Antes de tudo devo esclarecer que sou um passarinho. Canto um pouquinho e sei que há gente por aí que aprecia quando abro o bico e solto meus dó-ré-mis, Não chego a ser um uirapuru, um sabiá, um curió, mas canto e é o que importa. Já, quanto à minha plumagem, nada que me faça especial, meu negócio é cantar. Queria ter a beleza de uma jandaia, mas... E por que começo aqui fazendo essa minha apresentação? Se tiverem paciência vou compartilhar nesta tradicional gazeta algumas preocupações, digamos, ornitológicas. Creio que partilharão dessas apreensões. Então, vamos lá.
Uirapuru Wikiaves
Aqui, neste pedacinho de mundo de onde faço agora me ouvir, há um lugar que o Todo Poderoso nos reservou. Fez um santuário por onde toda a passarada pode aparecer. Primeiro edificou um grande viveiro com a pretensão de que fosse um local de encontros dessa nossa comunidade empenada. Seria de onde Ele pudesse admirar o melhor de Sua obra. Sim, isso mesmo, nos admirar, os passarinhos Afinal, não foi Ele quem nos criou? Mas impôs uma condição para colocar ordem no pedaço. Atendendo essa demanda nos dividiu em duas categorias: os visitantes e os efetivos. Já vou esclarecendo que sou um visitante, assíduo, mas só isso. Ser efetivo, segundo a lei dessa confraria, deve-se atender a dois requisitos: ter uma bela plumagem ou um canto melodioso. E assim se fez.
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Muito metódico, Nosso Senhor, escolheu quatro dezenas dentre nós que atendessem suas exigências e determinou que naquele santuário cada ave escolhida teria seu próprio poleiro e estes foram numerados de 1 a 40. O poleiro número 1 ficou com o sabiá e o número 2 com o pavão, obedecendo respectivamente, os critérios de canto melodioso e plumagem exuberante. E aí as escolhidas foram recebendo seus poleiros, o curió, o pintassilgo, o galo-de-campina, o bem-te-vi, o canário da terra (o do reino também), o coleirinho, o papa-capim, a maritaca, uma periquitinha linda de morrer, mais uns, outros e outras. Assim, Ele foi fazendo suas escolhas. Ficou tão feliz com o empreendimento que mandou tirar grades e cercas e que aquele lugar fosse para todo o sempre um santuário de todas nós as aves e batizou o local com o pomposo nome de Academia dos Pássaros Livres. Não ficou mimoso?
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Ah, ia me esquecendo, determinou que quando uma ave viesse a falecer, outras poderiam aparecer e apresentar sua candidatura para que as efetivas fizessem a escolha. E até que estava dando certo, tanto que quando o azulão bateu com as dez, o tico-tico e o bicudo entraram em disputa. Não foi a vez do tico-tico.
Mas o tempo foi passando, passando e a vigilância relaxando. Pois não é, que em disputa acirrada de uma feita a passarinhada elegeu um pardal que nem tem penas coloridas e não canta coisa alguma. Tempos depois apareceu uma rolinha que acabou ocupando um dos poleiros. Eu pergunto: Pode uma coisa dessas?
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Quem pensa que Ele é onipresente, não é bem assim. Tem bicho bagunçando o coreto e o Homem lá de cima não está vendo. Se essas coisas continuarem do jeito que vão indo, essa encantada Academia vai acabar se descaracterizando. Pois vejam o que anda acontecendo. Dias atrás o sanhaçu foi falar com Deus. Todo mundo ainda em oração pelo falecido quando quem aparece? Adivinhem! Uma coruja-buraqueira que é feia de dar dó e não canta, só só pia e mal. Não teve a menor consideração pelo defunto ainda quente e já chegou chegando, se achando e toda enxerida apresentou sua candidatura acreditando ser bela e que canta como um canarinho. Dizem as más línguas (ou maus bicos) que essa coruja joga pesado, faz pressão e outras coisas que não vou citar, porque tenho medo de estilingue (uns chamam de baladeira).
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Noutro dia, meu amigo pintassilgo sentindo desconforto com a situação deitou falação, digo cantoria, protestando com essas intromissões de gente que não tem o perfil que a norma exige... Parece que nossas efetivas, não deram atenção e a buraqueira está com todo gás e se não ficarem de prontidão essa ave de rapina vai acabar ocupando o poleiro do sanhaçu. Será? Bem, então, só iríamos ver uma tradição indo embora como penas ao vento.