (com c, por ter entrado na língua por via erudita) o verbo que, numa oração, substitui outro, da oração precedente, como em “Se ele pergunta é porque não sabe”, onde o É está no lugar de PERGUNTA.
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Por que “amigo da onça”?Alguns autores fantasiam a origem da expressão popular “amigo da onça”. Magalhães Júnior, em seu Dicionário brasileiro de provérbios, locuções e ditos curiosos (4. ed. Rio de Janeiro: Documentário, 1977, s.v. amigo da onça), conta a seguinte história: um caçador mentiroso dizia que fora acuado por uma onça de encontro a uma rocha. Sem armas e sem ter como fugir,
Ora, “onça”, na expressão em estudo, não designa o felino, porque está no sentido clássico de “miséria”. “Estar na onça”, para João Ribeiro (Frazes feitas, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1908, p. 125-6) é estar na penúria. A libra tem doze onças. Estar na undécima onça é estar quase na miséria. João Ribeiro refere-se à expressão também em italiano: “su l’undic’once”, isto é, na undécima onça, quase na miséria. Macedo Soares (Dicionário brasileiro da língua portuguesa. Rio de Janeiro: MEC/INL, 1954, vol. I; 1955, vol. II, s.v. onça) explicita que “estar na onça” é “loc. dos estudantes, não ter vintém”. Quem só tinha uma onça procurava guardá-la ou evitava gastá-la, para não ficar a zero.
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Por que o mau motorista é barbeiro?Viterbo afirma que barbeiro era o oficial “que se ocupava de alimpar açacalar, dar esmeril e guarnecer as espadas, adagas, etc.” (VITERBO, Joaquim de Santa Rosa. Elucidário das palavras, termos e frases que em Portugal se usaram e que hoje regularmente se ignoram. Edição crítica de Mário Fiúza. Porto: Civilização, 1965, s.v. Barbeiro das espadas.). O dicionário de Moraes Silva
Ora, quando um barbeiro era infeliz em alguma missão diferente daquela que lhe garantira o nome da profissão — ater-se à barba e ao cabelo — o povo lembrava que o insucesso da empreitada era “coisa de barbeiro” e não de médico ou de dentista especializado. Por extensão, era chamado barbeiro quem fazia de modo infeliz alguma coisa para a qual não era profissionalmente preparado. Um motorista, consequentemente, é barbeiro quando realiza algum tipo de manobra que denota a sua inabilidade ao volante ou a sua falta de vocação como condutor de veículo.