Já estou naquela fase da vida em que não posso deixar certos registros para depois. Quem está mandando no meu pedaço é o “agora” e o “depois” está, para quem quiser saber, perdendo espaço todos os dias. Sendo assim, como tudo para mim é urgente, resolvi abrir o baú de minhas memórias e tirar algumas coisas de lá. Quando as escrevemos e depois as publicamos, eternizamos lembranças.
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Tais publicações não precisam ser necessariamente em livros; temos revistas, jornais, blogs e, para darmos um quê de contemporaneidade, vale citar as mídias sociais. É por essas veredas que vou me arriscar com este texto.
Um dito popular diz que um homem só se realiza quando planta uma árvore, tem filho e escreve um livro. Plantei árvores e não foram poucas. Filhos, tive 7 (é o que diz o Datafolha). Livros já passam de meia dúzia, fora os que participei com algum texto e os que organizei. Dito isso, não considero essa premissa como verdadeira. Há homens que jogam esse pretenso axioma no lixo. É só ver: Machado de Assis nunca teve filhos, nem Santos Dumond. Pelé e Garrincha nunca escreveram livros. Joaquim José da Silva Xavier não teve tempo de plantar árvores porque passou boa parte de sua curta vida conspirando contra a Coroa Portuguesa e tirando dentes das pessoas. Esse nosso mártir não deixou descendentes, nem legou à posteridade uma linha sequer com sua caligrafia.
Para mim, o que enriquece a biografia de um homem são os amores que ele teve (pode ser no singular, mas tem que ser intenso, para valer) e os bares que frequentou (aí tem que ser no plural).
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Falar dos meus amores é meio complicado. Não é de bom alvitre citar nomes por óbvias razões. Se não conseguiram ser eternos, mas como já mencionou um poeta, foram infinitos enquanto duraram. Mesmo aquelas promessas e juras, movidas pelo teor etílico foram sinceras, embora só durassem até o clarear de um novo dia, quando eu já não me lembrava mais delas. Mas nos momentos em que as pronunciei eram genuínas e traziam o melhor que havia dentro de mim. Sofrer de amor? Claro que sim e quantas vezes. Nessas histórias de amor, fui até mocinho, outras vezes nem tanto, mas acho que não cheguei a ser bandido. Quantos aos amores é prudente ficar por aqui.
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Ah, agora os bares e vou ficar só nos três melhores, dos tempos em que eu tocava a lira dos meus vinte anos, a dos trinta também. Isso lá na minha distante São José dos Campos.
Começo pelo Bicão, bem ao lado da Faculdade de Direito, início da Rua Paraibuna. Era do Lawrence, o melhor dono de bar que conheci. Ali, na TV ainda em preto e branco, assisti todos os Jogos da Copa de 1970. Eu e a namorada, um daqueles amores que não achei prudente mencionar. Naqueles dias de euforia, saíamos dali cantarolando “Setenta milhões em ação, Pra frente Brasil, Salve a Seleção...”. Eram os anos de chumbo e eu estava em umas paradas sinistras. Mas no Bicão, por muito tempo entre uma cerveja e outra e o beijo da mocinha amada, nem me lembrei que o país agonizava.
Ainda naqueles tempos, havia o Margaridas (seria Margarida’s?), mais sofisticado, ficava na Rua Major Antônio Domingues. Era bar para depois do cinema. Eu entrava meio que de penetra, porque só se via gente bonita naquela taberna. Eu estava longe desse padrão estético, mas era abusado e apostava na conversa.
Anúncio do bar Post Office de S. J. dos Campos, anos 1970 ▪ Fonte: SJC Antigamente
Ousadia que me permitiu muitas vezes apresentar minha candidatura a uma moçoila que parecesse disponível. Raramente obtive êxito, mas as que deram certo, como valeram a pena.
Agora o bar de quando já havia apagado o facho. Diria, foi o boteco da maturidade. Só fui lá com esposa a tiracolo. Ficava num pequeno centro comercial da Vila Ady Ana. Chamava-se Post Office. Esse bar não me marcou pelo que se servia ali, mas por quem servia. Se Lawrence foi o melhor dono de bar que conheci, Corinthiano foi o melhor de todos os garçons. Gentileza, bom humor, generosidade, atenção, eficiência, presteza, seriam só alguns dos atributos do Corinthiano. Meses atrás soube que esse “caba” foi falar com Deus.
É só o que me permito dizer dos bares e dos amores que tirei desse baú de saudades.