De onde se origina a interjeição “Uma ova!”, que exprime repúdio ou negação?
O vocábulo ova se origina do latim ova, plural de ovum, “ovo”, e designa a “bainha cheya dos ovosinhos do peixe, e de alguns insectos” (MORAES SILVA, Diccionario da língua portugueza. Lisboa: Typographia Lacerdina, 1813, s.v.).
GD'Art
Pela semelhança de formas, ovis, “ovelha”, se teria associado, segundo alguns autores, notadamente Bréal (Cf. NASCENTES. Dicionário etimológico da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Acadêmica, São José, Francisco Alves e Livros de Portugal, depositários, 1955, s.v. ova), mas sem respaldo documental, ao latim ovare, “ovacionar”. A ovação designaria o sacrifício de uma ovelha, além de também designar um triunfo menos solene, entre os romanos. Segundo Moraes Silva (o.c. s.v.), “uma honra que se fazia ao que não merecia a de ir em verdadeiro, e próprio Triunfo.”
A relação proposta por Bréal entre o verbo ovo, -as, -are, “imolar uma ovelha para a cerimônia do pequeno triunfo”, e ovis, “ovelha”, parece não justificar-se. Nenhum dos textos relativos a ovatio menciona o sacrifício de uma ovelha.
GD'Art
O verbo ovare tem o sentido de “soltar gritos de alegria”. A palavra se especializou com o sentido de “alegrar-se de uma vitória, conquistar um pequeno triunfo”. A ideia de sacrifício de uma ovelha nunca foi abonada, segundo informações que rastreio de A. Ernout e A. Meillet (Dictionnaire étymologique de la langue latine. Paris: Klincksieck, 1967 s.v. ouo, -as, -are). O particípio ovatum, segundo esses autores, não é atestado, e as formas pessoais são raras. A forma mais frequente é ovans.
Como a derivação regressiva de deverbais não é incomum (ao lado de conservação, apelação, consolação e sustentação, por exemplo, nós temos os nomes conserva, apelo, consolo e sustento), e como também não é incomum a derivação regressiva a partir dos nomes em –ão (porrão, vasilha bojuda para guardar bebidas, deu porre, por metonímia, designando a embriaguez),
GD'Art
é possível que o sentido de ova, na expressão “Uma ova!”, se origine, não de ova, plural de ovum, segundo a explicação do Houaiss, como adiante se verá, mas por derivação regressiva do nome ovação, para designar compensação ou consolo, já que ovação, no sentido clássico da forma latina ovatio, de alegria ante um pequeno triunfo, era apenas um consolo. Assim, em sentenças como — “Uma ova que ele ganhou na loteria!” “Ele recebeu algum prêmio? Uma ova!”—, a expressão “uma ova” originalmente designaria a triste compensação de um consolo inútil e sem valor, e, por extensão, “coisa nenhuma”. Na verdade, “uma ova!” é expressão algo grosseira que registra uma enérgica contestação por parte de quem a profere.
A ova de peixe relaciona-se com ovum, i, “ovo”, e não com o termo ova da expressão em apreço, pela inexistência de semas comuns. Trata-se, portanto, a meu ver, de uma convergência de formas. Note-se que ovação também designa o conjunto das ovas de peixe.
GD'Art
Acho que essa é uma explicação plausível. Faltam-me textos para observar o emprego da expressão ou a sua evolução, exatamente porque se trata de uma interjeição e, portanto, de uma forma paralinguística atestada apenas em textos populares que reproduzem a oralidade. A palavra ova (de peixe) só aparece escrita pela primeira vez no séc. XVI, em João de Barros, segundo José Pedro Machado (Dicionário etimológico da língua portuguesa. 2.ed. Lisboa: Confluência, 1967, s.v.). Mas a expressão “uma ova!” deve ser de atestação bem mais recente, já que ovação, segundo Moraes (o.c. s.v.) se documenta a partir do séc. XVII com o sentido de “pequeno triunfo”. O verbo correspondente — ovacionar — que tem o sentido de “aclamar publicamente”, só é atestado no século XX, segundo A.G. Cunha (Dicionário etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982, s.v. ovação).
Que aceitemos essa explicação à falta de outra melhor.