Uma das caraterísticas do dialeto mineiro (“mineirês”) é a utilização generalizada da interjeição uai. Qual a sua origem?
As interjeições são paralinguísticas. Não é fácil uma interjeição ser fruto de influência estrangeira, porque não é palavra real. E, por não ser a interjeição uma palavra real, mas apenas uma manifestação emotiva ou um substituto de sinais, fica difícil fazer uma pesquisa em profundidade a respeito da origem das interjeições, em geral.
DG'Art
A primeira ferrovia brasileira foi inaugurada em 1854, ligando o porto de Mauá à estação de Fragoso, no Rio de Janeiro. Na construção das ferrovias mineiras por ingleses, com bitola irlandesa de 1600 mm, houve influência do falar inglês no português mineiro. Daí veio a corruptela do inglês sleeper (dormente de estrada de ferro) para chulipa, de curso, então, no falar de Minas. Talvez isso possa explicar essa interjeição como oriunda da pronúncia mineira do inglês why (por quê, interrogativo). Também pode não ser por causa da construção das ferrovias, mas por causa dos mineiros que trabalhavam na mina de Morro Velho, cujos donos eram anglófonos.
A interjeição uai pode não ter origem na pronúncia mineira do inglês why, porque já era de uso desde 1640, na Ilha das Flores, no arquipélago açoriano, segundo consta no verbete uai do Novo Dicionário da Língua Portuguesa, de Cândido de Figueiredo
Ilha das Flores, Arquipélago dos AçoresM. Cartas
Uma outra teoria sobre a origem de uai seria a corruptela do imperativo do verbo olhar: olhai. A consoante lateral palatal intervocálica [lh] soa apenas como semivogal palatal [y] no dialeto caipira. Assim, olhai soaria [oy’ay] evoluindo com o tempo para [oay] e depois, por debordamento (ingl. “overlapping”) da vogal pretônica, para [way] (=uai). Acontece que já não era corrente, então como agora, o emprego de vós, restrito apenas às orações estereotipadas da Igreja Católica (“Pai nosso, que estais no céu, santificado seja o vosso nome...”) e à letra de algumas canções folclóricas (“Dizei, senhora viúva, com quem quereis se casar: se é com o filho do conde...”), o que diminui a probabilidade de ser olhai o étimo de uai.
Os InconfidentesCarlos Oswald, c.1939
Enfim, aí estão as hipóteses. Apesar da minha descrença sobre essas teses a respeito da origem de uai, acredito que qualquer uma delas vale a pena investigar. Ou tentar aventar outras hipóteses. É melhor uma explicação provável do que nenhuma.